No que você pensa, o que você imagina, quando ouve essa palavra? Eu, particularmente, adoro ouvir e falar “soslaio”. Não do olhar que em geral ela aponta, mas dessa pronúncia, da sua sonoridade. E claro que eu já a conheço desde muito tempo, mas foi dias atrás que me voltou à memória, quando o nosso personal training – nome globalizado para preparador físico –, Rodrigo Alves Adami, aqui mesmo na academia do prédio, me contou que o sogro dele havia usado a expressão. Olhar de soslaio é fazer isso não de forma direta, tipo olho no olho. Se trata de algo oblíquo, de esguelha, meio de lado, de viés ou través. Sem dúvida, sua aplicação é antiga e se pode dizer que caiu em desuso, mas o hábito asseguro que não.

Esse olhar em geral reprova ou desconfia. É quase uma ameaça velada que convém não desconsiderar. Esse olhar de lado não é zombeteiro nem irônico. Muito menos é pidão, aquele de cachorro ansiando por um petisco. Ele não tem cobiça e também não se enquadra nas categorias de olho comprido e olho gordo. É só algo atravessado mesmo, mas por não ser claro, não revelar com facilidade intenção e motivo, se deve estar atento a ele. Do mesmo modo que se precisa ficar com toda e qualquer pessoa dissimulada.

A bem da verdade, também existe o sorriso de soslaio. Mas esse é bem mais incomum – mais fácil é nos depararmos com o irônico. O sorriso de soslaio, com o canto da boca, remete mais a uma deformidade ou a um deboche. De qualquer modo, ele será sempre bem mais leve e menos arriscado de se receber. Não existe, por exemplo, um sorriso de seca pimenteira. Olhar tem. Esse surgiu da crença de que a planta tem como absorver más vibrações, tipo inveja e mau-olhado, de quem dela se aproxima, protegendo o seu dono, quem a plantou. Sei lá eu se isso de fato funciona, mas pensando bem vou providenciar um pezinho pequeno para colocar num vaso aqui em casa.

Como citei dois parágrafos atrás, vamos lá também conceituar o que sejam o olho comprido e o olho gordo. O primeiro é de cobiça, de desejo. O segundo é de inveja mesmo, daqueles de causar malefício. É o outro nome do conhecido mau-olhado, aquele que derruba. Tem até uma lista de sintomas disponível na internet. Acredita-se que as pessoas vitimadas por ele vivem com cansaço, seus planos tendem a não dar certo, ficam nervosas de modo corriqueiro, têm insônia ou então pesadelos, passam por uma montanha russa de sentimentos e até podem seus objetos pessoais sofrerem deterioração. Coisas que não são para enfrentamento por principiantes.

Outra coisa que me ocorre agora é que muitas pessoas parecem estar também andando de soslaio. Não no sentido de caminhar, mas de viver. Porque a desconfiança aumentou muito no mundo, nos últimos tempos. Acreditar ficou bastante perigoso, então ficam se protegendo, chegando como quem está saindo pela tangente. Portanto, tanto o modo de encarar as coisas como também a postura diante delas, podem se revelar recursos interessantes. Só quem é muito inconsequente não olha de soslaio para seu celular, ao receber aquela enxurrada de informações absurdas, via WhatsApp. Talvez apenas os convictos de coisa nenhuma ainda continuem olhando de frente o que chega. No supermercado, convém usar o mesmo artifício e não encarar os preços, para evitar sustos maiores. Desconfie também da tal tarifa dinâmica, que aquele aplicativo que prometera ao chegar oferecer serviços melhores e muito mais baratos aplica sempre contra você. Soslaio nele e volte a olhar com carinho e a consultar os serviços e os preços do bom e velho táxi que tem ponto perto da sua casa.

Se você pensar um pouco, vai encontrar outros tantos exemplos. Mas, não deixe de tentar olhar sempre a vida de frente. Os antigos diziam, com boa dose de razão, que todo o cuidado é pouco. Entretanto, o preço disso não pode ser abandonar a esperança, nem tampouco achar que apenas coisas ruins podem acontecer conosco. Bola pra frente!

02.04.2023

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O bônus musical de hoje oferece o áudio de Olho Comprido, na voz da sambista paulistana Elizeth Rosa. A faixa integra o álbum Negro Luz, de 1993.