REFRIGERANTES SÃO UM RISCO LÍQUIDO

O primeiro passo dado num processo que viria a se tornar a lucrativa indústria de refrigerantes de hoje em dia, foi ainda em pleno século XVIII. O químico inglês Joseph Priestley inventava, em 1772, um modo de se gaseificar água, com a injeção de gás carbônico. Mas foi apenas 99 anos depois, em 1871, que surgiu oficialmente, nos EUA, uma empresa que se dedicava à produção e engarrafamento de uma bebida que merecia ser identificada como tal: a Lemon’s Superior Sparkling Ginger Aleã. O que aconteceu 15 anos antes do farmacêutico John Stith Pemberton criar a Coca-Cola, em Atlanta. Mais sete, em 1893, um colega de Pemberton chamado Caleb Davis Bradham inventa bebida que batizou de Brad’s Drink. Isso foi na Carolina do Norte, sendo pouco tempo depois seu nome alterado para Pepsi-Cola.

No Brasil, o pioneiro foi o médico Luiz Pereira Barreto, de Resende, no Rio de Janeiro. Em 1905 ele criou um método que permitia realizar o processamento das frutas de guaraná, que como xarope poderia depois ser bebido com água gaseificada. E em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 1906 foi lançada a primeira linha nacional de refrigerantes industrializados. Eram três produtos distintos: Guaraná Cyrilla, Água Tônica de Quinino e Limonada Gazosa. Isso foi muito antes do que começou a ser feito pela Antarctica, em 1912; e pela Brahma, em 1918. Também merece destaque o Guaraná Jesus, com sabor de canela, uma invenção do farmacêutico Jesus Norberto Gomes, em São Luiz do Maranhão, em 1920. O “batismo”, como se vê, está relacionado ao nome do criador, não sendo nenhuma carona pega no cristianismo.

Os ingredientes que compõem essa espécie de bebida não alcoólica são água tratada; açúcar, em geral sacarose, com cerca de 11%; concentrados, que dão cor, aroma e sabor; acidulantes, que regulam a doçura e acentuam o paladar; antioxidantes, que evitam a ação do oxigênio sobre o produto; conservantes, que inibem o desenvolvimento de microorganismos que provocam turbidez; edulcorantes, usados quando são refrigerantes de baixa caloria; e dióxido de carbono, para gaseificar. Assustadoramente artificial, como se pode perceber. Mesmo assim, com os riscos que hoje se sabe que podem trazer para a saúde, são largamente consumidos no mundo todo.

Foram momentos que impulsionaram o consumo, a popularização dos eletrodomésticos, nos anos 1950 – os domicílios passaram a ter quase todos um refrigerador –; e o forte investimento publicitário. Bem depois disso, também ajudaram o surgimento das latinhas e das embalagens PET, mais práticas do que as antigas, que eram apenas de vidro; e o estilo de vida das pessoas, cada vez mais urbano e com pouco tempo para as refeições, feitas em geral fora de suas casas. Com tudo isso, os saudáveis sucos naturais foram sendo deixados de lado. Apesar da indústria esconder um pouco os números reais da sua comercialização, dados ainda de 2014 apontam para terem sido vendidas em todo o mundo naquele ano mais de 1,7 bilhão de copos, latinhas ou garrafas, apenas da Coca-Cola. Isso significa cerca de 19.675 unidades por segundo. Nos últimos dois anos, o mercado teve retração, mesmo que não significativa. Isso foi devido a fatores econômicos, mas também em função de uma conscientização maior da população, que tem sido melhor informada e orientada na busca de alimentação que seja mais saudável.

Voltando ao quesito publicidade, quando também nos anos 1950 um produto sabor uva buscou aceitação no mercado brasileiro, recorreram a Heitor Carillo, que criou um jingle que se tornou muito famoso. Ele fez uso do recurso de repetição do nome, para torná-lo conhecido, mas fez isso levando ao extremo. E o “quem bebe Grapette, repete Grapette, Grapette é gostoso demais” marcou mais de uma geração. Quatro décadas depois, quando o Guaraná Antarctica enfrentava dificuldades por ser consumido geralmente por crianças pequenas e pessoas idosas, Nizan Guanaes criou uma campanha também calcada no forte uso de jingles, buscando outros públicos. Foram três peças publicitárias em dois anos de veiculação: uma associava a bebida com pizza, outra com pipoca e a terceira com sanduíche. Especialmente a segunda colou de tal maneira no imaginário das pessoas, que o Guaraná pulava das prateleiras como o milho saltava no óleo quente. Esses dois exemplos estão em áudio, no final do texto.

Contado um pouco da história, da formulação e outros que tais, não se pode concluir sem a citação de problemas de saúde que os refrigerantes causam. O primeiro e óbvio é a obesidade, pelo fato de serem muito calóricos, na sua maioria. O segundo, também decorrente do excesso de açúcar e acidez, é ser facilitador do surgimento de cáries: o esmalte se dissolve e as bactérias bucais tomam conta. Também há o problema de contribuírem para formação de pedras nos rins, pela presença de ácido fosfórico na fórmula, sobrecarregando o trabalho daqueles órgãos. Essa mesma substância causa osteoporose. E o xarope de milho, que tem muita frutose, feito em combinação com enzimas artificiais, causam vício, provocam diabetes e problemas cardiovasculares. O que menos as pessoas sabem é que o benzoato de sódio, que está na fórmula da maioria, está associado à causa da asma e de eczemas. Mas, o que pode também ser muito sério, sendo desconsiderado por órgãos da saúde responsáveis pela regulamentação, é que muitos são envasados em embalagens que contêm ABP ou bisfenil-A, uma resina associada ao desenvolvimento precoce da puberdade. Isso leva a posteriores problemas reprodutivos.

Agora, que já devo ter informado e assustado o suficiente uma boa parte dos meus leitores, me deu sede. Vou até a cozinha, espremer umas laranjas que, espero sinceramente, não tenham muito agrotóxico.

30.04.2021

No bônus musical de hoje, o clip de Anúncio de Refrigerante, da banda brasiliense Capital Inicial.

APRENDENDO COM OS ANIMAIS

A foto que ilustra o texto de hoje evidencia o quanto se pode aprender com os animais, o quanto a sociedade humana poderia ser melhor, se observasse o modo de vida deles. Uma alcateia se desloca em campo coberto de neve. Na frente vão três lobos que são os mais velhos ou que estão doentes. A razão é que o ritmo que eles suportam é o que deve ser seguido pelos demais. Se ficassem para trás, não aguentariam a caminhada e iriam terminar morrendo. Os mais fortes do grupo são dez e se dividem em dois: cinco vão logo atrás dos que conduzem o grupo, para resistir a um eventual ataque; outros cinco cuidam da retaguarda, pelo mesmo motivo. Entre esses dois conjuntos de guardas, seguem as fêmeas grávidas, os mais jovens e os recém nascidos, devidamente protegidos. E por último, está o líder. Este consegue ver todos os demais e pode determinar que ações devem tomar, conforme as circunstâncias. Tudo é feito pelo bem de todos, não importando suas condições. Há respeito pelo coletivo, superando o interesse individual.

Entre os humanos, crianças e mulheres são abusadas, agredidas e mortas, muitas vezes por seus próprios pais, padrastos e companheiros. E em geral os velhos e doentes estão por último. São peso morto, gente desimportante, que não produz mais e isso é um absurdo inaceitável – lembrei agora de Gregor Samsa, no maravilhoso livro Metamorfose, de Franz Kafka. Se uma pandemia reduz o número de idosos, ótimo! Uma “reforma” da Previdência, sem precisar de debates e aprovação no Congresso. Se mais doentes graves morrem, diminui a necessidade de investimento em estruturas de saúde pública e em centros de recuperação, além de se “depurar” a raça. Perfeito!

Morcegos que habitam o México e a América Central têm um sistema de partilha de alimentos. Esses mamíferos alados têm uma estrutura física frágil o suficiente para os levar à morte, se passam dois dias sem obter o seu alimento. Assim, quando um consegue encontrar, compartilha com os demais membros do grupo. Se isso não fosse feito, estima-se que quatro de cada cinco indivíduos morreriam a cada ano. E sua espécie estaria ameaçada seriamente de extinção.

O ser humano come além do que necessita e dificilmente divide alguma coisa. Nas sociedades ocidentais os hábitos alimentares, aliados ao sedentarismo, estão levando à obesidade coletiva, abreviando vidas ou no mínimo reduzindo sua qualidade para um grande contingente. Outras pessoas, no entanto, não têm sequer o mínimo. E o desperdício de alimentos é outro fator, chegando a algo próximo de 20% do total que é produzido. Em 2019, último ano com estatísticas e projeções fechadas, foram cerca de 931 milhões de toneladas jogadas fora ao invés de partilhadas. Nos lixões, uma sub espécie humana precisa catar, todos os dias, uma apodrecida sobrevivência.

Pássaros estorninhos voam sempre em grandes grupos, formando nos céus enormes figuras. Essa é uma estratégia para afastar predadores, que são iludidos com a visão de um grande corpo em deslocamento. Eles são de tal forma organizados que conseguem voar em velocidades muito grandes, próximos uns dos outros, sem colidirem. Algo semelhante é feito por cardumes de peixes. Eles nadam em sincronia, formando uma massa homogênea, o que impede que um agressor consiga focar sua atenção em um único indivíduo, que estaria indefeso se estivesse isolado.

O individualismo é uma das características mais marcantes do nosso atual modo de vida. É cada um por si e Deus por todos! Se bem que não entendo que Ele devesse se preocupar com quem não pensa em seus semelhantes. Venha a nós tudo, ao vosso reino nada! Querer um ótimo salário não deveria ser razão para se torcer que os outros ganhem pouco. Desejar uma boa casa não deveria chegar ao ponto de se entender como natural que tantos vivam nas ruas. Do lado de lá do muro, o problema é do vizinho. E se alguém pular para o lado de cá, eu uso uma das tantas armas que agora nos deixam comprar.

Plauto (254-184 a.C.) teria dito que Lupus est homo homini lupus. Traduzindo do Latim, algo como “o homem é o lobo do próprio homem”. No século XVII o filósofo inglês Thomas Hobbes repetiu a expressão na sua obra Do Cidadão. O que, obviamente, a tornou muito mais popular. Mas acho que nenhum, nem outro, teria visto algo semelhante à alcateia que usei para exemplificar a abertura desta crônica.

28.04.2021

Assinalados em vermelho, os velhos e doentes. Em amarelo e verde, os guardas. A seta mostra o líder.

Atenção: há trechos nesse texto que estão carregados de ironia. Não confundam as palavras com postura, opiniões ou crenças do autor.

O bônus musical de hoje é Como Dois Animais, de Alceu Valença. Esta é a oitava faixa do álbum Em Todos os Sentidos, que ele gravou ao vivo na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro.