ELAS ESTÃO BEM MAIS FINAS

A não ser que a minha sensibilidade tátil esteja estupidamente ampliada, como a de Peter Parker depois de picado pela tal aranha radioativa, sou forçado a acreditar que as cascas dos ovos estão cada vez mais finas. Você vai abrir um e parece que basta olhar para ele que toda ela se fragmenta. Nem ouse bater na borda da tigela. As garrafas PET também. Essa semana comprei uma de 500ml e quando tirei a tampinha ela amassou toda na minha mão. Joguei parte do conteúdo fora, molhando tudo menos a minha garganta. Parecia ter sido feita com aquele filme plástico que se usa na cozinha para cobrir e proteger alimentos. Fui forçado a pensar outra vez na hipótese da aranha. Vai que eu também estivesse herdando a força do herói aquele dos quadrinhos e telas.

Pensando bem, o ovo é um produto tão nobre e prático que já vem embalado da origem. Evidente que a função biológica da casca é a de formar uma espécie de câmara para o desenvolvimento embrionário posterior. Mas, do ponto de vista comercial – humano, portanto –, ela é a embalagem que envolve e protege seu conteúdo nobre, que é aquilo que interessa ao comprador. A gema e a clara, essa última sendo o albume, um tecido riquíssimo em substâncias nutritivas, são fontes importantes para a nossa alimentação. Ainda mais em se tratando do Brasil atual, onde a produção de outras fontes proteicas está direcionada para venda no exterior, o que aumenta seu preço no mercado interno forçando a redução do consumo. Estou falando agora da carne, evidentemente.

Para a formação de um ovo de galinha, a gema é liberada do ovário e depois se desloca até chegar ao útero, local onde o processo termina com o recebimento do albume fluido e a solidificação do “invólucro”. Esse ambiente é saturado com cálcio e bicarbonato. Análises mostram que a parte mineral da casca é composta principalmente por carbonato de cálcio (98,2%), havendo ainda carbonato de magnésio (0,9%) e fosfato de cálcio (0,9%). Assim, a alimentação que é oferecida para as aves se torna essencial para determinar que essa composição seja assegurada. As rações são elaboradas visando a alta produção das poedeiras. Do mesmo modo, ao longo do tempo, as galinhas foram sendo submetidas a um processo de seleção genética que garantisse um desempenho superior. O que também é oferecido pelo ambiente onde são criadas, no qual flutuações sazonais foram eliminadas. Todos esses fatores somados podem estar sendo responsáveis pela variação verificada nas cascas – e talvez no próprio conteúdo delas.

As garrafas PET estão de fato com uma gramatura mais fina. A própria indústria admite isso. A alegação dada é que a iniciativa partiu da preocupação com os resíduos e seu impacto ambiental, que todos nós sabemos de fato é muito grave. Mas esse “ecologismo” todo começou a ser verificado porque os custos cairiam muito, com o aprimoramento da técnica de produção, o que asseguraria lucros maiores para o setor. As garrafas de 1,5 litros, por exemplo, consumiam 30 gramas de resina plástica e agora levam apenas 22. As de 500ml de água mineral são feitas com apenas oito gramas, que sinceramente duvido que tivesse naquela que eu destruí. As próprias “sopradoras”, que formatam as garrafas, foram modificadas, bem como tecnologias de envase. Por exemplo: uma gota de nitrogênio líquido é pingada em cada garrafa, imediatamente antes do seu fechamento. O gás se expande e dá uma resistência maior às garrafas mais finas, mas apenas enquanto estas permanecem fechadas, garantindo mais facilidade ao transporte e manuseio. Que se dane o consumidor, ao abri-la.

30.11.2021

O bônus de hoje temos uma montagem interessante: Egg Face Orchestra Beatbox Song

Logo depois, o áudio de O Carro do Ovo, com Zeca Pagodinho.

CHEGA DE FIU FIU

Andei revendo o documentário Chega de Fiu Fiu, direção conjunta de Amanda Kamanchek Lemos e Fernanda Frazão. Ele foi produzido em 2014, após campanha de arrecadação de fundos. Na época, integrava um projeto homônimo, criado pela organização Think Olga. Neste trabalho as diretoras mostram o dia a dia de três mulheres, apontando a violência de gênero que está incorporada ao espaço público urbano, como se isso fosse natural. São elas Raquel Carvalho, homossexual e negra que reside em Salvador; Teresa Chaves, que é heterossexual, branca e professora de história em São Paulo; além de Rosa Luz, uma transexual moradora do Distrito Federal. Esse painel múltiplo é fator importante para o resultado do documentário, que questiona se as cidades foram ou não feitas também para as mulheres. Considerando o que cada uma viveu e contou, sete anos depois, se alguma coisa mudou com certeza foi pouca.

É interessante e necessário o registro de que o documentário, além de totalmente independente, teve mulheres não apenas ocupando o lugar de direção. Muitas das demais funções técnicas também foram ocupadas por elas, como Juliana Lemes na produção executiva; Camila Biau na direção de produção e assistência de direção; além de Cibele Appes na montagem. As convidadas especiais foram Djamila Ribeiro, Juliana de Faria, Luciana Hansen, Margareth Rago e Niceia Freire. Apenas a direção de fotografia ficou com Lucas Kakuda, da Brodagem Filmes, que foi parceira no projeto.

Um dos recursos utilizados no documentário é o de câmeras escondidas, que permitem flagrantes. E as diretoras procuraram também respostas, não apenas se limitando a expor o problema. Para tanto, há depoimentos de fontes diversas, além do uso ilustrativo de manchetes de jornais. Desta forma, o trabalho traz uma análise mais profunda, a busca do entendimento das estruturas e do comportamento cotidiano constitutivos do problema evidente. O que o torna um importante grito contra a banalização da violência, bem como contra a inaceitável precariedade no cumprimento das leis existentes, relativas à assédio sexual.

A verdade é que o próprio desenvolvimento das cidades, que foram se expandindo pelo êxodo rural e pelo crescimento demográfico, as tornou uma espécie de laboratório, onde fica evidente o papel dos ratos. Com as mulheres ocupando lugares que antes eram exclusividade masculina, no trabalho e nas estruturas sociais, foi deslocado para esses pontos o assédio de sempre, que apenas ganhou uma máscara diferente. Nos ônibus, trens e metrôs, nas praças e vias públicas, nos shoppings, em fábricas e escritórios, em estádios, clubes e salas de espetáculo, muitos pensamentos retrógrados continuaram e continuam se manifestando.

Podemos lembrar, por exemplo, que em 2017 um homem simplesmente ejaculou numa passageira, em pleno ônibus, na cidade de São Paulo. Acabou preso, pela ação dos demais passageiros. Mas foi liberado não muito depois, porque o juiz que examinou o caso considerou inexistente a violência flagrante. O magistrado, não por acaso homem, declarou ter havido “apenas” constrangimento. Fez isso sem que ele próprio tivesse constrangimento algum. Por fatos como esse é que o Chega de Fiu Fiu recolhe depoimentos e testemunhos pessoais, além de recorrer a falas de especialistas no assunto, para discutir as questões. E aborda as consagradas gracinhas masculinas proferidas nas ruas, para passantes.

Outra iniciativa das diretoras foi a formação de um círculo de discussão entre homens, quando analisaram minúcias de concepções que são naturalizadas pela cultura social falocêntrica. Um dos exemplos é que eles acreditam que as gracinhas, que entendem como elogios, são na verdade um desejo não confessado de todas as mulheres. O resultado do documentário é bom. Mesmo em alguns momentos resvalando mais em direção ao jornalismo, há boa dose de cinematografia. Ele consegue ser competente, por exemplo, ao ressaltar a imensa precariedade do cumprimento das leis existentes, que foram criadas com o intuito de amparar vítimas de assédio sexual. E ressalta, acima de tudo, a profunda necessidade de um processo de reeducação. Que tem que ser séria, imediata e profunda.

28.11.2021

No bônus de hoje temos a música My Name Isn’t (Meu Nome Não É), com a cantora pop sueca Lova.

Logo após está o trailer oficial do documentário Chega de Fiu Fiu. O filme foi apresentado durante o 1º Festival Internacional de Mulheres no Cinema, ocorrido em 2018, com a mostra competitiva sendo projetada no Cine Sesc e no Espaço Itaú de Cinema de São Paulo, onde alcançou sucesso e excelente repercussão.