CLODOVIL

Quem aqui for jovem a mais tempo, assim como eu, deve lembrar de uma figura controversa chamada Clodovil. Ele foi um estilista famoso, que também atuou, entre outras coisas, como ator e apresentador de televisão em nosso país. Natural de Catanduva, interior de São Paulo, tornou- se um homem famoso e rico, sendo reconhecido como filantropo e alcançado eleição para deputado federal pelo seu Estado. Nasceu em 1937 e faleceu em 2009, em Brasília, deixando uma história rica em eventos polêmicos.

Clodovil Hernandes foi o primeiro parlamentar brasileiro assumidamente homossexual. Não teve filhos e nem nomeou herdeiros para a sua herança, que foi substancial. Aliás, sua morte repentina, no exercício do mandato, deixou dúvidas e teve um esclarecimento considerado muito falho por pessoas próximas. Ou seja, para essas ela causou além de luto também indignação, com uma suspeita de assassinato. Oficialmente, a causa da morte atestada em laudo médico do Hospital Santa Lúcia foi um acidente vascular cerebral (AVC). Entretanto, comentam que ele havia descoberto um caso de corrupção milionária e pretendia denunciar os envolvidos.

Na noite do domingo, 16 de março, sua cozinheira de nome Renata conversara com ele, para decidirem juntos o cardápio que seria oferecido em jantar que ocorreria em sua casa, na terça, para o então presidente da Câmara, Michel Temer. O prato principal seria vitelo, com marrom glacê de sobremesa. Isso nunca chegou a ser preparado, porque o marido dela, que também era funcionário da casa, o encontrou morto no quarto, ao amanhecer de segunda-feira. Fora buscar a cachorrinha Castanhola, para ser medicada. O deputado estava nu e caído sobre o tapete que existia ao lado da cama, com uma machucadura na testa e sinais de vômito. Estranho é que a baixa altura da cama e a espessura do tapete teriam evitado tal ferimento. Mas isso não foi considerado nas investigações, assim como a afirmação de testemunhas de que um homem não identificado foi visto saindo da sua casa, horas antes da morte ser constatada.

Interessado em moda desde pequeno, Clodovil começou na alta costura ao trabalhar na casa chamada Signorinella, que tinha grande prestígio na capital paulistana, onde ganhou dois prêmios relevantes do setor, mas acabou demitido. Passou a trabalhar por conta própria e fez uso, junto com outro famoso da área, chamado Dener, de um recurso de marketing que era estabelecer uma suposta rivalidade entre ambos. A “guerra das tesouras” acabou sendo inspiração para a telenovela Ti-Ti-Ti. Foi ainda figurinista em produções cinematográficas e, na década de 1970, chegou a aventurar-se como cantor. Antes disso já atuara em teatro. Mas sua popularidade atingiu o ápice ao lançar-se em programas de televisão, iniciando em 1980 como um dos apresentadores do então vanguardista TV Mulher, da Rede Globo. Mais tarde, na Bandeirantes e na Manchete, ganhou programas com o seu próprio nome. E popularizou o bordão “olhe para a lente”, quando queria enfatizar algum assunto.

Dono de uma mansão em Ubatuba, o imóvel mantinha uma decoração tão exótica quanto o seu dono. E nada menos do que cinco mil metros quadrados, com inúmeros quartos, 12 banheiros, capela e passagens secretas. Também sauna, hidromassagem, piscina e um inacreditável vaso sanitário ao ar livre, com vista para o mar. Era palco de festas memoráveis e segue até hoje abandonada, tomada pelo matagal, sem interessados em sua aquisição. O que se explica pelo atual estado, com infiltrações e de tal forma deteriorada que custaria fortuna incalculável a sua recuperação. Chegou a esse estado devido a um desentendimento na justiça quanto aos direitos sobre o seu espólio.

Num país onde PC Farias, que era uma espécie de Queiróz a serviço de Fernando Collor, foi morto por uma “prostituta enciumada”, que cometeu suicídio logo após; e onde o miliciano Adriano da Nóbrega, envolvido com o assassinato de Marielle Franco, “resistiu à prisão” e foi morto por policiais militares, ficando por razões óbvias impossibilitado de prestar depoimento e revelar os nomes de mandantes, qualquer coisa pode ser vista como normal. Inclusive a morte desta figura, tão extravagante quanto humana – auxiliava inúmeras instituições e pretendia abrir e manter um abrigo para moradores de rua –, jamais ter sido de fato esclarecida.

10.02.2023

Clodovil Hernandes

Logo aqui abaixo você encontra uma Chave PIX e um formulário para fazer doações. São duas alternativas distintas para que você possa decidir com quanto quer ou pode participar, para a manutenção deste blog, que está ameaçada.  A colaboração é importante porque as taxas que se paga não são baratas, com as cobranças feitas em dólar. Com o PIX você escolhe qualquer quantia. No caso do formulário também, existindo valores sugeridos que não precisam ser os escolhidos. Neste é possível decidir por contribuição única, mensal ou anual. A confirmação se dá no botão “Faça uma Doação”. 

Depois tem o bônus musical, que hoje é com o próprio Clodovil Hernandes, cantando Ne me quitte pas (Não me deixes), uma composição de Jacques Brel. Assim assinava o compositor belga francófono, que teve carreira também ligado ao cinema. Entre os dois nomes ainda havia Romain Georges. Ele nasceu em 1929 e faleceu em 1978.

PIX: virtualidades.blog@gmail.com

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente
Ne Me Quitte Pas, na voz de Clodovil Hernandes

QUADRINHOS SOBRE FAKE NEWS

Sabrina é o nome dos quadrinhos que, produzidos nos EUA, chegaram ao Brasil em meados do ano de 2020. Quem trouxe o trabalho para nosso país foi a editora Veneta, sendo que ele trata do declínio da verdade na era das redes sociais. Sua produção no país de origem iniciou em 2018, partindo justamente da preocupação dos produtores com os impactos devastadores que essas redes estão causando na vida das pessoas comuns.

Essa obra se mostrou tão importante, como fonte de esclarecimentos, que foi a primeira do gênero a receber indicação para o Prêmio Man Booker Prize, a premiação literária de maior prestígio do Reino Unido. Cabe a ela, por exemplo, escolher a cada ano o melhor romance de língua inglesa lá publicado. E suas escolhas têm um grande peso no mercado editorial. Não foi essa a primeira incursão do autor Nick Drnaso pelos quadrinhos. Ele fizera sua estreia em 2016, com Beverly, uma coleção de histórias ficcionais curtas. Essa, apesar de mais antiga, ainda não foi publicada em nosso país.

Em Sabrina, a ação se desenvolve a partir do desaparecimento da personagem que dá título à obra. Isso, evidentemente, causa enorme angústia e sofrimento entre as pessoas próximas a ela, em especial sua irmã Sandra e o namorado Teddy. O que se agrava quando o episódio começa a receber acréscimo de teorias conspiratórias disseminadas pela internet. Essas versões destroem não apenas a verdade, como também atingem a realidade dos personagens, mostrando que a devastação que as mídias sociais promovem estão longe de atingir apenas pessoas de destaque público, podendo ferir gravemente qualquer um de nós.

No início da história, Sabrina vai passar a noite na casa dos pais, que saem em viagem, para cuidar do gato que eles têm. Lá recebe uma breve visita de sua irmã, com a qual faz planos para suas próximas férias. Sandra então vai para uma festa, sem imaginar que não veria mais a outra. Isso porque na manhã seguinte a protagonista deixa a residência e não é mais vista. Teddy, com quem ela morava, passa a ter problemas com alimentação e sono. Então surge um vídeo no qual se apresenta uma suposta atrocidade e o que era ruim piora muito.

A história é dramática, mas o traço usado para descrever tudo o que ocorre é sóbrio, contido. Não há cores fortes e o autor não recorre a nenhum clichê. A narrativa segue de propósito não apaixonada, fato que talvez contribua para que tudo pareça mais real. Milhares de pessoas desaparecem no mundo todos os anos. Mas o drama raramente é algo público, tendo apenas para os envolvidos o poder de causar dor mais profunda. Para todos os outros, se trata de mais um caso. Algo distante como são as notícias mais dolorosas do telejornal da noite, que nos acostumamos a consumir jantando, sem qualquer problema digestivo.

O estilo do desenho é o caracterizado pela expressão “ligne claire”, uma tendência franco-belga que se vê desde que Hergé lançou seus álbuns com “As Aventuras de Tintim” – na infância acompanhei todas essas. Tudo é feito com o mínimo de linhas que seja possível, além de não ser usado nenhum sombreado. O que se percebe nos desenhos, também, é o esforço feito para ilustrar uma ausência. Como mostrar o que não está lá? Como retratar a falta que Sabrina faz? Esse pesadelo não por acaso se ambienta no primeiro ano do governo de Donald Trump. Apesar da política não ser referenciada na obra, há um clima de terror latente, nos sons que ouvem os personagens, em um livro de atividades infantis e principalmente no que brota do online. As pistas que surgem são tão contraditórias quanto a época, marcada por uma paranoia global. E o leitor termina arrastado para dentro da história, como se precisasse se envolver no processo de fabricação de mentiras e das teorias fantasiosas que conduzem a narrativa.

Se engana quem pensa que o tema central é um crime, talvez sequestro ou assassinato. O autor relata mesmo uma visão sobre a natureza da verdade. Sobre o que é a erosão causada pela internet e sobre o que fizemos com a credibilidade das pessoas. Uma boa sugestão de leitura.

17.08.2022

Nick Drnaso, o autor de Sabrina

O bônus de hoje é Prece, vertida do talento de Fernando Pessoa, na voz de Maria Bethânia. A música é de Denis Bevenuto, que está ao piano.

DICAS DE LEITURA

SABRINA, de Nick Drnaso

Capa dura – 208 páginas – R$ 87,18

Livro de quadrinhos adultos, o primeiro indicado ao Man Booker Prize, que é considerado o prêmio mais importante da literatura de língua inglesa. No Brasil, ganhou o Prêmio Grampo de Ouro de 2020, como a Melhor História em Quadrinhos publicada no país.

Basta clicar sobra as imagens da capa do livro e você será direcionado para a possibilidade de aquisição. Comprando através desse link, o blog será comissionado.