PESQUISAS E MEDO COMO ESTRATÉGIA

Pensem comigo: por que razão cada vez que um instituto de pesquisas com histórico de seriedade aponta que Lula está consolidado na frente, no que tange à preferência do eleitorado, surge outro, confiável como uma nota de três reais, afirmando o contrário? E por que o volume de ameaças e agressões contra esquerdistas de todas as nuances e cores está crescendo? Vamos “juntar lé com cré”, como diziam nossos avós, para explicar que esses dois movimentos estão umbilicalmente ligados.

O primeiro recurso é para manter o discurso diante do público interno, formado pelo bolsonarista raiz e os ainda iludidos pela enxurrada de outras tantas notícias falsas. O segundo é para intimidar, se não aquela militância mais fiel da esquerda, com certeza a imensa maioria das pessoas já convencidas da imperiosa necessidade de mudança. Nada de identificação: essas precisam ter medo de usar bottons, camisetas e até mesmo de comentar com outras, ainda indecisas, as razões pelas quais não votarão no Capetão.

A soma dessas duas circunstâncias será essencial para o futuro golpe, que vem sendo estudado em diversas formas possíveis, como uma das alternativas para que Bolsonaro se mantenha no poder, caso os eleitores decidam o contrário – mesmo que a Carta às Brasileiras e Brasileiros tenha posto um tanto de água fria na fervura que preparavam. São elas, juntas, que formarão a base para um ataque final contra o sistema eleitoral. A conclusão desejada para a orquestrada e constante ladainha contra a confiabilidade do voto eletrônico e contra a seriedade da nossa Justiça Eleitoral. Sintetizando: mentir para simpatizantes, jurando que o seu rebanho é maioria; e retirar de circulação a propaganda aberta e a presença física dos opositores, ao fazer com que estes temam por sua segurança. O Gabinete do Ódio sabe muito bem as razões e a importância de, conjuntamente, usarem os recursos da informação tendenciosa e da propagação do medo.

Isso é que dará aparência de legitimidade às críticas infundadas. Se pesquisas falsas são difundidas entre os direitistas e os incautos e, no dia das eleições, o percentual de pessoas identificadas com os partidos de direita for muito maior nas ruas, isso causará “enorme surpresa e indignação” quando o número de votos resultantes não corresponder àquela exterioridade. Ou seja, será a “comprovação da fraude”, algo de fato essencial para colocar fogo no rastilho de pólvora. Diante da suspeita e com um grande número de milicianos e fanáticos armados dispostos a “tomar providências”, o ainda presidente poderá recorrer às Forças Armadas para “garantir a lei e a ordem”. E sua permanência no poder, é lógico.

A grande e preocupante questão é que esse sistema, uma vez sendo deflagrado – e está sendo –, se retroalimenta. A morte do petista baleado por um policial bolsonarista ensandecido, no Paraná, com certeza nem sequer precisou ser planejada. Algo dessa ordem iria acontecer, mais cedo ou mais tarde e ao natural, existindo inclusive grande chance de que se repita. Mas veio bem a calhar. Agora o medo está materializado por um fato. E se um pouco mais de sangue escorrer, melhor ainda. Então, o que fazer para reagir e evitar o sucesso de mais uma das empreitadas criminosas do Gabinete do Ódio?

Primeiro não aceitar, de modo algum, quaisquer provocações. Com coragem, seguir defendendo a candidatura que pode devolver o Brasil à sua história. Não deixar de usar cores e símbolos que identifiquem essa posição, mas evitar sair sem companhia, preferindo atuar sempre em grupos. E difundir, incansavelmente, as muitas realizações dos governos recentes de esquerda, ao mesmo tempo em que apresenta como argumento tudo aquilo que pode e vai ser feito para a retomada do crescimento econômico; da valorização da saúde e da educação; do distensionamento das relações; do respeito à ciência e à vida, às artes e à cultura; para o combate da desigualdade social e da fome; e acima de tudo para garantia da justiça e da democracia, hoje tão ameaçadas. Sabedores de mais essa estratégia, nos compete fazer de tudo para neutralizá-la.

Sobre a expressão que citei lá no primeiro parágrafo, vamos também tentar explicar sua origem. Na realidade ela surgiu de modo diferente, fazendo referência aos leigos e aos clérigos. Diziam “lé com lé, cré com cré”, no sentido de que esses não se misturavam, com suas aspirações divergentes. Por analogia, quando se desejava recomendar a junção, numa luta qualquer de interesse comum, ela começou a ser empregada do modo como eu fiz: “lé com cré”. Desta feita, mais do que nunca, as brasileiras e os brasileiros de todos os matizes precisam mesmo de união. Nosso país não suportará repetir quatro anos de atraso, ódio, descaso e entreguismo.

19.08.2022

O bônus de hoje é a música Dias Melhores, com Jota Quest.

DICAS DE LEITURA

GOVERNO BOLSONARO: retrocesso democrático e degradação política

Leonardo Avritzer, Fábio Kerche e Marjorie Marona

(448 páginas – R$ 42,70)

Este livro reúne antropólogos, sociólogos, cientistas políticos, economistas e profissionais de relações internacionais que nos ajudam a compreender o bolsonarismo como uma dupla chave, movimento e forma de governo, e quais são os impactos disso nas políticas públicas, na saúde das instituições e na vida da população brasileira.

Nos textos que tratam do campo institucional, são analisadas as relações do governo com o Congresso Nacional, os partidos políticos, o Supremo Tribunal Federal e as novas dinâmicas federativas. Outro conjunto de textos analisa políticas públicas de atenção a saúde, educação, meio ambiente, segurança pública, distribuição de renda, direitos humanos e minorias, as reformas trabalhista e previdenciária, as políticas externa e econômica.

Para falar sobre o bolsonarismo como movimento, são exploradas as formas de representação e o destino da participação política, bem como as inflexões dos movimentos sociais frente ao governo de extrema direita. Outros artigos trazem reflexões sobre a cultura política, discutindo a nova direita no Brasil, valores democráticos e autoritarismo, preferências políticas, religião e novas lideranças evangélicas.

Análises da relação do governo Bolsonaro com a imprensa, seu uso das redes sociais e das fake news, e seus impactos sobre a opinião pública finalizam esta obra, que nos mostra que as marcas da destruição são muito anteriores a 2020, ano que ficará para sempre marcado como um dos mais complexos para a política nacional.

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