LEI PROÍBE LATIDO DE CÃES

Em sessão ocorrida agora no mês de agosto, a Câmara de Vereadores de Penha, cidade do litoral catarinense, aprovou por unanimidade um projeto de lei que estabelecia multa de R$ 23 mil para donos de cães que latissem, incomodando vizinhos ou transeuntes. O texto considera fato grave o proprietário “provocar ou não impedir barulho do animal”. Quem apresentou a proposta foi o vereador Everaldo Dal Posso, do Partido Liberal (PL). Essa sigla sucedeu o Partido da República (PR), criado para ser braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, integrando a base de sustentação do atual governo federal. A lei foi vetada pelo prefeito municipal, Aquiles José Schneider da Costa. E agora o veto volta para ser apreciado pelos vereadores.

Quem acredita que uma lei absurda e desnecessária como essa é um fato raro e isolado, não conhece a realidade do poder legislativo de muitos dos municípios brasileiros. E talvez também devesse se informar sobre o teor das leis propostas em assembleias estaduais e mesmo na Câmara Federal, em Brasília. Mas, voltando ao âmbito municipal, ao longo da minha carreira profissional tive oportunidade de atuar uma vez junto ao Legislativo e outra ao Executivo, em duas localidades diferentes. Em uma dessas cidades havia espaço onde acampavam ciganos, quando de passagem pela região. Um dos vereadores, preocupado com a higiene e a saúde da população, queria a instalação de vaso sanitário no meio deste terreno, localizado em área central. E não era um banheiro público: simplesmente um vaso com a respectiva descarga. Quando não houvesse ninguém acampado, ficaria a estrutura como um monumento à excentricidade. O texto foi redigido e todos tinham conhecimento de sua existência, mas alguém de bom senso – algo nada comum – tratou de dissuadi-lo antes da apresentação do projeto à mesa diretora.

Mas vejamos outras propostas que chegaram a ser avaliadas, algumas delas aceitas. O vereador Jota Silva (PSB), de Campinas, apresentou projeto para criar o Dia do Gol da Alemanha. Segundo ele não para ser comemorado, mas para lembrar a data da maior tragédia do futebol brasileiro. Também no interior de São Paulo, em Sertãozinho, o vereador Rogério Magrini (PTB) queria proibir crianças de cantarem “atirei o pau no gato”, por ser atitude nada educativa e politicamente incorreta. E em Governador Celso Ramos, Santa Catarina, foi aprovada uma lei em março de 2019 que limita em dois adultos e duas crianças o número de pessoas que podem dormir num mesmo aposento. Não se sabe quem fiscaliza isso.

Em termos de assembleias legislativas, o deputado estadual Pastor Isidório Filho (Avante) apresentou um projeto de lei para entregar o Estado da Bahia à “proteção e comando supremo da Santíssima Trindade”. A proposta também determinava a anulação de “todo pacto feito com principados, potestades e demais anjos do mundo tenebroso que compõem as forças espirituais malignas, que possam prejudicar o nosso povo e a nossa gente”. Ou seja, ele pretendia legislar no mundo espiritual, provavelmente inclusive destituindo o governador eleito. Já no site da Câmara Federal há arquivos com propostas inacreditáveis. Um primeiro exemplo: no início de 2019, o deputado federal Pastor Franklin (PTdoB-MG) queria que traídos e traídas fossem indenizados pelo seu cônjuge – lembrando que a grafia não é conge –, tendo esse projeto sido informalmente denominado como Lei do Corno.

São tantos os absurdos que a Câmara mesmo, tempos atrás, viu a necessidade de uma “limpeza” nos mais de sete mil projetos parados, muitos dos quais irrelevantes ou absurdos. Um determinava o plantio obrigatório de pelo menos um pé da pau-brasil em todas as praças existentes no país. Outro queria trocar as folhas de tabaco que existem no brasão da república por ramos de soja ou de guaraná. Um terceiro propunha que fosse instituído o inacreditável Conselho Nacional do Samba e dos Desfiles Carnavalescos. Mais um, de autoria de alguém que odiava a festa de Momo, pretendia que a segunda-feira de Carnaval fosse declarada como o Dia Nacional da Oração, talvez para oportunizar a todos a chance de arrependimento pelo que pudessem ter feito, nos dias anteriores.

No espaço de seis meses, entre 2015 e 2016, há pérolas como a proposta por Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), defendendo que o ensino superior virasse uma competição. Só os primeiros colocados passariam, com todos os demais sendo reprovados, mesmo que alcançassem nota acima da média. Ou de Marcelo Belinati (PP-PR) pretendendo que policiais pudessem passar a forjar flagrantes e usá-los como provas. Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) defendia que o Estado emprestasse armas de fogo a cidadãos cujas armas particulares fossem apreendidas. Alberto Fraga (DEM-DF) queria que sempre que um policial matasse alguém fosse considerada legítima defesa, sem julgamento. E também que qualquer policial expulso da corporação tivesse direito à pensão militar. Silvio Costa (PSC-PE) gostaria que todas as bicicletas fossem emplacadas e pagassem licenciamento. Imaginem uma criança sendo detida numa pracinha, por não ter sido recolhido o IPVA. Eu poderia seguir aqui com centenas – eu disse centenas – de exemplos semelhantes. Então, sendo nosso país um circo, os palhaços seríamos nós?

31.08.2020

No bônus de hoje a música Que País é Esse?, de Renato Russo. Ele a compôs em 1978, quando ainda era vocalista de sua primeira banda, o Aborto Elétrico, durante a ditadura militar. Mas ela só foi lançada quando integrante do Legião Urbana, no início dos anos 1980. Abordando contradições sociais que ainda continuam vivas, presentes e agravadas em nosso país, esse foi um dos maiores sucessos do grupo, tendo vendido 1,5 milhão de cópias e até hoje segue sendo tocada em emissoras de rádio.

MANIFEST EM PORTO ALEGRE

A série televisiva Manifest, que está na Globo Play, já com sua terceira temporada prevista para esse ano, pode ter sido baseada em uma história acontecida em nosso país. Um voo partindo da Alemanha com destino à América do Sul e pouso previsto para Porto Alegre, jamais chegou ao seu destino. Ele iniciara viagem em 04 de setembro de 1954. Estavam a bordo 92 pessoas, sendo 88 passageiros e quatro tripulantes. Depois de algumas horas, quando sobrevoava o Atlântico, não houve mais contato com o avião e ele foi dado como desaparecido. As buscas se revelaram infrutíferas e tudo teria ficado como mais um acidente aéreo sem solução. Isso até que o mesmo avião foi identificado fazendo manobras de aproximação no Aeroporto Salgado Filho, na capital gaúcha. O problema é que isso ocorreu no dia 12 de outubro de 1989. Ou seja, 35 anos depois da partida. Após autorização para pouso, ninguém saiu do avião. E as autoridades, ao entrarem, teriam se deparado com todos os ocupantes mortos, inclusive os pilotos.

O fato chegou a ser publicado pela imprensa sensacionalista, nos EUA (ver o fac-símile ao final deste texto). Mas nunca se conseguiu comprovar a sua veracidade. Quem acredita que isso aconteceu, assegura que o evento foi acobertado. Mas essa história também possui todos os componentes para ser mais uma lenda urbana. Dessas que é tão absurda que tem tudo para ser real. Onde teria estado o avião, durante todos esses anos? E como poderia ter voltado a tocar no solo, com segurança, se ninguém dentro dele estava vivo e em condições de pilotar? A primeira questão pode ser respondida com a aceitação daquilo que a ciência chama de “buracos de minhoca”. Isso é algo que existe, em teoria, como uma espécie de portal da passagem, uma fenda no espaço-tempo. O que seria um problema e ao mesmo tempo uma forma de permitir viagens a distâncias inimagináveis, além de passeios entre aquilo que chamamos de passado, presente e futuro. Mas a segunda pergunta, sobre a morte dos ocupantes, essa não tem nem mesmo teoricamente quaisquer explicações.

Outros casos de sumiços de aeronaves têm reais condições para se levar a sério sua estranheza. Ocasiões nas quais, se houve desastre, não existem nem destroços para comprovar e muito menos corpos. Um dos mais estranhos foi em 1956, quando um bombardeiro B-47 Stratoiet dos EUA, levando duas bombas atômicas a bordo, desapareceu em meio a nuvens, sobre o Mar Mediterrâneo. Integrante de um grupo de quatro aviões que voavam juntos, houve problemas de visibilidade por alguns minutos e, ao saírem para céu aberto outra vez, só estavam três no ar. Não houve nenhuma comunicação e jamais apareceram sinais de que tenha caído. Em 1979 um Boeing 797 cargueiro da Varig desapareceu após decolar de Tóquio para Los Angeles, levando 153 pinturas do artista plástico nipo-brasileiro Manubu Mabe, avaliadas em quase três milhões de dólares. Sumiu sem deixar vestígios após uma hora de voo. Em 1945 cinco aviões da marinha norte-americana, com 14 homens no total, desapareceram juntos durante treinamento sobre o Triângulo das Bermudas. Nada foi encontrado, apesar das buscas criteriosas. Em 2014 um Boeing 777 com 227 passageiros e 12 tripulantes sumiu após decolar da Malásia, com destino a Pequim. Esse é o caso mais recente e com maior número de suposta perda de vidas. Uma peça metálica encontrada anos depois, em ponto muito distante da rota prevista para esse voo, gerou controvérsias sobre ser ou não dele. Além destes quatro exemplos, muitos outros poderiam ser citados.

A série dramática Manifest é bastante interessante e eu vi todos os episódios disponíveis até agora. Criada por Jeff Rake, para a NBC, gira em torno de passageiros e tripulantes de voo comercial que parte da Jamaica para os EUA, enfrenta turbulência e termina sendo dado como desaparecido. Mas volta a pousar, cinco anos depois, com os ocupantes do avião não tendo enfrentado passagem do tempo. Para eles a viagem durou o tempo que deveria ter durado; para quem os esperava, não. Um menino que tinha irmã gêmea, por exemplo, continua pequeno e a reencontra já adolescente. Além do mistério de não se saber como isso aconteceu, as pessoas que reaparecem começam a ter uma espécie de paranormalidade, ouvindo vozes, prevendo eventos. Poderes que seriam muito úteis fora da ficção, para resolver situações reais que afligem a aeronáutica no mundo todo. E não apenas ela.

29.08.22020

Fac-simile de jornal sensacionalista norte-americano

Trailer da série Manifest, com legendas em português.

Música Medo de Avião, de Belchior, lançada em 1979 no disco de mesmo nome.