O VENENO NOSSO DE CADA DIA

No Estado onde eu nasci e sempre morei, o Rio Grande do Sul, o mais meridional entre todos no Brasil, desde 1982 existe uma lei que tornou mais rigoroso o controle sobre o uso de produtos agrotóxicos e biocidas em seu território, comparativamente com o restante do país. E essa conquista foi simplesmente o resultado da inclusão, no texto legal, de uma norma bastante lógica: não se pode comercializar e usar nenhum produto que tenha sido banido no seu país de origem. Ou seja, se quem o fabrica prefere não correr os sérios riscos que sua aplicação pode trazer, por que cargas d’água devemos ser cobaias para os laboratórios ou, no mínimo, permitirmos sua lucratividade quando saúde e vidas em jogo são as nossas e não as deles?

No restante do país – desconheço se alguma outra unidade federativa também tratou de se proteger melhor, como a nossa – basta o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Assim sendo, dando um exemplo, se um laboratório alemão produz um agrotóxico que na Alemanha não é aprovado para uso, ele não pode ser adquirido e usado por agricultores gaúchos. E vale o mesmo para produtos de quaisquer outras procedências. Mesmo com todo esse cuidado, nos últimos 39 anos, é altíssimo o índice de mortalidade devido a aplicações disso que a publicidade sempre fez questão de chamar de “defensivos agrícolas”. Porque mesmo os autorizados são muito tóxicos, a quantidade aplicada foge ao recomendado e ainda porque entram ilegalmente muitos que não poderiam estar sendo usados.

No Brasil, entre 2010 e 2019 foram oficialmente registrados 46,7 mil atendimentos de intoxicações diretas por agrotóxico, no momento do seu uso. Deste total, mais de 1,8 mil pessoas acabaram morrendo, com ênfase no sudeste e no nordeste. Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) aponta para uma enorme subnotificação, significando que foram muito mais casos. Na última década a comercialização em nosso país vem crescendo, segundo os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS), estudo elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ano de 2017 já foram mais de 500 mil toneladas. Em 2016 já aplicavam em média 6,9 quilos por hectare plantado; sendo hoje muito mais. E 64,1% dos venenos eram considerados perigosos e outros 27,7% muito perigosos. Como eles ficam residualmente nos alimentos, chegam ao corpo humano, onde se acumulam. A imensa maioria não é expelida, ficando armazenada no organismo e sendo importante causa de vários tipos de câncer.

O agrotóxico mais usado no Brasil é o glifosato – o Roundup, da Monsanto –, que vem sendo banido em toda a Europa. Os poucos países que ainda permitem seu uso, determinaram prazo final para a retirada, até início de 2023. Ele está relacionado aos cânceres de mama e de próstata, linfoma e várias mutações genéticas. A International Agency for Research on Cancer (IARC), da Organização Mundial da Saúde, confirma isso. A Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) tem alertado para a grave situação na sua área de abrangência. Segundo a instituição, os agricultores têm abusado do uso de substâncias para secar culturas fora da época da colheita, buscando ampliar resultados. Além do glifosato, eles têm aplicado o 2,4-D, que é um dos componentes do “Agente Laranja” que o exército dos EUA usava durante a Guerra do Vietnã para desfolhar árvores e identificar soldados inimigos que nelas se escondiam, para emboscadas. Ele causa necrose nos rins e morte de células pulmonares, provocando asfixia. Pior é que pessoas acometidas não podem sequer receber oxigênio, porque o gás potencializa o efeito da droga.

Agora, diante desse quadro modesto e incompleto que apresento, porque a situação é muito mais complexa e grave, fica uma pergunta que não quer calar. Por que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, do PSDB, encaminhou para a Assembleia Legislativa, em caráter de urgência, um projeto de lei que, entre outras providências, retira aquela defesa extra – mesmo insuficiente – que a população ainda tem? A votação deve ocorrer essa semana. Se ele for aprovado, as substâncias proibidas no exterior poderão entrar no nosso Estado legalmente, agravando algo que há muito vem fugindo do controle. Que interesses estão por trás disso? A saúde da coletividade pode ser oferecida de bandeja, para lucro extra de alguns poucos?

29.06.2021

No bônus de hoje, Chico César com a música Reis do Agronegócio. O nome completo desse compositor, cantor, jornalista e escritor natural da Paraíba é Francisco César Gonçalves.

CANTANDO A MENOPAUSA

Merece todo o meu respeito e admiração uma pessoa que consegue escrever uma letra e cantar a canção composta, tendo como tema um assunto que seja totalmente inesperado. E acreditem: a criadora de conteúdo Shirley Serban, natural da Nova Zelândia, conseguiu essa proeza tendo a menopausa como referência. Ela produziu, com enorme talento, uma paródia sobre a excelente Bohemian Rhapsody, da banda inglesa Queen, um verdadeiro clássico de 1975. Não imaginem que o fato de não ser algo inédito e totalmente autoral aponte para falta de criatividade. Ao contrário, pode ser ainda mais difícil, em função de existir um nível de qualidade que precisa ser mantido. O lançamento desse novo, verdadeiro e honesto “hino” das mulheres que vão chegando à meia-idade foi agora, em 2021.

Em Menopause Rhapsody, Shirley vai desfilando uma série de sintomas, sensações e sofrimentos pelos quais passam boa parte das mulheres que vivem esse momento de profunda alteração hormonal. São calores, variações de humor, dificuldades para dormir, suores inconvenientes, coceiras e muitas outras mortificações. A descrição de cada uma delas, é acompanhada por expressões faciais impagáveis – várias imagens da compositora e cantora são postas em conjunto na mesma tela, formando um coro de uma pessoa só. E todo o trabalho, com resultado realmente exemplar, foi feito durante o recolhimento forçado pela pandemia.

A menopausa ocorre por volta dos 50 anos de idade, quando os ovários param de produzir os hormônios necessários ao ciclo menstrual, estrogênio e progesterona. Isso é algo tão severo para boa parte das mulheres que altera muito as suas vidas. Fui pesquisar sobre o assunto e encontrei em um site descrição de nada menos do que 76 sintomas diferentes que podem se manifestar. Não sei se isso é real ou se tem algum exagero, mas cansei só de ler a relação, que pode incluir até perdas óssea e de memória, passando por ampliação dos riscos cardiovasculares. Além disso, é preciso considerar que mesmo esse sendo um evento fisiológico normal na vida das mulheres, os abalos e as repercussões psicológicas podem ser tão ou mais intensos do que as sentidas fisicamente. E terminam não raras vezes repercutindo também nos demais membros da família, como filhos e marido.

Pode até parecer estranho um homem estar escrevendo sobre isso, mas o pior de tudo é não ter sensibilidade para entender essa situação, quando vivida por nossas companheiras. Se a ocorrência é normal, anormal seria não se estar minimamente informado e preparado para esse momento. Com diminuição do desejo sexual e aumento da irritabilidade, por exemplo, não é incomum elas passarem a acreditar que não são mais bonitas e desejáveis. E ao menos nisso é preciso que os homens cumpram o papel de fazer com que sintam serem amadas como sempre foram. Diálogo e carinho têm que ser armas constantes no combate a essa situação. Outra boa iniciativa é estar prestativo, disposto a realizar aquilo que ela se sente desmotivada a fazer. Nessas horas, mais do que em tantas outras, dividir significa multiplicar as chances de manter um relacionamento harmonioso.

27.06.2021

O bônus musical de hoje não poderia ser outro que não o próprio clip feito por Shirley Serban: Menopause Rhapsody. Até mesmo os membros remanescentes do Queen original, Brian May, Roger Taylor e John Deacon, devem ter gostado da paródia.