QUANDO SE É INCONVENIENTE

Dias atrás, em convívio com pessoas amigas, na praia, começamos todos a lembrar momentos de nossas vidas nos quais tenhamos dito algo que jamais deveria ter sido dito. Inconveniências absolutas, considerados o assunto abordado ou o momento, por ser inadequado. Eu próprio me lembrei de vários, pois por muito tempo fui verdadeiro campeão nisso. Mas o primeiro que relatei, para deleite dos ouvintes, talvez tenha sido minha “obra-prima”, aquele no qual de fato me superei.

Recém formado em jornalismo, me mudei de Porto Alegre para Nova Prata, onde fui assumir a gerência de uma emissora de rádio. Algum tempo depois conheci e comecei a namorar uma garota que recém havia retornado para a cidade, depois de também ter feito sua graduação em psicologia, na Universidade de Passo Fundo. Não demorou muito e passou a ser normal eu fazer algumas refeições na casa dela, uma vez que morava sozinho e fora isso ou comprava viandas ou tinha que almoçar em restaurantes. Ela era órfã de mãe e seu pai casara pela segunda vez, havendo também na casa a sua irmã Ana, que tinha (tem) uma filha de nome Cândida. Eu adorava brincar com a menina pequena, em quaisquer horários, inclusive na mesa. Mexia no prato dela, contava pequenas histórias e não por acaso a gente sentava lado a lado.

Pois não é que uma vez eu, com todos à mesa, me saio com um relato daqueles que se fazia para crianças: “era uma vez uma vaca chamada Vitória; morreu a vaca acabou a história”. Enquanto a Cândida ria, a Olinda olhou para mim com os olhos arregalados e uma expressão que era a mistura perfeita entre a surpresa e o ódio. Por algum momento deve ter considerado a possibilidade de me matar, com requintes de crueldade. Acontece que a sogra do pai dela havia falecido poucos dias antes e eu, que não convivia com ela, desconhecia que seu nome era Vitória. Nem vermelho fiquei, pois não tinha sequer noção do absurdo que acabara de cometer – o que ela me contou logo após o almoço que, por incrível que pareça, transcorreu normalmente. Detalhe: o sogro do meu sogro, viúvo recente, também estava presente. Meu posterior pedido de desculpas foi sincero, mas eu próprio admito que jamais seria suficiente.

Em Mateus 15:11 consta que contamina o homem não o que entra por sua boca, mas sim aquilo que dela sai. Essa passagem evangélica, no entanto, claramente se refere àquilo que propositalmente é pronunciado, com intenção de maldade, de ferir, de ser cruel. Óbvio que não poderia Jesus estar reportando a quem, por ignorância ou ingenuidade, fala o que não deve. Assim, devo ter sido perdoado, se não por todos aqueles que estavam presentes, certamente nas esferas divinas. Agora, se as escrituras fossem feitas nos dias de hoje, talvez tivessem que aprimorar o texto e colocar que “o mal é o que sai da boca e nas redes sociais, tanto do homem quanto da mulher” – e ainda teria que se dar um jeito de incluir também a comunidade LGBTQIA+. Ajustes necessários, considerando as questões de gênero e tecnológica.

A mesma tecnologia que pode potencializar o fazer o bem, infelizmente tem o poder de ampliar o alcance do mal. E isso é feito não com a difusão de inconveniências, mas de inverdades. Se bem que poucas coisas podem ser mais inconvenientes do que uma inverdade, dando quase no mesmo. Só que as consequências vão além de uma mesa onde se almoça, além do risco de relações entre familiares e amigos ficarem estremecidas. O impacto social pode ser muito mais grave – e normalmente é –, se estendendo por anos a fio. Para esses, a solução passa longe de pedidos de desculpas, tendo que alcançar controle legal maior sobre esses difusores e uma reeducação de todos nós, que os incorporamos em nossa vida cotidiana.

28.02.2023

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Quanto ao bônus musical de hoje, trata-se de um áudio com Pepeu Gomes: O Mal é o Que Sai da Boca do Homem

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O Mal é o Que Sai da Boca do Homem, com Pepeu Gomes

A DERRUBADA DE ÁRVORES SADIAS

Quem tenha o hábito de reparar minimamente na paisagem urbana de Porto Alegre deve estar espantado com o crescente número de podas extremas e no de derrubadas desnecessárias de árvores. Nossas ruas estão perdendo um encanto que diferenciava a cidade e também, nesse aspecto, se desumanizando. Isso dói tanto ou mais do que o conhecido descaso de muitos anos com a arquitetura, as pichações e a priorização dada aos veículos em detrimentos das pessoas – apenas esse último aspecto parece estar melhorando. Agora, em se tratando das árvores, nem tente buscar dados oficiais, que comprovem aquilo que se percebe pelo olhar sensível. Desde o início da gestão de Nelson Marchezan Jr. (2017-2020) esses números não são mais divulgados. E o atual prefeito, Sebastião Melo, conseguiu ainda a proeza de firmar contratos com duas empresas terceirizadas cujo texto prevê o pagamento pelo número de intervenções feitas, o que estimula serviços desnecessários.

O problema começou ainda com a vitória de José Fortunati nas eleições de 2012. Foi a partir de então que o serviço de poda e conservação deixou de ser realizado diretamente pela administração pública. Com a chegada das terceirizadas, a média anual passou de cerca de 2.400 intervenções, entre 2007 e 2011, para 4.000 por ano até 2016, quando então os números oficiais sumiram. Quando se vê diante de protestos, a resposta padrão da prefeitura é dizer que as pessoas reclamam porque desconhecem a necessidade desse trabalho. A principal das alegações é que as redes de energia elétrica e de telefonia ficam ameaçadas na sua integridade pelo crescimento das árvores. Mas eu próprio fui testemunha de um caso espantoso, acontecido na rua Dona Eugênia, proximidades do meu apartamento. Me deparei com uma equipe realizando uma poda nada cuidadosa e perguntei a razão. “Está atingindo os fios”, recebi como resposta. Detalhe: não havia fiação alguma daquele lado da rua, pois toda ela estava apenas sobre a calçada oposta.

Em 19 de janeiro a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural buscou junto à administração pública municipal saber a razão pela qual foi serrada uma árvore sadia existente na esquina da Avenida Venâncio Aires com a Rua Vieira de Castro. Esse cruzamento, para quem ainda não se localizou, fica nas proximidades do Parque da Redenção. A resposta da Secretaria de Serviços Urbanos foi protocolar: a árvore era exótica e se encontrava em “estado crítico de conservação, com sinais de apodrecimento, inclinada e com risco de queda”. O burocrata que informou isso com certeza não esteve no local, uma vez que fotos tiradas pela Agapan desmentem totalmente essa argumentação.

As árvores podem ser classificadas como espécies nativas ou exóticas, considerando-se o local onde se encontram. As nativas, como o próprio nome indica, são aquelas que estão na região onde surgiram ou para onde se expandiram naturalmente, considerada a área de potencial dispersão. As exóticas são as estabelecidas fora do seu perímetro de distribuição natural, tendo nascido graças ao transporte intencional ou acidental feito pelo homem. Umas ou outras atuam como integrantes de um ecossistema, servindo como fonte de alimento e de habitat para uma gama muito grande de animais, algo que vai além da obviedade dos pássaros que possam ser citados. Servem ainda como matéria prima para a feitura de papel, medicamentos e fornecendo madeira para os mais diversos fins. Nas cidades, contribuem ainda para amenizar os efeitos da temperatura e como embelezamento.

Existem 8.715 espécies de árvores distintas catalogadas no território brasileiro. Ou existiam, porque várias estão em processo de extinção. Esse total corresponde a 14% das que nascem em todo o planeta, que são 60.065. Isso nos coloca ainda como o país onde ocorre a maior biodiversidade de árvores na Terra. A segunda colocação é ocupada pela nossa vizinha Colômbia, com 5.776 espécies.

Voltando à lamentável situação que ocorre em Porto Alegre, com as podas e os abates, existe um projeto já anunciado pelo Ministério Público que, se vier mesmo a ser colocado em prática, obrigará a publicização de toda e qualquer intervenção. Mas não há ainda previsão de quando tal ferramenta estará disponível. Além de uma articulação entre diversas secretarias do município, tal iniciativa depende também da vontade e do parecer da CEEE Equatorial, empresa que resultou da privatização do serviço de fornecimento de energia elétrica. Deste modo, só resta torcer e muito para que a flora aguente por conta própria essa espera, sem ser definitivamente arruinada até lá.

26.02.2023

Árvore sadia derrubada em rua de Porto Alegre. Foto da AGAPAN

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Logo depois disso você tem acesso ao bônus musical de hoje, que é o clipe de A Ordem das Árvores, com Tulipa Ruiz e participação de Arnaldo Antunes.

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