TODO MUNDO TEM SEU TOC
Todas as vezes que eu lavo a louça, o que tem acontecido muito mais seguido agora, com a pandemia, tenho a mania de colocar os talheres no secador numa mesma ordem, virando para baixo colheres e garfos. As facas ficam organizadas nas duas laterais. Os copos e xícaras costumo enfileirar todas elas, atrás. Pratos, começo sempre pelos rasos, depois fundos e por último os menores. Virou uma espécie de ritual. Também não suporto muito colocar superpostos vários objetos, mesmo que sejam leves, feitos de plástico. Tudo bem, sei que isso pode ser um Transtorno Obsessivo Compulsivo, o tal TOC. Ou não, como diria Caetano. Pouco importam as razões ou a falta delas, a verdade é que agir assim me faz bem.
Ainda não cheguei ao ponto de caminhar sem pisar nos rejuntes, onde há porcelanato e chão frio. Também não tenho lugar fixo no sofá da sala; não saio da cama pisando primeiro com o pé direito; nem tiro o pó dos móveis compulsivamente, antes mesmo que se acumule. Como esse meu transtorno parece estar restrito à cozinha, tenho esperança que não seja grave. Talvez baseado no tamanho dela, que é pequena. E nem preciso me preocupar muito em buscar uma cura para isso. Fui pesquisar e descobri que o TOC propriamente dito persiste até que o exercício da compulsão traga um alívio para a ansiedade. Honestamente, não acho que seja o meu caso, pois não faço muita questão de lavar a louça. Faço porque ainda não descobri um modo dela ficar limpa sozinha. Localizei ainda um tal de TOC subclínico, no qual as obsessões se repetem com frequência, mas não atrapalham em nada a vida das pessoas. Nesse talvez eu me enquadre.
Também li que o TOC costuma se concentrar em temas derivados do medo. De germes, por exemplo, o que explica o desejo extremo que alguns têm de limpeza. Ou do fato improvável de que um objeto estar fora do lugar exato possa significar que algo ruim acontecerá. Garanto a vocês que não tenho medo das facas da minha cozinha, por exemplo, aquelas que organizo quando lavo. Teria se alguém estivesse com uma delas nas mãos, olhar de poucos amigos e vindo na minha direção. Aqui em casa estou seguro quanto a isso. Ao menos penso que sim.
Agora, fica difícil para leigos como eu diferenciarem o que seja um TOC do que não passe de simples mania. Ou mesmo algum tipo de superstição. Sabe aquele torcedor que sempre acompanha os jogos com a mesma cueca, jurando que se não fizer isso o seu time perde? Com um calendário esportivo tão apertado pelo excesso de partidas, espero que esteja ao menos tendo tempo de lavar. Sobre a diferença, que referi acima, quem entende diz que ambas as situações são coisas repetitivas. Mas que no TOC há mais tempo dedicado a ela e maior frequência. Além disso, há a probabilidade de tais ações provocarem algum desconforto e sofrimento, o que as manias não causam.
Se eu com a louça tenho é TOC, juro que não é minha culpa o fato dessa ação ser repetitiva. Mal lavo a do café da manhã e a do almoço está a postos. E assim sucessivamente. Claro que às vezes me embromo de propósito e deixo duas se acumularem, o que não soluciona o meu problema, uma vez que daí tenho que fazer em duas etapas. Não cabe tudo no secador. Talvez a solução fosse a gente comer menos vezes ao longo do dia. Mas essa alternativa não me agrada. Comer bem segue sendo um direito e um desejo, mesmo nesse recolhimento compulsório em nossas casas, impedindo as eventuais idas a restaurantes.
Outro hábito que tenho ampliado nesses últimos meses é o de escrever. Esse blog é uma das provas dessa afirmação. O resultado não é um TOC a mais, porém pode estar surgindo uma outra sigla na minha vida, incomodando o que a primeira não incomoda. Me refiro a uma Lesão por Esforço Repetitivo, a tal LER. Se o primeiro problema, na hipótese de agravamento, pode ser enfrentado com psicoterapia e medicamentos, o segundo depende de fisioterapia e alguns anti-inflamatórios. Mas tenho esperança de poder escapar de ambas as situações. Mesmo tendo que seguir lavando louça e querendo muito continuar escrevendo.
30.05.2021

No bônus musical de hoje, Zeca Baleiro e Chico Salem, com Obsessão.