QUEM NÃO AMA CINEMA PARADISO?

O filme do diretor italiano Giuseppe Tornatore, Cinema Paradiso, ocupa um lugar muito especial em corações e mentes dos amantes da “Sétima Arte”. Não há mesmo como não amar a história de Totó e Alfredo. Mas o mais incrível é que essa verdadeira obra prima foi um fracasso absoluto em termos de bilheteria, quando do lançamento, em novembro de 1988. Foi redimido logo após, no entanto, quando recebeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e o Prêmio Especial do Júri, no Festival de Cannes. Esse reconhecimento internacional e uma análise mais atenta de muitos até então distraídos espectadores, o levaram com justiça ao panteão dos maiores clássicos mundiais. Era apenas o segundo longa-metragem do diretor. Nele é contada uma história de uma amizade profunda e de um amor ainda maior pelo cinema. A película tem verdadeira magia e conta com algumas performances cativantes, entre os atores, além de ter a música do inigualável Ennio Morricone (1928-2020).

A história se passa durante a guerra, numa cidade onde a maioria dos homens estão ausentes, lutando. Nada há para fazer na localidade, que é pequena, o que faz com que ir ao cinema se torne a única alegria coletiva, sendo pelo menos uma fuga possível da dura realidade. Nela vive o pequeno Totó, diminutivo siciliano para o nome Salvatore, que é do personagem e também do menino/ator que o interpreta (Salvatore Cascio). No cinema trabalha Alfredo, interpretado por Philippe Noiret, como operador. Além de projetar as películas, ele fica espiando o público por um buraco na parede, oportunidade na qual também aprende frases que mais tarde ele vai usar. As pequenas jóias de sabedoria, das quais se apropria, eram falas de John Wayne e Spencer Tracy, entre outros famosos.

Nesse clima e com essa proximidade cotidiana, era de se esperar mesmo que Totó e Alfredo estivessem destinados não apenas a se conhecerem, como a criar um vínculo afetivo profundo. O homem assume, mesmo sem querer, a figura paterna que está forçadamente ausente. O menino, por sua vez, se torna o filho que o homem nunca teve. É algo sincero, honesto e muito divertido. A metáfora trágica que vem a se estabelecer depois acontece quando a sala de projeção pega fogo. O perigoso celulóide em chamas cega o projetista, que precisa ser substituído pelo garoto na função. E este também termina sendo os seus olhos. Mas Alfredo quer mais para Totó: deseja que o menino viva o que ele próprio não pode, que ele se vá e triunfe em Roma. E a vida precisa seguir de alguma forma, mesmo deixando imagens nítidas nas retinas e nos corações. Isso de fato acontece e a narrativa toda é feita a partir das memórias do menino, agora um homem adulto e cineasta de sucesso.

No fundo o filme fala de filmes e mostra parte da evolução do cinema. Ele é emotivo e autêntico também pela música, pela trilha sonora que evoca nostalgia. E por mostrar que a ficção é essencial para tornar a realidade mais palatável. Faz isso mostrando a importância do sonho e o quanto esse sonho é potencializado pela tela grande na sala escura. Mesmo que atualmente as grandes casas estejam todas elas sendo substituídas por salas menores, em geral dentro de shoppings. Ou que as sessões privadas, no âmbito das residências, facilitadas pelos muitos serviços de streaming, proliferem. Nem isso tudo somado irá matar de vez o cinema. Assim como a esperança, ele sempre resiste e segue emocionando. E se reinventa, em sucessivas e primorosas criações, como essa comentada hoje.

31.01.2022

Alfredo (Philippe Noiret) e Totó (Salvatore Cascio), na sala de projeção

O bônus de hoje é a canção central do filme Cinema Paradiso: ela é Love Theme (Tema de Amor) e foi composta por Ennio Morricone e sua filha Andrea. A apresentação é da Hungarian Symphony Orchestra (Orquestra Sinfônica da Hungria), tendo como maestro Marcello Rota e no violino solo Anastasiya Petryshak.

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O EMPREGO DA RIQUEZA

Por um longo tempo eu tive curiosidade em saber mais sobre o tal Mamon, a quem não se poderia servir ao mesmo tempo que a Deus. Está lá, no Evangelho. Desde quando li pela primeira vez essa passagem, me parecia que se tratava de uma referência ao Diabo, porque é esse que trava uma batalha eterna com o Eterno. Tipo assim uma rivalidade Grenal, que teve início e parece que jamais terá fim, mesmo que o lado azul seja de fato muito mais forte – se nem sempre em campo, na certa em história e devoção. Mas a terceira idade parece que nos devolve a curiosidade infantil e lá fui eu procurar algo mais concreto a respeito do personagem. E só agora, quase que já entrando na fila para outra encarnação, descobri que se trata apenas de um termo usado em passagens bíblicas, em geral para descrever riqueza material e cobiça, mas nem sempre. E que era apresentado como uma espécie de divindade, a mais plena representação do terceiro pecado, que é a ganância, a avareza. Só que vai ainda além disso e pode mesmo, como eu suspeitava, ser a personificação do devorador de almas, o anticristo, um dos sete príncipes do Inferno.

Com essa descoberta, voltou a tal curiosidade rediviva, que citei antes. E fiquei pensando: por que diabos – sem a intenção de trocadilhos, mesmo esse já sendo o segundo aqui – o Inferno precisaria de sete príncipes distintos? Mas isso, deixa prá lá. Ou então não termino o texto de hoje no tempo que tenho e no tamanho que é necessário. Melhor e mais simples ver em Mamon a irrefreável vontade de acumular ouro. De possuir aqueles tesouros todos que nos facilitariam tanto viver bem e pagar as contas, dificultado talvez o acerto de contas. Não tem jeito: eis aqui um outro trocadilho acidental, ou incidental. Acontece que o poder econômico e as finanças favoráveis nos colocam mesmo acima de outros homens e mulheres, ficando mais fácil dar uma banana, não falando literalmente, para todo mundo. Dias atrás estava na imprensa: os dez maiores bilionários do mundo mais do que duplicaram suas fortunas durante esse período da pandemia, que nem acabou ainda. Pularam de 700 bilhões de dólares para 1,5 trilhão de dólares, lucrando com posições estratégicas de mercado que detinham, enquanto a população mundial empobrecia. E, em boa parte, morria.

Isso posto, me deixem fazer um pequeno cálculo. Mera aritmética. A Organização Mundial da Saúde (OMS) criou um consórcio e estimou em dez dólares o preço de cada dose da vacina contra a Covid. Assim, supondo que cada pessoa precisasse realmente de três aplicações – o que talvez não fosse necessário, se a vacinação tivesse sido universalizada cedo –, seriam 30 dólares por pessoa. Dados do portal WorldO’meter estima que a população mundial em 2021 estava na casa dos 7,8 bilhões. Então, o custo total para que TODOS os habitantes da Terra fossem vacinados ficaria em 234 bilhões de dólares. Desse modo, se aqueles dez bilionários decidissem pagar tudo do próprio bolso, isso custaria 33,42% do incremento extraordinário de recursos que tiveram neste período. Ou seja, não ficariam nem sequer um único centavo mais pobres do que antes. Ao contrário, apenas sofreriam uma desaceleração do seu incessante enriquecimento, não apenas por se desfazerem desse valor como também porque alguns parâmetros do crescimento perderiam a sua importância. Então talvez lhes sobrasse um pouco menos do que os 566 bilhões extras que o cálculo direto aponta.

Não sei se no final dos tempos Deus os tratará como ecônomos infiéis, que fizeram mau uso dos bens que confiou a cada um deles. Porque, como também está no texto evangélico, tudo isso poderia ser “um poderoso móvel de boas obras”, o que duvido que tenham sequer pensado em fazer. Evidente que a caridade sempre existiu, continuou existindo nesse período e seguirá ocupando corações e mentes de pessoas de bem. Não as que ganharam recentemente essa qualificação, que lhes foi atribuída por interesse político, mas as que conquistaram tal posição pelas ações e pelo exemplo. Do mesmo modo, não deixa de ser importante para quem recebe até mesmo aquela doação que não é nada além de migalhas do supérfluo de existências douradas. Essa pode inclusive ser vital, mas não tem valor nenhum para quem a oferece.

A caridade real é plena de amor; aquela que distribui sem que a mão que oferece seja vista; a que ergue quem caiu, sem humilhar. A caridade real vai além dos bens materiais, mas sem esquecer a sua importância. Ela é afeto, acolhimento, consideração e respeito. Caridade verdadeira não é esmola: é partilha. O socorro de abrigo, alimento, roupa e remédio é sempre urgente e não pode ser negligenciado jamais. Esse é para a necessidade aguda. Aquelas outras, que são crônicas, demandam conforto fraterno, real e duradouro. A riqueza verdadeira é sermos humanos. Nada além disso seria necessário para que nos alçássemos em direção ao divino. A riqueza verdadeira é empatia, dividir tempo e multiplicar conhecimento. É habilidade para usarmos nossa inteligência com a mesma parcimônia que devemos ter com o ouro. 

A verdadeira fé cristã – e não apenas ela, porque isso vale para todas as manifestações religiosas distintas – é oposta ao que esses próceres do capitalismo alardeiam. Mas duvido que lideranças políticas e também as religiosas, hoje em dia muitas delas também simples mercadores da fé, tenham parado um instante para fazer a conta que eu fiz acima. Pedir ajuda a Deus sem nada fazer além de orar é muito pouco, um equívoco e uma covardia. É algo indigno de quem tantas vezes enche a boca para dizer que é um filho Dele. É necessário que se cobre, pressione por mudanças, exercendo plenamente nosso livre arbítrio. A omissão e o silêncio estão muito mais para Mamon, tenho certeza.

29.01.2022

O bônus de hoje é Perfeição, com a banda Legião Urbana. A música está na quarta faixa do álbum Descobrimento do Brasil, lançado em 1993. Foi composta numa parceria entre Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá e sua letra permanece incrivelmente atual, sendo repleta de ironia. Aborda imperfeições e problemas, apesar do título conduzir na direção contrária. E, no seu final, tem um sentimento de esperança e de encorajamento para a luta.

Recomendo dois livros relacionados ao assunto abordado hoje, aqui no blog. Para adquirir um ou ambos, basta clicar sobre as capas acima e você será redirecionado. O blog age às claras e informa: poderá ser comissionado, se o acesso para compra for via esses links.

  1. O Evangelho Segundo o Espiritismo é uma obra espírita francesa, codificada por Alan Kardec e publicada originalmente em Paris, dia 15 de abril de 1864. É uma das basilares da doutrina, dando enfoque para questões éticas e comportamentais do ser humano, aclarando a mensagem de Cristo com a realidade da vida espiritual.
  2. Capitalismo, Socialismo e Democracia é um ensaio sobre economia de Joseph Schumpeter, a mais famosa, debatida e importante obra deste autor, sendo um dos grandes clássicos das ciências sociais no Século XX. O autor faz um exame crítico do marxismo e dedica-se a um longo elogio analítico do capitalismo, embora preveja razões para seu fim, além de investigar premissas do socialismo e as ligações desse sistema com a democracia.