PESSOAS, OLHARES E AMORES

O título do livro é esse, do qual me apropriei para nominar esta crônica. Com a diferença que não existem a vírgula e a letra “e”. São apenas as três palavras, soltas e antecedidas pelas suas iniciais. O que não é por acaso, pois POA identifica a capital de todos nós, gaúchos, um porto muito mais do que amado. Agora, em 2022, a cidade completou 250 anos de nascimento e foi homenageada de várias formas, sendo que as mais singelas e significativas passaram longe da programação oficial que, aqui entre nós, foi um tanto pobre e quase nada participativa. Algo assim como se a população não precisasse ser convidada para a festa. Mas o livro ao qual me refiro hoje, esse é um modo de agraciar Porto Alegre lembrando personagens, situações, lugares e até sabores. Ou seja, memória afetiva na veia.

Os quatro autores de POA Pessoas Olhares Amores são jornalistas e todos passaram algum tempo trabalhando na editoria de cidade, no jornal Zero Hora. Isso eles têm em comum, assim como o talento com palavras e sensibilidade. O que se comprova não apenas nos textos que foram selecionados por André Roca, que fez a edição, como também na muito bem-humorada apresentação que fazem de si. Bruna Vargas está agora em São Paulo, mas confessa no livro saudades do pôr do sol no outono, da cerveja no Viaduto da Borges e das bergamotas da feirinha orgânica da Redenção. Foi reler isso agora e tive que buscar uma delas, aqui na fruteira de casa, vinda do mesmo endereço que abastecia o paladar da colega. Jéssica Rebeca Weber conta que começou como obituarista, o que acho ser uma boa forma de iniciar: pelo fim, mas de outras pessoas. Disse que está agora fazendo mestrado em Letras, o que nos deixará a mim e a ela com uma formação acadêmica idêntica. Mas ela tem uma coragem que não tenho, que é cantar em karaokê, em especial sua favorita Lua de Cristal. Marcelo Gonzatto gosta, como eu, de pensar na vida. O que nos difere é que faz isso no caminho entre sua casa e o Beira-Rio, enquanto meu rumo fica mais para o norte da cidade, uma vez que prefiro a Arena. Ele acrescenta que em geral seu otimismo é maior na ida do que na volta. O meu não tem aparecido em nenhum dos dois sentidos. Caue Fonseca, por sua vez, relata que acelera o passo para evitar a Confeitaria Armelin e o Bar do Alexandre, nas corridas que faz pelo Menino Deus em direção ao CETE. Eu não tenho tanta força de vontade assim, mesmo que esteja em outro bairro. E quem corre mesmo é minha filha, que virou maratonista.

Brincadeiras à parte, minha recomendação é muito séria. Não deixem de comprar esse livro. Os textos são deliciosos e resultam de notícias que só poderiam mesmo ser escavadas por visões repletas de humanidade. Aquelas que enxergam luz e vida onde outros não percebem nada. Na orelha do livro, assinada por Paulo Germano, está uma pista que por si só já valeria folhear tudo com avidez. Uma não, mas três. As referências são “enredos irresistíveis, que apresentam desde o padre que montou uma casa de suruba, passando pelo monge budista que era brigadianos do Choque, até a comovente rotina dos papais-noéis contratados pelos shoppings”.

São 14 histórias em “Pessoas”; outras 20 em “Olhares”; e mais 13 em “Amores”. Ou seja, 47 motivos para que o investimento na compra seja feito sem remorso algum. Você só poderá se arrepender de não ter comprado antes o seu exemplar. E talvez uma segunda vez, se perder a oportunidade de adquirir outro (ou outros) para qualificar seus presentes de Natal, aniversários ou sem data especial que os motive. No mais, se precisa ainda exaltar o trabalho de editor, desejando vida longa para a Gog Ideias, de André Roca. Que ele siga nos propiciando livros como esse, pouco importando que pretexto seja usado para sua publicação. Porto Alegre agradece e nós muito mais.

29.09.2022

Marcelo Gonzatto, Bruna Vargas, Caue Fonseca e Jeniffer Rebeca Weber, autores do livro

O bônus de hoje é o áudio de Porto Alegre é Demais, com Isabela Fogaça.

Isabela Fogaça – Porto Alegre é Demais

Esse blog recomenda que seus leitores conheçam o site da Rede Estação Democracia. Acesso através do link abaixo.

https://red.org.br/

O TERÇO MARCOU ÉPOCA

Muita gente jura até hoje que essa foi a melhor banda de rock existente no Brasil, se não em todos os tempos, pelo menos ao longo dos anos 1970. O Terço, exageros à parte, com certeza merece uma atenção especial de quem se debruça sobre a trajetória deste gênero musical em nosso país, pois de fato fez história. Dois álbuns seus são fundamentais:  Criaturas da Noite, de 1975, e Casa Encantada, lançada um ano depois. O grupo, que teve algumas alterações ao longo da existência, começou com Jorge Amiden (guitarra), Sérgio Hinds (baixo) e Vinícius Cantuária (bateria). A ideia era batizar o grupo de Santíssima Trindade, mas como previam atritos com a Igreja Católica, foram prudentes e aliviaram um pouco. Mesmo sendo apenas três integrantes, já vinham de dois grupos diferentes, o Joint Stock Co. e o Hot Dogs.

Fortemente influenciados pelo que era feito na Inglaterra, levavam o seu público a uma reação instantânea com as apresentações que faziam em teatros e ginásios. Isso que não existia ainda o apelo e a propagação instantânea de performances que as redes sociais permitem hoje. Na época ir aos shows de rock era também uma forma de protesto e uma válvula de escape. Raros momentos nos quais a aglomeração não era reprimida pela ditadura ainda vigente. Mas, fazer isso enquanto assistiam música de qualidade sem dúvida era muito melhor.

Bom é que agora, além de ainda podermos ver alguns vídeos de relativa qualidade, feitos na época, se pode também ler sobre a história deles. A Editora Ibrasa lançou, ainda no ano passado, O Terço – 50 Anos, livro que foi escrito a quatro mãos por Sérgio Hinds e pelo pesquisador e jornalista Nélio Rodrigues. Esse trabalho foi mais um dos tantos frutos da pandemia, que propiciou recolhimento criativo a muita gente. E nele está relatado com detalhes uma história sonora que começou ainda com a MPB, antes de ingressar no universo do rock progressivo. A leitura oferece um passeio fundamental por detalhes relevantes, como fatos e datas, que ajudam a compreender não apenas o que pensava e fazia a banda, como também um pouco do momento histórico que se vivia.

A primeira gravação veio ainda em 1970, misturando música clássica com folk e rock. Em 1972 houve uma mudança, em termos de sua sonoridade, com o lançamento de um compacto pesado e as músicas Ilusão de Ótica e Tempo é Vento. E a trajetória inicial foi se firmando com a participação em muitos festivais. Com Velhas Histórias, de autoria de Renato Corrêa e Guarabyra, venceram um deles em Juiz de Fora. Em outro, esse um universitário, terminou em segundo com Espaço Branco, de Flávio Venturini – que mais tarde entraria para O Terço – e Vermelho. E no mais concorrido de todos, o Festival Internacional da Canção (FIC), a banda conseguiu um terceiro e um quarto lugares, com Tributo ao Sorriso e com O Visitante, respectivamente, em duas de suas edições. Nessa época a mídia especializada já não cansava de lhes tecer justos elogios.

Ao longo de sua história aconteceram entradas e saídas constantes, em termos de integrantes. Nomes como Cezar de Mercês, Sérgio Magrão, Luiz Moreno, Sérgio Kaffa, Ivo de Carvalho, Ruriá Duprat, Zé Português e Franklin Paolillo foram se revezando, alguns em mais de um momento diferente. Muitos tocaram, antes ou depois, com grandes nomes da música brasileira, como Marcos Valle, Caetano Veloso, Beto Guedes e Elis Regina. Além disso, a banda 14 Bis surgiu a partir de alguns deles. O último dos seus 11 álbuns gravados em estúdio, Tributo a Raul Seixas, foi produzido em 1999. E os seus cinco álbuns ao vivo foram fechados com O Terço 3D, de 2015, oito anos depois do anterior.

27.09.2022

O Terço: banda tem grande importância na história do rock brasileiro

O bônus musical de hoje é Hey, Amigo, composição de Sérgio Hinds e Jorge Amiden, uma das faixas do álbum Criaturas da Noite.