A MISS QUE MATOU O GENERAL

Maria Teresa Landa nasceu em 1910 e tinha apenas 18 anos quando se tornou Miss México, na primeira edição do concurso que buscava coroar a mulher mais linda daquele país. Mas a candidata tinha mais atributos do que os meramente físicos: era reconhecida por ter uma inteligência acima da média e alcançava fácil sucesso nos estudos, tanto na Escola Normal quanto no curso que mais tarde a tornou ortodontista. Sobre a disputa que venceu, entretanto, como era algo ainda inédito e as pessoas ainda desconheciam a forma como se dava a escolha, teve que enfrentar críticas e preconceito. Para os conservadores, era um absurdo, coisa mesmo de “desavergonhada”, ela ter posado de maiô na sessão de fotos. Depois de desfilar em carro alegórico por sua cidade, o pai deixou de falar com ela.

Em 08 de março daquele mesmo 1928 do seu título de beleza, a sua avó acabou falecendo. Foi no funeral que conheceu o general Moisés Vidal, de 34 anos, quase o dobro da idade dela, portanto. Logo após eles começaram um relacionamento íntimo, contrariando os desejos da família da jovem, que alegava desníveis perigosos na idade e na classe social. Isso não impediu que o casal estabelecesse encontros secretos e continuasse sua história. Logo após ela esteve no Texas, em outros concursos de beleza, onde também recebeu ofertas de emprego, todas recusadas. Preferiu voltar para a Cidade do México, onde se casou com Vidal em 24 de setembro.

Depois de um ano de relacionamento, repórteres do mesmo jornal que havia destacado a jovem miss em sua capa, nela estamparam uma outra história que a envolvia. Descobriram que o general era bígamo, uma vez que antes de Maria Teresa já havia desposado outra mulher, com quem tinha tido dois filhos, na cidade de Veracruz. Esse primeiro matrimônio ocorrera em 1923 e, por coincidência, a primeira esposa também se chamava Maria Teresa. Diante da notícia, a Miss México confrontou seu marido, pedindo explicações. Em meio à discussão que se seguiu, ela apanhou a pistola Smith & Wesson, de calibre 44, que pertencia a Vidal, e disparou seis vezes contra ele. Quatro tiros o atingiram no tórax e no abdômen, os outros dois no rosto.

Presa logo após o assassinato, se recusou a falar sem a presença de um juiz federal e de seu advogado. No julgamento, foi defendida por José Maria Lozano, um ex-ministro com excelente capacidade oratória, que baseou sua argumentação no fato dela ter sido vítima de abusos, por parte do marido e da própria sociedade. A promotoria seguiu linha oposta, afirmando que ela era uma “assassina imoral e sem vergonha”, trazendo ao tribunal fotos nas quais ela aparecia usando roupas íntimas. Lozano foi mais feliz ao defender que a desonra não era um direito exclusivamente masculino. E ao final conseguiu algo quase impensável para a época, num país de costumes conservadores: a Miss México foi declarada inocente.

No Brasil, a tese da legítima defesa da honra prevaleceu por décadas, mas no geral aplicável em favor dos homens. Era como se essa fosse uma prerrogativa masculina, nenhum sendo preso pelo crime. Tivemos inclusive alguns casos emblemáticos, que ganharam notoriedade apenas por envolverem personalidades conhecidas. É um absurdo, mas isso se tornou relevante para chamar a atenção da mídia e da sociedade como um todo, quanto à necessidade de tal situação ser revista. Como sempre, a morte das mulheres anônimas não teria força para tanto. Mesmo se entendendo que a legítima defesa é um instituto técnico-jurídico que, no direito brasileiro, está amplamente amparado, o acréscimo “da hora” o torna uma aberração. Sua aplicação é aceitável quando se trata de garantir a vida do envolvido ou de terceiros, fora isso será apenas um recurso argumentativo, uma retórica odiosa e desumana. Uma forma perversa de imputar às vítimas a responsabilidade pela agressão sofrida.

No caso da defesa da Miss do México, esse recurso foi usado com muito sucesso, apesar das surpresas não apenas do “onde e quando”, como também do “a favor de que gênero”. Então, merece igual dúvida quanto à honestidade da argumentação. Entretanto, se tratou de um caso raro, uma vez que a naturalização e a perpetuação de tal ignomínia ter sido quase que na totalidade das vezes contra as mulheres. A reputação do homem era vista, referindo outra vez a realidade brasileira – é provável que a mexicana não fosse muito diferente –, como algo diverso da reputação da mulher. Uma espécie de afirmação tácita da justiça sobre uma suposta superioridade masculina. O que veio abaixo quando a Constituição de 1988 reafirmou os direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, caput e inciso I), como sendo um dos seus pilares. Mas esse também pode ser um tema que desagrade muito os conservadores que agora têm defendido que já estaria na hora de se rever o texto constitucional de apenas 33 anos atrás. Por enquanto essa proposta – de nova Constituição – ainda é um sussurro, mas não se iludam quanto ao risco real de se tornar, muito em breve, um discurso mais contundente. Porque a lista dos direitos que desejam derrubar pode incluir esse, mas vai muito além dele.

24.05.2021

O bônus de hoje é a música Amor e Sexo, de Rita Lee. A letra é um verdadeiro show, mostrando domínio perfeito das palavras. Faz poesia ao falar sobre o tema.