JUSTIÇAMENTO

Zona Oeste da cidade de São Paulo, 25 de abril de 2023, terça-feira. Um homem chamado Christopher Rodrigues, dirigindo um automóvel marca Ford, modelo Ka, de cor preta, ao se deparar com outro que era suspeito de ter furtado um celular de um motorista de aplicativo nas proximidades, acelera e o atropela propositalmente. Este fica agonizando debaixo do carro, mas o motorista desce e se recusa a remover o veículo, para que o atropelado seja atendido. Mais do que isso, debocha das pessoas próximas que seguem pedindo: “chegaram rápido os Direitos Humanos”, diz ele, achando graça do seu feito. E afirma que só fará isso quando chegarem autoridades policiais. Quem chega primeiro são os socorristas do Corpo de Bombeiros, que realizam massagem cardíaca e conduzem o homem para o hospital, ainda com vida. Entretanto, antes mesmo que os profissionais realizassem o preenchimento do boletim de ocorrência, são informados que ele não havia resistido.

Segundo consta, sequer houve registro informando ter ocorrido homicídio culposo. E Christopher pode depois “comemorar” nas redes sociais, com vídeos e fotos: “agora é menos um fazendo o L”. Ele também relata que familiares do homem morto chegaram ao local, pedindo para que o carro fosse tirado de cima, coisa que confessa não ter feito. “Dessa vez não tem cervejinha nem picanha”, acrescenta sentindo-se como um herói que estava ajudando a limpar a cidade. Até sexta-feira o Metrópoles, que fez a reportagem, informava que mesmo tendo pedido esclarecimentos junto à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, não obteve resposta.

Vamos admitir que o suspeito tenha de fato furtado o celular. Se o crime por ele cometido deve ser punido com a morte, então quem mata alguém, por cometer um crime muito mais grave, também não deveria ser morto? Assim, seria plenamente aceitável que outra pessoa imediatamente tratasse de executar o atropelador. E mais outra teria que executar o executor. Então se entraria em um modo de mortes sucessivas e intermináveis. Basta que se pense nessa hipótese que acabo de levantar para que se tenha a certeza de que é importante existir uma estrutura judicial que, provocada a partir do inquérito policial e da posterior denúncia do Ministério Público, possa agir com a devida parcimônia. Porque é necessário que exista a proporcionalidade entre delito e pena, além de ser sempre assegurada a ampla defesa de qualquer acusado.

Não cabe a nenhum de nós o direito de realizar julgamento sumário e, muito menos, aplicar qualquer pena de forma arbitrária. E quem entende que seja aceitável fazer isso, talvez mude de ideia quando e se o destino – ou o acaso, como cada um preferir – colocar um ente querido seu com uma vítima de justiçamento. Justiça com as próprias mãos é uma conduta não aceita e não incentivada. O sistema jurídico brasileiro capitula isso como uma infração penal, estando ela no hall dos chamados “crimes contra a administração da Justiça”. E se a eliminação sumária de um culpado por crime de pequena monta já se revela um absurdo, imaginemos então o quanto seria se o “condenado” fosse depois declarado inocente. Nem os policiais, que têm permissão dada pelo Estado para o uso de força letal, podem fazer isso exceto quando diante de risco pessoal ou de terceiros, imaginem então o que dizer de pessoas comuns.

O justiçamento pode ser executado por indivíduo isolado ou por grande número de pessoas, agindo coletivamente. Nesta segunda hipótese se dá um linchamento. Em ambas as situações, os atores não agem como seres racionais e dotados de moralidade. Em Guarujá, no litoral paulista, Fabiane Maria de Jesus, uma dona de casa de 33 anos que estava grávida, foi confundida com uma sequestradora de bebês e espancada na rua. Morreu dois dias depois, em um hospital. O fato ocorreu em 2014. Cinco dos homens que participaram do linchamento foram presos, julgados e condenados a penas de 30 anos de reclusão, além de terem que indenizar a família da vítima. Espera-se que Christopher Rodrigues seja tratado do mesmo modo.

30.04.2023

O Ford Ka com a vítima do atropelador
Christopher Rodrigues, “homem de bem” e “justiceiro”

Chave PIX para contribuições voluntárias: virtualidades.blog@gmail.com (Qualquer valor será sempre bem-vindo)

Se você gostou desta crônica, garanta a continuidade do blog com uma doação. Isso ajudará a cobrir custos com sua manutenção. Logo aqui acima você encontra uma Chave PIX e abaixo deste texto existe um formulário para fazer doações. São duas alternativas distintas para que você possa optar por uma delas e decidir com quanto quer ou pode participar, não precisando ser com os valores sugeridos. Qualquer contribuição é bem-vinda. No caso do formulário, a confirmação se dá depois das escolhas, no botão “Faça uma Doação”.

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente

O bônus de hoje é a música Train Wreck, com James Arthur, cantor, músico e compositor britânico. A letra está traduzida.

O MSTchê

Não é incomum que se faça generalizações apressadas e muito menos que se use termos de um modo impreciso, quando se atribui a outras pessoas ou verifica de fato nelas algum comportamento inapropriado e absurdo. Como chamar de louco, por exemplo. Ou de paranoico. Podem ter certeza de que muitas vezes os verdadeiros loucos e paranoicos não merecem essa comparação, que os deprecia.

Para evitar incorrer nessa falha – ao menos desta vez, porque em muitas com certeza cometi esse erro –, fui me informar o que seria de verdade a paranoia. Achei descrições que a colocam como uma série de sensações de caráter irracional, que se tornam persistentes e que um indivíduo tem em relação a outras pessoas e ao mundo em geral. Ainda verifiquei que elas podem ser esporádicas e aleatórias, ou ter sempre um alvo específico. Posto isso, não me parece que seja exagero considerar a hipótese de tal distúrbio esteja presente em muita gente que agora se manifesta usando as redes sociais e os meios de comunicação.

O paranoico não pode ver duas pessoas conversando e acha que estão falando dele. Como se tudo fosse uma conspiração o tempo todo. Fica de fato convicto da realidade de suas preocupações e passa a tirar conclusões precipitadas e distorcidas. Ele suspeita que o tempo todo há algo ou alguém querendo atingir a ele e também ao que o constitui, como os seus pontos de vista, seus projetos pessoais e profissionais, bem como seus relacionamentos. E o mais interessante é que o paranoico não aceita sequer a possibilidade de que esteja paranoico. Se outra pessoa ousa levantar essa hipótese é porque ela também faz parte deste emaranhado de injustos e mentirosos que estão atentos a ele.

Dias atrás um colega jornalista, que atua na Gazeta do Povo e na Jovem Pan, postou uma imagem que retirou da transmissão do programa que a Globo leva ao ar nas noites de domingo, o Fantástico. E a usou como sendo a prova de que os golpistas que atacaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro, eram na verdade esquerdistas disfarçados. O texto que colocou junto da tal imagem era o seguinte: “Pergunta para a CPMI fazer: O que esse “patriota” estaria fazendo com a bandeira do MST na mão, dentro do Palácio do Planalto, durante a invasão com depredação do 8 de janeiro?”. A reprodução que faço aqui é exata. Inexato é o pensamento do autor da postagem, uma vez que a bandeira portada pelo depredador era a do Rio Grande do Sul.

Considerando que o cidadão trabalha profissionalmente há três décadas e que também é professor universitário, se torna impossível acreditar que não soubesse ser aquela a bandeira de uma unidade da Federação. Ele fez curso superior, especialização, trabalhou em emissoras de rádio tendo sido inclusive diretor e editor-chefe em mais de uma delas. E tem um blog no qual escreve sobre política. Logo, afasta-se a hipótese de ser pura desinformação: é paranoia mesmo. Seus olhos viram algo, mas o cérebro decidiu enxergar outra coisa, escancaradamente. Ele precisava achar alguma prova de que seu ponto de vista político é coerente. E foi incoerente para alcançar isso.

Como as redes sociais são implacáveis, de imediato sofreu a reação de centenas de pessoas. A maior parte delas de forma bem humorada. Uma que se tornou talvez o carro-chefe dos memes foi a que atribuiu a ele a fundação do MSTchê. Para quem seja necessário explicar o que isso significa, trata-se da fusão da sigla do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) com uma expressão coloquial gaúcha, o Tchê. Ela é uma espécie de saudação, que usamos para nos referirmos a alguém, tendo sentido semelhante – mas não igual – a cara, amigo, companheiro. E a CPMI é a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que deverá ser instalada para investigar os acontecimentos antidemocráticos e golpistas.

Já que o “vivente” se meteu a incluir gaúchos na empreitada de querer associar os eventos a movimentos de esquerda e ao atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, podemos prosseguir usando alguns dos ditados que são comuns aqui no Sul. Como dizer que ele, diante da imagem, ficou “mais assanhado que lambari de sanga”, acabou se precipitando e mostrou ser “mais boca aberta que burro que comeu urtiga”.

28.04.2023

P.S.: Escrevi esse texto na quarta-feira, dia 26. Quando estava concluindo recebi a informação de que a Jovem Pan o demitira na manhã anterior. Ele atuava no programa “3 em 1” e, além de ter postado a inverdade, ainda foi grosseiro com internautas que depois o corrigiram, sendo isso a “pá de cal”. A emissora já sofreu penalidades antes, pela disseminação de fake news, estando por isso mais atenta quanto às questões editoriais. Na semana passada a JP também rompeu contrato com uma afiliada que tinha sede em Itapetininga, cidade do interior de São Paulo. Isso porque o proprietário da parceira confirmou, em entrevista, que foi um dos financiadores da tentativa de golpe em 8 de janeiro.

Invasor levava consigo uma bandeira do RS, mas por cegueira ou má fé entenderam ser ela o pavilhão do MST

Chave PIX para contribuições voluntárias: virtualidades.blog@gmail.com (Qualquer valor será sempre bem-vindo)

Se você gostou desta crônica, garanta a continuidade do blog com uma doação. Isso ajudará a cobrir custos com sua manutenção. Logo aqui acima você encontra uma Chave PIX e abaixo deste texto existe um formulário para fazer doações. São duas alternativas distintas para que você possa optar por uma delas e decidir com quanto quer ou pode participar, não precisando ser com os valores sugeridos. Qualquer contribuição é bem-vinda. No caso do formulário, a confirmação se dá depois das escolhas, no botão “Faça uma Doação”.

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente

O bônus musical de hoje é Paranoia, de Raul Seixas. Ela é uma das faixas do seu álbum Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!, lançado em março de 1987.