O jornalismo tem sofrido várias transformações nos últimos anos. Em especial elas ocorrem nos meios, nos veículos, muito em função das inovações tecnológicas; e também no modo como o público consumidor acessa o que lhes é fornecido, pelo mesmo motivo. Mas o conteúdo segue sendo informativo, interpretativo ou opinativo. O primeiro grupo, que é o mais volumoso em produção de dados e em termos de consumo, no fundo se resume em ser noticioso. A câmara vai se reunir, a câmara se reuniu; o jogo vai acontecer, o jogo aconteceu; e serviços em geral, como as condições do trânsito e do clima. Não estou dizendo que isso não seja importante. Claro que é e nos auxilia muito nas atividades cotidianas e também no conhecimento de fatos. O terceiro grupo é o dos colunistas, sejam eles esportivos, políticos, econômicos e de quaisquer outras editorias.
No grupo do meio estão os profissionais que dispõem de espaço e tempo apropriados e podem se dar ao luxo de interpretar aquilo que relatam. Isso não significa de modo algum a necessidade de posicionar-se, mas permite contextualizar os fatos, explicando quais as suas motivações e as suas possíveis consequências. Ainda nesse segundo grupo existem alguns que conseguem não apenas expor essas análises sobre eventos concretos, tendo mesmo a capacidade de se antecipar, discutindo os que têm probabilidade de acontecer, aqueles que dão indícios de estarem em nosso horizonte. Esses profissionais são mais raros e prestam um serviço ainda mais relevante, uma vez que alertam as pessoas, são profiláticos. Luís Nassif é um desses.
Pois ele publicou artigo no site GGN com o qual alerta para o risco de que os militares venham a colocar em dúvida o resultado da eleição presidencial que ocorrerá em outubro. Disso muitos já suspeitavam e não é de hoje. Mas Nassif fez a afirmação elencando os indícios. Pela tese que defende, o atual ministro da Defesa, general Braga Netto, recebeu essa “missão” e está à frente da ofensiva bolsonarista que já está articulada. No texto, o jornalista apresenta uma série de pontos de apoio. O primeiro foi aquele antigo, preparatório, no qual o presidente questionava o pleito. Quando o ministro Alexandre de Moraes o confrontou, ele realizou um recuo estratégico, mas já voltou aos ataques utilizando um trabalho que Nassif chama de “fajuto”, feito por um empresário paulista, sobre o que teria acontecido supostamente em 2014. Documento, aliás, que chegou ao Palácio do Planalto trazido por um oficial da Inteligência do Exército.
O segundo ponto seria a visita feita agora por Bolsonaro à Rússia, com uma pequena comissão. Nela estavam Braga Neto e o filho Carlos, que é responsável pelas estratégias digitais – leia-se Gabinete do Ódio. De Moscou, correspondentes brasileiros informaram que um dos temas que seriam tratados era “segurança digital”. Quase que no mesmo momento o futuro presidente do TSE, Luiz Edson Fachin, alertou para uma “guerra cibernética contra a democracia”, que estaria por ser deflagrada, referindo também tentativas anteriores de violar a estrutura de segurança do mesmo tribunal.
O quarto ponto colocado no texto foi lembrar que em setembro de 2021 o TSE criou uma comissão para que fosse ampliada a fiscalização do processo eleitoral. Um dos membros do grupo seria o general Heber Garcia Portella, comandante da Defesa Cibernética, representando as Forças Armadas. Ele se recusou a participar dos trabalhos. Pouco depois revelou-se nova manobra do Ministério da Defesa, com o intuito claro de desacreditar o TSE: no final do ano, com o recesso do Judiciário, os militares distribuíram um questionário com perguntas técnicas sobre as urnas, sobre os quais pediram sigilo. Dias atrás, Bolsonaro fez menção a uma suposta descoberta, por parte do Exército, que teria detectado haver vulnerabilidade nas urnas. Ou seja, a Defesa não queria que fosse tornado público o trabalho, ao mesmo tempo em que abriu oportunidade para que o presidente fizesse isso, manipulando o conteúdo do questionário e o resultado atingido com as respostas. A reação do tribunal foi divulgar o referido relatório, onde em nenhum momento qualquer coisa foi questionada.
Para finalizar, surgiu a informação de que o general Fernando Azevedo e Silva, um legalista convidado por Alexandre Moraes para assumir a área de segurança do TSE, declinou do convite. A alegação foi um problema de saúde só que, antes disso, o mesmo Azevedo, que fora ministro da Defesa, pedira demissão dizendo que não aceitaria que as Forças Armadas fossem envolvidas em jogadas político-partidárias. Ou seja, há sinais de fumaça suficientes para que se perceba que tem alguém colocando fogo neste campo. O homem que chegou ao poder por um tanto de acaso, pelo afastamento do favorito, pelo apoio negociado com os evangélicos e com o uso massivo de um recurso ilegal, que foram os disparos de fake news, não sairá de lá com facilidade. Nem que as urnas já o tentem banir do Palácio ainda no primeiro turno. E não duvidem: muito provavelmente terá o apoio da banda podre do Exército para tentar, a todo custo, continuar mamando nos seios da Pátria Mãe e destruindo as organizações sociais e a democracia.
18.02.2022

O bônus de hoje é Como Nossos Pais, música do compositor cearense Belchior, na voz da cantora gaúcha Elis Regina.
RECOMENDAÇÃO DE LEITURA:
O CASO VEJA – O naufrágio do jornalismo brasileiro (Luis Nassif)
O bolsonarismo começou a nascer em um certo momento de 2005, quando a mídia brasileira descobriu o “jornalismo de esgoto”. Por trás do novo estilo, havia o fantasma da grande crise das empresas, decorrente da maxidesvalorização de 1999 e da mudança do modelo de negócios da mídia. Liderados pela revista Veja e pelo publisher Roberto Civita, a mídia decidiu assumir o protagonismo político, seguindo o exemplo de Rupert Murdoch, que foi buscar na ultradireita americana o discurso de ódio e aprendeu a manobrar as notícias falsas. Elas eram difundidas por seu canal, a Fox News, e replicadas nas redes sociais.
Mas, enquanto nos Estados Unidos a agressividade corrosiva de Murdoch era combatida pelo jornalismo tradicional, no Brasil a mídia se transformou em uma grande Fox News, sem contraponto, sem auto regulação. Dali em diante praticou-se rotineiramente um jornalismo de guerra, o exercício diuturno do ódio, o recurso permanente às fake news, uma guerra cultural inclemente.
O ódio expandiu-se, cresceu com a Lava Jato e explodiu na sua mais fiel tradução: o bolsonarismo. Neste livro, um pouco da história da imprensa e do apogeu e queda da imprensa brasileira. E uma análise de como a desorganização da informação, promovida pela mídia, desestruturou todos os poderes e levou o país ao maior retrocesso civilizatório da sua história.
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Espero que o alerta de Luís Nassif, replicado no teu texto, seja ouvido pelas instituições que têm poder de fazer alguma coisa. E pela sociedade. É assustador, por isso torna mais necessário ainda eleger Lula no primeiro turno.
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