O PARADOXO DO BOOTSTRAP
Uma série televisiva alemã chamada Dark, que está sendo veiculada na Netflix em sua terceira e última temporada, tem usado e abusado do que chamam “Paradoxo do Bootstrap”. Mas o que viria a ser isso? Paradoxo nada mais é do que uma figura de linguagem ou de pensamento, que também recebe os nomes de oximoro ou oxímoro. Ela consiste na expressão de uma ideia que seja contrastante, que traga em si mesma uma incoerência, uma espécie de armadilha intelectual. Mas o enunciado não é invalidado podendo, ao contrário, criar uma rara possibilidade de plurissignificar – ou seja, ir além do óbvio. No caso específico deste paradoxo da série, no momento em que ela cria um cenário fictício no qual é possível viajar no tempo, faz com que exista algo que nunca foi criado.
Calma! Sei que é muito provável que você esteja querendo desistir da leitura desta crônica, mal terminando o primeiro parágrafo. Mas vou tentar explicar usando um exemplo, que talvez ajude na compreensão disso tudo. Para mim ajudou, quando ouvi essa narrativa. Vamos imaginar que uma pessoa do nosso tempo, alguém vivendo agora em 2021, consiga fazer uma viagem para o passado. E ela leva consigo papéis com desenhos minuciosos do que seja um protótipo de lâmpada elétrica incandescente, tudo detalhado, com sugestões para a sua construção. Não por sorte, mas com tudo muito bem planejado, volta para 1879 e vai ao encontro de Thomas Edison, a quem entrega o projeto de presente. Esse percebe que tal invento é muito importante e o torna público. Assim, se estabelece o paradoxo. Porque a pessoa que viajou no tempo não inventou a lâmpada, tendo apenas usado algo que chegou até o presente como uma das tantas invenções desse norte-americano. Mas ele também não teria inventado, uma vez que recebeu o projeto pronto, vindo do futuro. Então, a lâmpada foi criada, mas ninguém de fato a criou.
É muito difícil solucionar logicamente essa questão, porque ela desafia nosso entendimento natural daquilo que seja o tempo. Tal situação, se acontecesse, tiraria a sua linearidade. O que se entende como real é que um evento A pode gerar um B, que pode gerar um C e assim por diante. Mas se uma viagem para o passado se tornasse possível, o mesmo evento A geraria o B que poderia voltar a gerar o A, se repetindo de modo infinito. Seria um ciclo que nos iria causar uma enorme confusão mental, por não ter começo nem fim. Ou seja, algo que para nossa atual estrutura de compreensão da realidade tem tudo para ser insano.
Existe ainda a teoria de que o tempo é uma linha constante e permanente, sobre a qual todos nós “deslizamos”, que até hoje não foi refutada. Ela estabelece uma outra situação paradoxal. Isso porque agora, nesse exato instante, eu ainda estaria nascendo; e, nesse mesmo momento, eu já estou morto. Nessa concepção, ao mesmo tempo em que tenho começo e término, sou finitude e eternidade, uma vez que estaria sempre lá, me repetindo entre esses dois momentos extremos. A liberdade absoluta, numa prisão da qual jamais conseguiria sair.
Em uma de suas cartas, Albert Einstein, um dos maiores gênios da história da humanidade, escreveu que “a diferença entre passado, presente e futuro é apenas uma persistente ilusão”. Para os incas, povo que vivia em território que ia desde a atual Colômbia até o norte do que são agora Argentina e Chile, apesar de ser sempre mais identificado com o Peru, não é o futuro que estaria na nossa frente, mas o passado. Isso porque apenas podemos ver o passado, enquanto o futuro, ainda não visto, estaria nas nossas costas. E a professora Joan Vaccaro, que dá aulas na Universidade Griffith, na Austrália, mantêm trabalho desafiando a noção de que o Universo evoluiria do passado rumo ao futuro. Há uma série de pesquisas que garantem que o futuro influencia o passado e que a sequência de causa e efeito não faz sentido no reino quântico.
Em inglês boot é bota e strap significa tira ou cadarço. Mas a palavra composta é uma expressão que busca significar algo como “ser puxado pelos cadarços do próprio calçado”. Ela foi usada pela primeira vez numa história publicada por Robert Anson Heinlein, em 1941, com o título By His Bootstraps. Ele era norte-americano e escrevia ficção científica. No total produziu 30 romances e 56 contos, que ainda hoje têm vendagem significativa. Dark, por sua vez, é a primeira produção seriada original alemã que a plataforma de streaming oferece a seus assinantes. Relata os segredos e as conexões existentes entre quatro famílias que residem numa cidade fictícia de nome Winden – traduzindo para o português, Guinchos. Ela tem drama, suspense e explora uma sinistra conspiração que envolve viagem no tempo. Seus criadores são o diretor e roteirista Baran bo Odar e a produtora e roteirista Jantie Friese. Para quem gosta do gênero, recomendo assistir.
04.05.2021

O bônus musical de hoje tem a maravilhosa Maria Bethânia cantando Oração ao Tempo, de Caetano Veloso. Essa apresentação foi em show no qual a cantora comemorava 40 anos de carreira. Gravação no CIE Musica Hall, na cidade de São Paulo.