Sabrina é o nome dos quadrinhos que, produzidos nos EUA, chegaram ao Brasil em meados do ano de 2020. Quem trouxe o trabalho para nosso país foi a editora Veneta, sendo que ele trata do declínio da verdade na era das redes sociais. Sua produção no país de origem iniciou em 2018, partindo justamente da preocupação dos produtores com os impactos devastadores que essas redes estão causando na vida das pessoas comuns.

Essa obra se mostrou tão importante, como fonte de esclarecimentos, que foi a primeira do gênero a receber indicação para o Prêmio Man Booker Prize, a premiação literária de maior prestígio do Reino Unido. Cabe a ela, por exemplo, escolher a cada ano o melhor romance de língua inglesa lá publicado. E suas escolhas têm um grande peso no mercado editorial. Não foi essa a primeira incursão do autor Nick Drnaso pelos quadrinhos. Ele fizera sua estreia em 2016, com Beverly, uma coleção de histórias ficcionais curtas. Essa, apesar de mais antiga, ainda não foi publicada em nosso país.

Em Sabrina, a ação se desenvolve a partir do desaparecimento da personagem que dá título à obra. Isso, evidentemente, causa enorme angústia e sofrimento entre as pessoas próximas a ela, em especial sua irmã Sandra e o namorado Teddy. O que se agrava quando o episódio começa a receber acréscimo de teorias conspiratórias disseminadas pela internet. Essas versões destroem não apenas a verdade, como também atingem a realidade dos personagens, mostrando que a devastação que as mídias sociais promovem estão longe de atingir apenas pessoas de destaque público, podendo ferir gravemente qualquer um de nós.

No início da história, Sabrina vai passar a noite na casa dos pais, que saem em viagem, para cuidar do gato que eles têm. Lá recebe uma breve visita de sua irmã, com a qual faz planos para suas próximas férias. Sandra então vai para uma festa, sem imaginar que não veria mais a outra. Isso porque na manhã seguinte a protagonista deixa a residência e não é mais vista. Teddy, com quem ela morava, passa a ter problemas com alimentação e sono. Então surge um vídeo no qual se apresenta uma suposta atrocidade e o que era ruim piora muito.

A história é dramática, mas o traço usado para descrever tudo o que ocorre é sóbrio, contido. Não há cores fortes e o autor não recorre a nenhum clichê. A narrativa segue de propósito não apaixonada, fato que talvez contribua para que tudo pareça mais real. Milhares de pessoas desaparecem no mundo todos os anos. Mas o drama raramente é algo público, tendo apenas para os envolvidos o poder de causar dor mais profunda. Para todos os outros, se trata de mais um caso. Algo distante como são as notícias mais dolorosas do telejornal da noite, que nos acostumamos a consumir jantando, sem qualquer problema digestivo.

O estilo do desenho é o caracterizado pela expressão “ligne claire”, uma tendência franco-belga que se vê desde que Hergé lançou seus álbuns com “As Aventuras de Tintim” – na infância acompanhei todas essas. Tudo é feito com o mínimo de linhas que seja possível, além de não ser usado nenhum sombreado. O que se percebe nos desenhos, também, é o esforço feito para ilustrar uma ausência. Como mostrar o que não está lá? Como retratar a falta que Sabrina faz? Esse pesadelo não por acaso se ambienta no primeiro ano do governo de Donald Trump. Apesar da política não ser referenciada na obra, há um clima de terror latente, nos sons que ouvem os personagens, em um livro de atividades infantis e principalmente no que brota do online. As pistas que surgem são tão contraditórias quanto a época, marcada por uma paranoia global. E o leitor termina arrastado para dentro da história, como se precisasse se envolver no processo de fabricação de mentiras e das teorias fantasiosas que conduzem a narrativa.

Se engana quem pensa que o tema central é um crime, talvez sequestro ou assassinato. O autor relata mesmo uma visão sobre a natureza da verdade. Sobre o que é a erosão causada pela internet e sobre o que fizemos com a credibilidade das pessoas. Uma boa sugestão de leitura.

17.08.2022

Nick Drnaso, o autor de Sabrina

O bônus de hoje é Prece, vertida do talento de Fernando Pessoa, na voz de Maria Bethânia. A música é de Denis Bevenuto, que está ao piano.

DICAS DE LEITURA

SABRINA, de Nick Drnaso

Capa dura – 208 páginas – R$ 87,18

Livro de quadrinhos adultos, o primeiro indicado ao Man Booker Prize, que é considerado o prêmio mais importante da literatura de língua inglesa. No Brasil, ganhou o Prêmio Grampo de Ouro de 2020, como a Melhor História em Quadrinhos publicada no país.

Basta clicar sobra as imagens da capa do livro e você será direcionado para a possibilidade de aquisição. Comprando através desse link, o blog será comissionado.

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