A rima é tão pobre como são pobres de espírito aqueles que entoaram o cântico. Alunos do curso de medicina da Universidade Iguaçu, a UNIG, que tem sede no interior do Estado do Rio de Janeiro, foram os autores de mais essa “proeza”. Nas arquibancadas de um ginásio de esportes localizado em Vassouras, no sul fluminense, eles torciam por colegas que disputavam na quadra os Jogos Universitários da Medicina, que é conhecido como Intermed. Filhos da classe privilegiada e sem a menor noção do que sejam dificuldades financeiras, repetiam “eu sou playboy, não tenho culpa se o seu pai é motoboy”. A estupidez preconceituosa foi gravada em vídeo, que viralizou no último final de semana.
É a elite desdenhando do restante da população. Mas, nesse caso em especial, os “filhinhos de papai” seguem o que até mesmo um ministro do atual governo teve a coragem – ou a covardia – de dizer na televisão. Paulo Guedes, da Economia, afirmou que a universidade não é feita para receber “filho de porteiro”. Só que esse senhor, que hoje tem contas mal explicadas em instituições financeiras localizadas em paraísos fiscais, foi um entre os muitos brasileiros que se beneficiaram de políticas públicas para estudar. Ele ficou durante cinco anos na prestigiosa Universidade de Chicago, nos EUA, em virtude de ter recebido uma bolsa do CNPQ, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Ou seja, cuspiu no prato no qual comeu, se mostrando muito menos digno do que aqueles que cuidam do acesso ao seu prédio, por exemplo.
Outro ministro de Bolsonaro, esse da Educação, Milton Ribeiro, em mais uma fala deplorável, disse que havia exagero no acesso por cotas e que as universidades públicas deveriam mesmo priorizar vagas para os filhos de famílias abastadas, uma vez que essas seriam mantidas pelos impostos pagos por seus pais. Ou seja, desconheceu a função social que tem a cobrança de impostos. Ele acrescentou, na fala preconceituosa, que filhos de trabalhadores deveriam buscar no máximo cursos técnicos. Lembremos que tal ministro foi forçado a sair da pasta, algum tempo depois, pelo envolvimento dele e de pastores pentecostais em corrupção. Foi comprovada a cobrança de propina para a liberação de verbas públicas para os municípios.
Voltando ao caso que envolveu a UNIG, os mesmos estudantes em outro trecho dos seus cânticos diziam “meu dinheiro não acaba”. Considerando que a mensalidade do seu curso, naquela instituição, passa de R$ 10 mil, a gente quase pode acreditar nisso. Assim como se pode apostar na enorme probabilidade que esses recursos todos venham da exploração do trabalho de terceiros, feito por seus pais, muitos deles “homens de bem” que têm certeza que seus filhos também serão.
Com a repercussão do fato, a universidade divulgou nota dizendo que não tem ingerência sobre frases ditas por seus alunos em ambiente externo. Mas que tomará as “providências possíveis para que episódios similares não se repitam”. Uma sutil aplicação de panos quentes. Já o diretório acadêmico do curso de medicina também se pronunciou, dizendo que não concordava com desrespeitos à raça, gênero ou classe social. Só que acrescentou, estranhamente, que “não compactua com qualquer tipo de repressão”. Como assim? Os responsáveis podem se esconder atrás da desculpa da liberdade de expressão, do suposto direito de livre manifestação do pensamento?
O que houve tem um termo: aporofobia. Seu significado é aversão, medo e desprezo pelos pobres. Trata-se de um neologismo relativamente recente, que deriva da junção de duas palavras gregas: aporos (pobres ou indigentes) e fobos (medo). Quem teria usado pela primeira vez esse termo foi a filósofa espanhola Adela Cortina, que dá aulas de Filosofia Moral na Universidade de Valença, fazendo parte também da Real Academia de Ciências Morais e Políticas. Em seus estudos, o aplicou para evidenciar a sistêmica rejeição às pessoas sem recursos. Os livros que publicou, com a ética sendo o tema, foram traduzidos para nosso idioma e se encontram nas livrarias.
13.10.2022

O bônus de hoje é o clipe oficial da música Diferenças, de Rael. Esse é o nome artístico do cantor, compositor e rapper brasileiro Israel Feliciano.
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Quegli stessi poveri, poi, di cui tanto i ricchi abbisognano per continuare ad essere tali o ancora di più… che circoli viziosi, questi e queste aporofobi!
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A riqueza de alguns sempre precisou da pobreza de muitos para acontecer. Você tem razão. Mas, quem sabe um dia a humanidade abra os olhos e se dê conta de que para o bem de todos isso não pode continuar sendo assim. Abraço!
La ricchezza di pochi ha sempre avuto bisogno della povertà di molti per realizzarsi. Hai ragione. Ma, chissà, forse un giorno l’umanità aprirà gli occhi e si renderà conto che, per il bene di tutti, non può continuare ad essere così. Abbraccio!
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