WALLY, QUEIRÓZ E ARISTIDES
Foi em 21 setembro de 1987 que o ilustrador britânico Martin Handford lançou o primeiro de uma série de livros que produziu, voltados para o público infanto-juvenil, com o título Where’s Wally? (Onde Está Wally?). Eles eram compostos de ilustrações cheias de detalhes, sempre em duas páginas inteiras, nas quais o personagem estava escondido. A questão proposta era encontrá-lo. Como sempre aparecia vestido da mesma forma, isso ficava um pouco menos complicado. Sua camisa listrada em vermelho e branco, óculos e gorro o tornavam inconfundível. Mas, onde ele estaria, no meio de toda aquela multidão retratada? Ao final de cada um dos álbuns, para não esvaziar o interesse depois dele ter sido então localizado, ficavam listas extras, com personagens e objetos que também teriam que ser achados em cada uma das ilustrações. Assim as buscas continuavam, estimulando a capacidade de observação. E a persistência.
Dez anos mais tarde, cada semana o personagem viajava para um país diferente do mundo, sendo então apresentado ao público um pouco da história, geografia e costumes desses lugares, agora mostrados em uma revista. Foram 52 exemplares de uma publicação com teor educativo e para o mesmo público anterior. Havia também um cuidado especial com a ecologia, piadas e adivinhações, jogos e ainda uma página dupla repetindo a proposta original dos livros: encontrar Wally. Fechavam o pacote um álbum de figurinhas em forma de atlas mundial e fichários. O sucesso e o marketing permitiram, ao longo do tempo, uma série animada com 13 episódios e uma tirinha publicada em vários jornais. Essas últimas saíram por aqui entre 1993 e 1998.
Fábio Queiróz foi ex-motorista e ex-assessor parlamentar do deputado estadual e agora senador Flávio Bolsonaro. Uma investigação feita a partir de relatório do Conselho de Atividades Financeiras descobriu que ele movimentara R$ 1,2 milhão em uma conta bancária, de modo que educadamente chamaram de “atípico”. Assim, tornou-se peça chave para a investigação da conhecida “rachadinha”, quando parte do salário de assessores é devolvida para quem os nomeiam. Uma prática recorrente em toda a história política da família Bolsonaro – não só dos filhinhos como também do papai –, conforme já foi devidamente apurado. Isso ocorreu em 2018, dando início a uma batalha jurídica com todos os subterfúgios possíveis sendo utilizados, tanto para atrasar o trabalho investigativo – troca de comando da Polícia Federal, entre outras providências palacianas – quanto para evitar os posteriores indiciamento e julgamento. Enquanto isso ocorria nos bastidores, na vida real sumiram com o homem. E um Onde Está Queiróz? passou a ser perguntado todos os dias, nas redes sociais.
Ele acabou preso, vejam só, na casa do advogado de Flávio Bolsonaro, Frederick Wassef, onde estava escondido. O dono do imóvel se declarou surpreso, dizendo não saber como o fugitivo tinha ido parar lá. Mas não ficou muito tempo atrás das grades, sendo solto por ordem do STJ. Hoje em dia o assunto parece ter sido engavetado, inclusive pela imprensa. Perdeu interesse e força, também porque dois ministros do STF, aquele mesmo órgão tão criticado por Jair Bolsonaro, que se diz perseguido por ele, Dias Toffoli e Luiz Fux, deram uma forcinha suspendendo o procedimento investigatório, ainda em 2019. Tudo foi sendo varrido para baixo do tapete, a exemplo do acontecido com o caso do assassinato de Marielle Franco, onde o mesmo mau cheiro está presente. Nesse, até mesmo uma providencial queima de arquivo ocorreu, com a morte de miliciano carioca, também ligado à famíglia, que foi abatido na Bahia.
O presidente estava na beira de uma estrada, dias atrás, abanando para quem passava, numa tentativa de mostrar alguma ligação com o povo em geral e não apenas com os frequentadores do seu curral. Correu o risco de se dar mal e conseguiu. Uma mulher de 40 anos, de dentro do seu automóvel, teria gritado “noivinha do Aristides” para ele. O inquilino do Palácio do Planalto enlouqueceu e determinou que ela fosse perseguida e presa por membros da Polícia Rodoviária Federal, que o acompanhavam. Sob acusação de injúria, ela foi conduzida para uma delegacia da Polícia Federal, em Volta Redonda. E esse foi o primeiro dos absurdos do caso. Pela legislação vigente, mesmo havendo indício da prática desse crime contra o presidente, ele teria que acionar o Ministério da Justiça, para que esse requisitasse a abertura de um inquérito policial, possibilitando uma ação penal contra a pessoa. Sua ação direta é arbitrária e ele, mesmo na qualidade de presidente, não poderia ter feito o que fez. A simples vontade de Bolsonaro não poderia suprir essa requisição formal que o Código de Processo Penal prevê e exige.
Do local do incidente ele seguiria para uma cerimônia de formatura de cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras, a AMAN, onde ele próprio havia estudado. E onde teria frequentado aulas de judô ministradas pelo sargento Aristides, que era instrutor. Não está muito claro se isso é verdade ou apenas boato. Mas, se ele sequer conhecera alguém com esse nome, por que se revoltou daquela maneira? Por que determinou uma prisão à revelia da lei? Como sempre tem alguém atento, nas redes sociais, não demorou muito para que se levantasse outros fatos. Como uma notícia publicada pela imprensa em 2011, quando o coronel Jarbas Passarinho, que fora um dos homens fortes do período da ditadura militar, declarou que irritava muito os militares quando o então deputado Jair Bolsonaro, em campanha, ao invés de ir para o Clube Militar – afinal ele era um oficial –, insistia em pernoitar no alojamento dos sargentos.
Não resta dúvida de que é muito triste quando se usa de preconceito, de homofobia, para atacar quem quer que seja, não importando de que campo ideológico seja o atingido. Mas o presidente agora prova um pouco do veneno que destilou contra Haddad, quando seu grupo tratou de criar e difundir fake news do tipo kit gay. E o homem que declarou com todas as letras que preferia ver um filho morto do que descobrir ser o rebento homossexual, fica ele próprio agora ao alcance de uma possível maledicência, ou da descoberta de algo que preferiria ter ficado nas sombras. Tomara que ao menos aprenda alguma coisa. E, enquanto isso, todos estão se perguntando: onde está Aristides? Não sendo um personagem de ficção, seria muito bom ele ser localizado.
06.12.2021

No bônus de hoje, o clip de Orgulho e Preconceito, música de Lulu Santos.
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