A MAÇÃ É INOCENTE
Primeiro inventaram que a Eva deu para o Adão uma maçã. Que a Damares não nos ouça, mas todos sabemos que a fruta que ele mordeu não foi essa. E deve ter feito de levinho, sem tirar pedaço algum no calor do momento. Mesmo assim, em função da pauta de costumes, acabaram ambos expulsos do Jardim do Éden. Pelo menos é o que contam, se bem que eu acredito que no fundo levaram com eles o paraíso. Ou ao menos o acesso a ele, isso que aprenderam lá dentro.
Não bastasse essa difamação primordial, um conto de fadas que teve sua origem na tradição oral alemã é compilado pelos irmãos Wilhelm e Jacob Grimm, com nova acusação contra a mesma e inocente fruta. A obra foi produzida entre 1817 e 1822 e recebeu o nome de Kinder-und Hausmarchen – em tradução pouco confiável seria algo como Contos Infantis e Domésticos –, contando nela que a Branca de Neve mordeu aquela que lhe foi dada pela Rainha Má e caiu em sono profundo. Pelo menos desta vez há uma verdade parcial: comer pode mesmo dar sono depois, se bem que é recomendável que ao menos se converse um pouco depois das refeições.
Assim como foi disfarçada de bruxa que a malvada do conto de fadas deu a fruta para Branca, na mitologia celta a maçã simboliza a magia, a imortalidade – seu sono profundo não era morte –, mas também o conhecimento. Nesse último caso, o aprendizado do primeiro casal fica esclarecido. No Cântico dos Cânticos, nos ensina Orígenes que ela representa a fecundidade. Em alguns conhecidos contos bretões seu consumo serve de prólogo a uma profecia. O mago Merlin, segundo textos, costumava ensinar sentado sob uma macieira. A árvore, entre os gauleses – não lembro de ter visto isso em nenhuma das aventuras de Asterix – é tão sagrada quanto o carvalho.
As maçãs de verdade têm como origem provável a Ásia. Existem vários estudos científicos que apontam para o surgimento das macieiras selvagens, cujo nome científico é Malus Sylvestris, nas montanhas do Cazaquistão. Existiram outras nas florestas da Europa, mas eram diferentes, sendo bem menores e mais crocantes. Foi com a troca de genes com essas asiáticas e mais antigas que se chegou àquela conhecida atualmente. Houve aumento de tamanho e suculência, tendo sido mantido aquele apreciado toque cítrico.
A maçã é a fruta mais consumida do mundo, com a China liderando a produção global com 34,3 milhões de toneladas por ano. Os EUA, apesar de ser muito popular em filmes a torta que fazem por lá usando ela, está em segundo, mas muito longe: 4,4 milhões de toneladas. Turquia, Rússia e Ucrânia também se destacam. Na América do Sul as mais famosas são as argentinas; lembro que eram as preferidas do meu pai. Mas a região sul do Brasil também se destaca pela produção. De Santa Catarina vem 52% dela, com mais 45% sendo do Rio Grande do Sul, nos Campos de Cima da Serra.
Nova Iorque é conhecida como a Big Apple, sem que se tenha certeza da razão do apelido. Uma das hipóteses o associa com as corridas de cavalo que por lá aconteciam no início dos anos 1920. O colunista de esportes do jornal New York Morning Telegraph, John Fitzgerald – que não era Kennedy – se referia a essas disputas como sendo “Around the Big Apple” (ao redor da grande maçã, o prêmio oferecido), e isso teria se popularizado. Outros preferem dizer que a expressão surgiu devido à má distribuição de renda naquele país: os EUA seriam uma macieira, com cada fruto representando um dos seus estados, onde este se destacava na ocasião. Uma terceira versão atribui aos músicos de jazz, que costumavam usar um ditado entre eles: “There are many apples on the tree, but only one Big Apple” (Há muitas maçãs na árvore, mas somente uma grande maçã”). Muitos seriam aqueles que se dedicavam, mas poucos se destacavam na música. Esses últimos eram eles, lógico. Ou alguém duvida do tamanho da autoestima dos yankees?
Uma das maiores empresas do mundo é a Apple. E o seu símbolo óbvio é uma maçã mordida. Óbvio pelo nome, não pelo pedaço que falta. Mas, o que talvez nem todo mundo saiba, isso se trata de um trocadilho em inglês. Ela estar “bite” (mordida) representaria os “bytes” (aglutinação de oito bits, unidade de dados computacionais). Maçãs normalmente tenho aqui em casa. Um desses aparelhos eletrônicos que trazem a fruta como identificação, tenho não. Neste momento seria uma mordida demasiado forte no meu bolso.
17.10.2022

Os bônus de hoje são Maçã, de Djavan com o próprio; e A Maçã, de Paulo Coelho, Marcelo Motta e Raul Seixas, na voz de Ney Matogrosso.
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