FUCK ALL THOSE PERFECT PEOPLE

Eu já escrevi neste blog sobre a tendência que muita gente tem de se apresentar ou, no mínimo, imaginar que é um poço de perfeição. O texto foi postado em 30 de novembro de 2020 e vou deixar no final um link de acesso, para quem quiser conhecer ou relembrar. O mote naquela vez foi a pandemia, que nos levou a alterar muito do nosso comportamento de até então. Me referia a pessoas que juravam ter evoluído com tudo o que estavam passando, mas de uma forma abrupta, desconhecendo que as transformações profundas e verdadeiras requerem persistência, mesmo que um tratamento de choque sirva de fato para abrir os olhos. Mas passar a enxergar não significa de modo algum enfrentar e muito menos resolver as questões. No máximo isso é um primeiro passo de uma longa caminhada. Fosse simples assim, para que reencarnações? Considere essa pergunta apenas se você acredita nisso, lógico.

Cá entre nós, eu gosto mais daquela frase do poeta espanhol Antônio Machado: “Caminhante, não há caminho: o caminho se faz ao caminhar”. E me fará muito bem se eu lembrar dela agora na virada do ano, quando a tendência normalmente é nos preocuparmos com mirabolantes resoluções de ano novo. Promessas que são esquecidas muito rápido. Quem duvida, por favor tente lembrar agora das que fez nos últimos três, por exemplo. Não estou pedindo muito, já que três anos é uma amostragem bem pequena na vida da maioria de nós. E se houver o prodígio de lembrar – vai ver que escreveu, o que torna mais fácil –, seja honesto ou honesta consigo e verifique quantas delas foram cumpridas, total ou parcialmente.

A promessa mais realista deveria ser a de continuar caminhando. Seguir em frente com a disposição mais apropriada possível. Mas sem esquecer de olhar para trás e para os lados. Para lembrar de si mesmo em outros tempos e para não esquecer de estar atento a quem faz ou fez companhia nessa jornada. Pessoas que estão conosco ou que deixamos distantes, pelas contingências da vida. Talvez resgatar uma amizade, agradecer por algo que recebemos, tentar uma reaproximação, lembrar de quem tem menos, reduzir reclamações. Isso não nos tornará perfeitos, mas nos humanizará mais um pouco. O que, convenhamos, já seria um progresso extraordinário. Melhor do que jurar que vai emagrecer, que vai deixar o cigarro, voltar a estudar, frequentar a academia, por afinal as contas em dia e deixar de gastar tanto. Que será um pai ou mãe mais presente; se tornará melhor marido, esposa, pai ou mãe; que vai durar mais no emprego, se arranjar um. O comportamento que se tem sempre reflete muito do que se é. E somos moldados bem lentamente, cinzel sofrendo em pedra dura até que as feições pretendidas para a estátua de fato surjam, nos revelando.

Mas vamos deixar a dureza do mineral e passemos para a leveza do som. Quero fechar 2021 apresentando como bônus musical – teremos outro ainda – a faixa título de um álbum de Chip Taylor & The New Ukrainians, Fuck All Those Perfect People (Fodam-se Todas Estas Pessoas Perfeitas). Chip é norte-americano e a banda, apesar do seu nome Os Novos Ucranianos, na verdade é da Noruega. Outras curiosidades: Chip é irmão de Jon Voight e tio de Angelina Jolie.

Beber ou não beber /Pensar ou não pensar /Cantar ou não cantar /Orar ou não orar /Jesus morreu por alguma coisa – ou absolutamente nada. /Fodam-se todas aquelas pessoas perfeitas!” Esses são alguns dos versos, traduzidos. Não estão presentes nessa ordem na canção, mas são bons exemplos do que ele pretendia dizer. E sim, eu sei que o Natal se refere ao nascimento de Cristo e não à morte. Mas o som, garanto a vocês, está muito apropriado. Na abertura do clip está a talentosa atriz italiana Paola Fiorido, demitida de um programa de TV porque expressou “pensamentos negativos” a respeito de algumas pessoas que estão no poder, em nosso mundo. 

30.12.2021

Todo o cuidado é pouco
Chip Taylor & The New Ukrainians, Fuck All Those Perfect People (Fodam-se Todas Estas Pessoas Perfeitas)

Abaixo, o fechamento ideal do ano de 2021. O talentoso compositor Edu Krieger nos oferece uma retrospectiva bem humorada, em forma de paródia, relembrando fatos de um período que felizmente está terminando.

EU ENTREVISTEI CRISTO

Que jornalista abriria mão de entrevistar um homem que se apresentava como sendo a reencarnação de Jesus Cristo? Meados da década de 1990 aparece na cidade onde eu morava um grande trailer com o próprio e algumas discípulas. Todas elas vestiam roupas em tons de azul claro e branco. E ele era um cidadão errante, que se deslocava o tempo todo pelo país, pregando ou relembrando ao povo, como preferia dizer, os seus ensinamentos. Sua aparência física lembrava um pouco aquela que o mundo ocidental adotou como sendo a do Jesus original. Ou seja, cabelos compridos e um rosto alongado com barba e olhos claros, algo bem ariano e totalmente improvável considerando onde nasceu o filho de Maria. Mas lá estava ele e se dispôs a conversar conosco. Comigo foi uma repórter do mesmo jornal. Ouvimos o que tinha a dizer e fizemos também algumas fotografias.

“Na outra vez que estive aqui, disse ele, também não fui reconhecido como sendo o Filho de Deus”. Foi a resposta quando se questionou a razão de não ter ainda conseguido mobilizar multidões em torno da sua presença. Segundo ele, mesmo tendo passado quase dois mil anos, a humanidade infelizmente ainda não estava de fato pronta para dar os próximos passos no rumo da evolução. Falou que seu sofrimento na cruz seguia sendo insuficiente e que muitos males ainda continuariam nos afligindo, até que se reconhecesse a verdade. O que, aliás, era ele próprio. Pelo menos se considerarmos as frases que ele repetiu nesse nosso encontro: “Eu já vos disse antes que sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim”.

Eloquente e carismático ele demonstrou ser. E falava com tanta certeza e desenvoltura que isso apontava para não duvidarmos de nada. Mesmo não apostando nossas fichas nele, vai saber? Tempos depois é que consegui levantar algumas outras informações sobre o cidadão. Seu nome de batismo era Álvaro Thais e nasceu em 22 de março de 1948 em Indaial, Santa Catarina. Nos anos 1970 mudou-se para Curitiba. Na capital paranaense se estabeleceu como astrólogo e adotou o nome de Iuri de Nostradamus. Ainda jovem, casou e teve dois filhos. Uma das suas ocupações era escrever para dois jornais daquele Estado, sobre o tema que se ocupava então. E que o aproximava do céu de uma outra forma.

Na TV Paraná ele foi apresentador do programa Zodíaco e Você. Nessa mesma época se tornou uma espécie de guru para a alta sociedade curitibana, ganhando notoriedade por fazer previsões, algumas delas ao vivo. Durante aquela década também travou alguns debates com outras figuras tidas como místicas e até com representantes da Igreja Católica e de protestantes. Em 1978 foi duramente espancado nas ruas, por um grupo de homens. O caso nunca foi devidamente esclarecido, mas os boatos apontavam para um suposto relacionamento com uma senhora casada. Isso o teria afastado da vida pública e iniciado um período de intensa introspecção e algum jejum. Foi quando teria recebido, direto do Pai Celestial e em Santiago, no Chile, a revelação de que era Cristo reencarnado.

Desde então percorreu vários países, sempre falando em nome do Pai. Em alguns foi impedido de entrar. Acabou retornando ao Brasil, onde entrou via Belém. Local muito apropriado, por sinal, devido ao nome. E por lá protagonizou uma situação inusitada: invadiu uma igreja, atacou o vigário e quebrou várias imagens de santos. Isso porque, segundo ele, nos templos atuais ocorre o que já havia acontecido dois mil anos atrás, quando tivera que expulsar mercadores: a comercialização da fé. Claro que acabou preso. Quando conseguiu sair, voltou para Curitiba, onde fundou a SOUST – Suprema Ordem Universal da Santíssima Trindade. Isso ainda existe hoje em dia, mas a sede foi para Brasília. O que não surpreende em nada, considerando o nível de loucura e associação entre falso cristianismo e poder que por lá impera atualmente.

Sua fama cresceu muito na década de 1980 e ele voltou a travar debates polêmicos, em especial com outra figura visionária, o Padre Quevedo. O que também fez crescer o ódio contra ele. O endereço de agora, na Capital Federal, é quase uma fortaleza, inclusive defendida por homens armados. O número de seguidores nunca parou de crescer, embora não se tenha uma noção aproximada do total. E doze deles – não por acaso o número é esse – são os mais próximos. Também a internet é recurso utilizado na propagação de suas ideias.

Não sei se ele tem caminhado sobre as águas do Lago Paranoá. Nem se mantém o hábito de multiplicar pão e vinho, o que poderia estar sendo feito agora para atender a população carente da periferia da cidade. Mas há gente que segue acreditando nele piamente. Assim como existe quem ainda acredita em outros tipos de Messias. Aliás, internamente, naquele que assim se apresenta, isso pode ser considerado um transtorno mental. A principal característica dessa doença, segundo especialistas, seria acreditar que Deus apontou a si como o responsável por salvar a humanidade, do que quer que seja. Que teriam sido abençoados ou “ungidos” pelo Criador para cumprirem na Terra uma missão mais do que especial. Em geral, isso não termina bem.

28.12.2021

Álvaro Thais, o INRI Cristo

O bônus de hoje a banda Acústico Reggae apresenta a música Tempos Próximos. Fundada em 2001, ela possui dois álbuns já lançados: Ar na Cidade e Nova Com Ciência. Fez participações no Festival Nacional de Reggae no Anhembi e no Planeta Atlântida.