ADÚ, O MENINO QUE APRENDEU A NÃO CHORAR
Um filme novo sobre um problema antigo: a dramática situação dos refugiados. Lançado em janeiro desse ano pela Netflix, ele foi produzido na Espanha, com história escrita por Alejandro Hernández e dirigida por Salvador Calvo. O nome do longa é o de um menino que, ao lado da irmã, se torna acidentalmente testemunha de um crime. Este fato é apenas o primeiro de uma série de calvários pelos quais Adú se vê obrigado a passar, que só agravam sua vida que já era miserável antes da necessidade de fugir para manter-se vivo. Na realidade, outras duas histórias paralelas também são acompanhadas: do convívio difícil entre um pai diretor de ONG com sua filha viciada; e de um policial que vive dilema de consciência em função da conduta violenta de colegas que com ele atuam na fronteira conflagrada.
Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) apontam para 70 milhões o número de pessoas que foram obrigadas a deixar lares, cidades e países, ao longo de 2018, fugindo de perseguições e guerras – boa parte jamais consegue retornar. Aquele foi o quinto ano seguido de crescimento no índice da população deslocada. Desse total, 53% são crianças, sendo que muitas delas estão sozinhas, desacompanhadas de familiares ou conhecidos. Nos últimos anos o Brasil recebeu 126 mil pedidos de refúgio, mas atendeu apenas cerca de 8% deles – pouco mais de dez mil. O Ministério da Justiça tem agora não apenas negado novas solicitações como também não atualiza os dados da forma como fazia no passado.
Adú é um filme forte, mas muito sensível. A narrativa é crua e a fotografia excelente destaca a solidão dos personagens. O menino da história resiste nos momentos nos quais lágrimas seriam normais. Ele apenas olha, paralisado pela impotência, aquilo que acontece ao seu redor. A dor não verte fácil dos olhos, mas marca profundamente a sua alma. Ele aprende na marra a se acostumar com perdas. Mas mesmo assim consegue nos brindar com alguns momentos nos quais sorri. Pequenas coisas o alegram, como o passeio de bicicleta, porque seu mundo também é bem pequeno, menor do que o coração, a esperança e a vontade imensa de permanecer vivo. Ele é ingênuo mas ao mesmo tempo perspicaz, de tal sorte que aprende rápido a se virar num meio cruel, em especial ao ser orientado por Massar.
Calvo trabalhou algum tempo como voluntário na Comissão Espanhola de Ajuda aos Refugiados (CEAR), onde conheceu muitas histórias reais que serviram para fundamentar com o máximo de realismo seu filme. Os próprios nomes dados a dois dos personagens centrais na trama, Adú e Massar, são homenagens a pessoas de verdade que viveram dramas extremos que ele viu de perto. O Adú da vida real era um menino de seis anos que chegou à Espanha em um barco, ao lado da mãe e de duas irmãs. Ao menos era isso que fora contado, até descobrirem que a mulher não era sua mãe verdadeira e que ele estava sendo trazido junto com a família para ser entregue a uma rede de tráfico de órgãos. E o Massar real era um adolescente da Somália que era abusado sexualmente por um tio. Com 15 anos, ele atravessou o deserto do Saara para fugir da situação familiar. Acabou sendo escravizado na Líbia, de onde também conseguiu fugir até o Marrocos. Quando afinal alcançou as Ilhas Canárias, morreu de AIDS. No hospital teria falado para Calvo: “Não posso morrer depois dessa viagem toda e de afinal conhecer o que é a vida”.
Muitos de nós não conhecemos a vida. Felizmente não essa vida dura, onde sobreviver a cada dia exige muito mais do que alterar rotinas em função de uma pandemia. Não essa vida imprevisível, incerta e sempre levada ao limite. Porque não somos invisíveis, como permitimos que sejam os refugiados e os desassistidos no geral, podemos aproveitar o conforto das nossas casas para ver Adú. E quem sabe aprender de fato alguma coisa com ele.
30.07.2020
Abaixo, o trailer oficial do filme Adú.