O GOLPE BATEU NA TRAVE

Esperei que passasse um mês do fato, para então escrever sobre ele. Foi proposital, uma decisão que me permitiria enxergar as coisas com um pouco mais de distanciamento e com menos paixão. Também não entendia que poderia antes acrescentar qualquer coisa, considerada a avalanche de informações e de opiniões então emitidas. Havia uma ânsia de todo mundo dizer o que pensava a respeito, de tal forma que nem se conseguia ler tudo o que era disponibilizado. Agora, vamos ver se consigo, ao escrever, sistematizar algumas informações para lançar luzes sobre o meu próprio pensar. Isso pode parecer estranho, pois o lógico é a gente pensar para então escrever. Mas, acreditem: o ato de escrever em geral ajuda a pelo menos ordenar os pensamentos. E de desordem, basta o absurdo aquele visto em Brasília.

Primeiro, não dá para sequer se cogitar que o ataque não tenha sido cuidadosamente planejado. Ninguém que tenha capacidade mínima de raciocínio acredita que foi uma “manifestação espontânea”. Basta prestar atenção na enorme logística que precisou ser estabelecida, com as pessoas sendo arregimentadas em diversos pontos do país, depois transportadas, acolhidas e alimentadas. Outra coisa que não cola nem com o uso daquelas Super Bonder e Araldite, de antigamente – nem sei se ainda existem esses produtos – é que as autoridades responsáveis pela segurança pública não sabiam, foram surpreendidas. Como assim, se até trataram de escoltar os terroristas até o local da ação? E o entorno do QG do Exército, então? Aquilo tinha uma estrutura complexa, como se fosse uma pequena cidade, com rotinas para abastecimento, coleta de lixo, transporte, acesso à internet, espaço para reuniões e assembleias, segurança que circulava armada e com rádios comunicadores. Entre os “moradores”, familiares de militares da ativa e da reserva conviviam com milicianos, com bobos da corte arregimentados e uma ralé indefinida.

Como sobre isso todos estamos carecas de saber, agora o foco tem que ser no que pretendiam eles com isso. Daí se faz uso de conjecturas, a não ser que as verdadeiras cabeças pensantes do golpe resolvessem falar, o que de fato dificilmente acontecerá. Particularmente, não tenho dúvida alguma de que o ideal para eles seria que se tivesse confronto. Melhor ainda se com mortes, a partir de uma hipotética reação de grupos de esquerda. Ou ainda se parte da Polícia Militar resolvesse cumprir com a sua função, ao invés de se omitir. Quanto a eventuais perdas de quem usasse o verde e amarelo do qual se apropriaram, eles teriam pouco o que lamentar. Esses, em sua imensa maioria, eram apenas bucha de canhão. Enfim, um exército de iludidos, fanatizados. Infiltrados, havia sim: entre eles mesmos, bandidos – alguns armados – com a função de jogar mais combustível sobre o fogo, se esse de algum modo acabasse aceso.

Agora, eles mesmos sabiam que essa chance de reação seria muito pequena. Então, vem o golpe de mestre que estava embutido, a mina terrestre onde esperavam o novo presidente colocasse seu pé. Diante da quebradeira geral, contavam com algum momento de falta de lucidez no qual Lula decretasse a GLO – Garantia da Lei e da Ordem. Seria perfeita essa estratégia, não estivesse ela divulgada antecipadamente e com alarde como alternativa nas redes sociais dos golpistas – juro que é a mais pura verdade: os pouco esclarecidos divulgavam abertamente o seu “plano secreto”. Imaginem: não seria Bolsonaro, aquele que tanto desejava isso, mas sim Lula a chamar o auxílio do Exército. Esse tomaria conta para não largar mais, com uma ânsia maior do que aquela que faltou para que protegesse o Palácio do Planalto, por exemplo, uma função que era sua.

O que não contavam é que a sociedade se horrorizasse com tudo o que viu na Praça dos Três Poderes e dentro dos palácios. Houve exagero na dose. Não esperavam também pela reação de Lula e Flávio Dino, decretando uma intervenção civil na segurança pública do Distrito Federal. Também não tinham previsto que Alexandre de Moraes afastasse o governador e que fosse feita, a partir de então, uma caçada implacável contra os terroristas que promoveram a destruição. Pior: que a partir da prisão de um grande número deles, o passo seguinte fosse ir na busca dos que incentivaram e patrocinaram a tentativa de golpe. As Forças Armadas, que esperavam terminar aquele dia ou no máximo amanhecer no dia seguinte tendo controle do governo, acabaram sofrendo uma das maiores humilhações de sua história. Os fardados levaram inclusive puxões de orelhas de organismos internacionais e dos EUA, nos quais se espelham e dos quais dependem até para ter armamento. Os donos da bola, lá do norte, ameaçaram acabar com o jogo.

Agora, precisamos citar que alguns detalhes da estruturação comprovam que as lideranças por trás do evento vergonhoso são articuladas, conhecem a história – ou tiveram apoio de quem a conhece – e nela buscaram exemplos para se organizar e repetir fatos. Podemos citar o código usado pela extrema-direita, chamando os terroristas para que participassem da “Festa de Selma”, um deboche adicional. Esse é o nome de uma cidade norte-americana, situada no Alabama, onde ocorreram três das maiores manifestações contra o racismo, promovidas pela comunidade negra daquele país, com a liderança de Martin Luther King. Existe um filme que tem Selma como título, mostrando o que lá ocorreu: as pessoas foram massacradas pela repressão. Evidente que o grosso dos participantes do atentado em Brasília não sabia disso. Porque eram e são apenas massa de manobra, boiada sem referência e sem identidade alguma, gente com cultura mínima. Mas os organizadores, esses tinham sim plena consciência e escolheram a dedo essa senha. Porque era essa a sua vontade: destruir a resistência que voltou ao poder pelo voto, arrasar com humanidade, ferir de morte a esperança. A democracia para eles é uma ofensa inaceitável.

Ainda sobre a cidade de Selma, durante a Guerra Civil Americana era naquela localidade que os racistas da Confederação Sulista depositavam o que conseguiam saquear. Estes de agora, na capital brasileira, também eram saqueadores levando tudo o que podiam, inutilizando o que não levavam e tentando destruir o que não entendem. A verdade é que a tentativa de golpe em 8 de janeiro bateu na trave, felizmente se tornando um tiro no próprio pé.

08.02.2023

P.S.: Um total de 922 pessoas envolvidas na tentativa de golpe seguem nos presídios. Outras 459 estão em liberdade provisória, usando tornozeleiras eletrônicas. Deste total de 1381, pelo menos 105 são gaúchos e gaúchas. E mais prisões irão acontecer, com certeza. O RS não é neste momento o ponto prioritário, mas se sabe que existem envolvidos sendo investigados na serra e na região dos vales.

Terroristas sendo presos na manhã seguinte à tentativa de golpe

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AINDA O GENOCÍDIO YANOMAMI

A investigação sobre o crime contra a humanidade, que foi cometido por Jair Bolsonaro e ministros seus, que trabalharam diretamente para que o povo indígena yanomami fosse dizimado, cada dia tem mais dados sobre os quais ser fundamentada. Os “indícios” se materializam de tal forma e em tamanho número, que basta um mínimo de boa vontade para que a Justiça chegue aos responsáveis. As violações ambientais, o crime de prevaricação, o desvio de verbas e a omissão de autoridades saltam aos olhos. Tudo isso foi uma constante, uma ação deliberada levada a cabo nos quatro anos do governo anterior, não tendo ocorrido apenas em Rondônia, a bem da verdade.

O jornal O Globo, por exemplo, realizou uma checagem básica feita junto ao Portal da Transparência – o que qualquer pessoa física pode acessar, sem dificuldade alguma – e descobriu bem rapidinho que uma ONG chamada Missão Caiuá, criada por evangélicos e que diz “estar a serviço do índio para a glória de Deus”, recebeu repasses de R$ 872 milhões, feitos pelo último governo. Sua sede fica em Mato Grosso do Sul. Nas redes sociais a organização afirma que cuida da saúde física e espiritual dos indígenas, contando com sete campos avançados de trabalho. Uma das três igrejas que são suas apoiadoras tem o nome de Igreja Indígena Presbiteriana no Brasil, que existiria desde 2008. Mas, aqui entre nós, os povos originários precisam que alguém lhes aponte para uma nova fé ou que respeitem a que eles têm, desde seus primórdios? E ainda custando tudo isso? Eles necessitam é de saúde, acesso à educação, comunicação e transporte, além de respeito à cultura e aos hábitos que lhes são próprios.

Voltando ao caso dos yanomamis, uma das maiores aberrações que foram encontradas mostra que boa parte dos recursos que deveriam ser destinados aos indígenas foram parar justo nas mãos de quem tem invadido e destruído a sua reserva. Como o caso de garimpeiros que constituíram empresas de transporte aéreo, com esse incentivo. Então, passaram também a decidir quem poderia ou não acessar os territórios. Agentes públicos fiscalizadores, profissionais de saúde, sociólogos, jornalistas e antropólogos, por exemplo, começaram a ser barrados. Seis unidades básicas de saúde fecharam por falta de pessoal, de gestão e pelo medo.

Esses mesmos grupos começaram a controlar o alimento disponibilizado para os nativos, que chegavam em quantidades cada vez menores e por preços exorbitantes. Deste modo, além de entrarem as incontáveis doenças que os invasores traziam, também passou a morar lá dentro a fome. Com a floresta sendo derrubada, sumia a chance da caça; com as águas sendo contaminadas por mercúrio, desapareciam os peixes. Ou eles eram pescados trazendo consigo o veneno nas entranhas.

Enquanto isso, o então ministro da Justiça, Anderson Torres, que agora está preso devido aos atos terroristas ocorridos em Brasília, no dia 08 de janeiro, concedia debochadamente medalhas do Mérito Indigenista para membros do governo do qual fazia parte. Receberam indevidamente a honraria Jair Bolsonaro e os ministros Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Tereza Cristina (Agricultura) e o general Braga Netto (Defesa). Essa condecoração, que existe desde 1972, foi criada para agraciar pessoas que se destacam pelos trabalhos de proteção e de promoção dos povos indígenas brasileiros.

O então vice-presidente, um outro fardado, general Hamilton Mourão, ocupava a presidência do Conselho Nacional da Amazônia. Em tese, seria de sua responsabilidade a apresentação de planos e políticas para toda a região. Estava sentado na cadeira desde abril de 2020, tendo ampliado enormemente a participação de militares no órgão, ao mesmo tempo em que restringia a atuação e sequer aconselhamentos que vinham de técnicos do Ibama e da Funai. Nenhum projeto relevante foi gestado nesse tempo todo. Isso até quando faltavam apenas duas semanas para o governo se despedir da mamata. Foi quando ele divulgou o Nossa Amazônia – que ninguém critique o nome, pois ela estava mesmo à disposição apenas do grupo que os apoiavam. Estava se tornando uma propriedade privada.

A Folha de São Paulo, ao noticiar o surpreendente feito no apagar das luzes, foi contundente na apreciação: “se trata de uma coleção de frases e ideias genéricas, com propostas que representam o contrário do que fez o governo Bolsonaro ao longo de quatro anos”. Nesses papéis ficaram as digitais do agora senador pelo Rio Grande do Sul, com eles estando sujos de sangue. Dos indígenas, evidente. Nenhuma gota dos garimpeiros ilegais, dos grileiros, desmatadores, contrabandistas e toda a gama de bandidos que passaram a habitar sem quaisquer dificuldades aquela terra, que virou de ninguém. Foi essa impunidade, por exemplo, que matou o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira.

Apenas a pronta reação do governo Lula está conseguindo estancar o genocídio. Foi decretada Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, criando-se um comitê para gerenciar a crise. Cestas básicas e suplementos alimentares para as crianças desnutridas foram de imediato disponibilizadas. Uma Força Nacional do SUS, com 13 profissionais, passou a agir, com outros oito sendo depois deslocados. E um Hospital de Campanha da Aeronáutica, que estava no Rio de Janeiro, foi levado para Boa Vista. Estas e várias outras iniciativas são louváveis e terão continuidade. O trabalho das ministras Nísia Trindade (Saúde) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas) está sendo exemplar. Mas precisamos também exigir a remoção dos invasores, mesmo que seja necessário fazer uso de contingentes das Forças Armadas. E também que haja a responsabilização e a punição de todos os envolvidos neste quadro de horror que lá foi constatado. É sem anistia, com o rigor da lei sendo aplicado. Devemos isso não apenas aos sobreviventes, mas a todos os que foram massacrados; para as 570 crianças que por lá morreram; e para mostrar que a Nação brasileira não concorda com essa postura fascista de menosprezo à vida e à dignidade das pessoas.

P.S.: Em 2021 Bolsonaro esteve visitando uma área de garimpo ilegal, dentro da terra indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima. Participou de uma confraternização com os invasores, a quem prometeu apoio. Ele pagou as despesas da festa usando o cartão corporativo, conforme foi confirmado a partir da quebra do seu sigilo de cem anos. Custou R$ 163 mil aos cofres públicos.

Também em 2021, uma empresa ligada ao filho O4 (Renan Bolsonaro), recebeu do Governo Federal, no prazo recorde de dois dias, licenças para mineração em vários pontos do país. As áreas juntas somam um total de 6.868,85 hectares. A organização doou para Renan um carro elétrico, estando a situação agora sob investigação da Polícia Federal.

27.01.2023

Precário e estarrecedor: esse é o estado de saúde com a qual a população yanomami foi encontrada

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Depois, tem o bônus musical: Cio da Terra, canção composta por Milton Nascimento (que a canta neste áudio), com letra de Chico Buarque.

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