MINHA HISTÓRIA COM O CINEMA

Na minha pequena cidade natal, Bom Jesus, a primeira tentativa de projetar um filme ocorreu em uma velha casa de madeira, localizada na esquina das atuais ruas Borges de Medeiros e Júlio de Castilhos. Isso foi em 1911, quando a localidade era ainda uma vila. Aparelho de projeção e filme – não há registros de qual tenha sido – foram trazidos pela firma Oliveira e Luz. Na vizinha Vacaria, nos anos 1920, começou a funcionar o Cine Teatro Lyra, de Carlos Haroldo Schereschewsky. Os filmes mudos eram acompanhados por um grupo musical contratado, que tocava durante as apresentações. Na mesma época, outra vez em Bom Jesus, a Intendência Municipal cobrou 335 mil réis para permitir o funcionamento permanente de um cinema local, de propriedade de Horácio Camargo. A aparelhagem era manual porque ainda não havia energia elétrica por lá. Mas algumas vezes um motor de automóvel era usado para que ela funcionasse. O problema era o ruído excessivo, que prejudicava o acompanhamento musical. A iluminação era feita com carbureto.

Em abril de 1928 o cinema bonjesuense passa a ser propriedade de José Pereira Dutra e Osvaldo Vieira de Camargo. Os novos donos promovem melhorias e passam a oferecer sessões regulares todos os sábados e domingos. No mesmo ano, em setembro, ele é assumido pela empresa Dutra – De Boni & Cia, que coloca poltronas confortáveis e o batiza com o nome de Central. Nos anos seguintes aconteceram novas mudanças de local e de nome: chamou-se Gaúcho e depois Guarani. E Francisco Spinelli passou a ser um dos donos.

Depois de ficar outra vez sem uma sala de cinema, por vários anos, os padres capuchinhos passaram a utilizar um projetor de 16mm e projetar filmes no Salão Paroquial, em 1960. Dois anos mais tarde, a mesma estrutura foi base para a instalação do Cine Glória, com mais conforto. Seu nome posterior foi Realengo, rebatizado depois de alterações na estrutura. Então, Alberto José Boschi e alguns sócios, abriram o Cinema Saionara. Esse eu conheci ainda criança e foi lá que passei muitas das minhas tardes de domingos, em sessões duplas. Meu pai dava dinheiro suficiente para que eu e minha irmã Maria Helena pudéssemos comprar, além dos dois ingressos, generosas quantidades de balas e de pipocas. Ali conheci heróis que se moviam, que iam além das figuras estáticas dos gibis. Se por um lado isso puxava menos pela imaginação, por já vir pronta a ação, por outro nos permitia viver mais intensamente a história.

Quando fui morar em Caxias do Sul, no final dos anos 1960, o hábito de ir ao cinema já tinha sido adquirido. Então, me revezava em sessões no Cine Guarani, Cinema Central, Cine Imperial e Cine Teatro Ópera. Eram quatro as possibilidades e, pela primeira vez, era possível escolher o que ver na programação oferecida. Uma maravilha! Também na mesma época eu comecei a colecionar gibis, sendo que antes das matinês era comum que a gurizada levasse exemplares para trocar. A calçada ficava cheia e sempre se conseguia trazer ao menos um para ler em casa, depois das sessões. Isso me ajudava um pouco, porque era um período de “vacas magras” e pagar o ingresso já era um sacrifício para a família, imagina então estar comprando as revistinhas.

A partir de 1972, morador de Porto Alegre, foi ampliada ainda mais a possibilidade de escolha: Astor, Cacique, Marrocos, Presidente, Scala, Lido, Baltimore… Na Capital o cinema começara na virada do Século XIX para o Século XX. Quatro meses depois da novidade chegar ao nosso país, ocorreu em novembro de 1896, na Rua da Praia – cujo nome depois foi alterado inexplicavelmente para Rua dos Andradas – uma exibição de “photographias animadas”, como se chamavam os filmes na época. Alice Dubina Trusz, em seu livro Entre Lanternas Mágicas e Cinematógrafos, refere também que a primeira sala permanente para projeções foi o Recreio Ideal, inaugurado em maio de 1908. Houve até uma pré-estreia para a imprensa, abrindo para o público apenas no dia seguinte. E eram dois os preços dos ingressos, conforme a escolha das acomodações de primeira ou segunda classe. Os espetáculos eram sempre noturnos, entre 18h30 e 23 horas.

Hoje sou colecionador de DVDs e discos Blu ray, tenho TV por assinatura e serviços de streaming à disposição. Mas continuo acreditando que não há nada melhor do que ver as projeções nas telas grandes. Agora existe o ar condicionado e um grande nível de segurança. E o ambiente que a sala oferece imprime outro nível de percepção ao filme. O som especial, o ambiente escuro, a atenção maior e sem distrações. Exceto quando senta ao lado alguém que faz barulho sugando as últimas gotas do copo de refrigerante. Isso me parece pior do que o bater dos pés da gurizada, na época das matinês, nos momentos decisivos, quando finalmente os mocinhos iriam sair vitoriosos, fosse quem fosse o inimigo.

26.02.2022

O bônus de hoje é a música Love Theme (Tema de Amor), integrante da trilha sonora do filme Blade Runner, de Ridley Scott, que é um dos meus preferidos. A história é baseada no romance de Philip Dick, Os Androides Sonham Com Ovelhas Elétricas?. A trilha original foi toda composta e produzida por Vangelis.

Hoje trago duas sugestões distintas de leitura. O primeiro livro explica o que vem a ser esta “sétima arte”, tão amada em todo o mundo, explicando também suas relações com algumas outras. O segundo conta como ela se desenvolveu, com enfoques também no geográfico e no cultural. Como sempre, basta clicar sobre qualquer uma das imagens acima para ser redirecionado. Se um ou ambos os itens forem adquiridos usando esses links para acesso, o blog será comissionado.

  1. O QUE É CINEMA? – André Bazin – 448 páginas

Clássico dos clássicos entre os escritos sobre cinema, este livro é uma aula sobre a sétima arte e suas relações com fotografia, teatro e literatura, e, sobretudo, uma escola definitiva sobre o fazer crítico. A variedade de temas caros à história do cinema neste volume indica a versatilidade e a generosidade de André Bazin. Com um estilo claro e acessível, ele transita das escolas italiana e soviética ao universo do western e das pin-ups, o que fez com que, merecidamente, tenha se transformado num dos maiores críticos modernos.

Considerado um dos maiores críticos do pós-guerra, Bazin produziu a maior parte dos textos reunidos aqui no contexto dos cineclubes parisienses, entre 1945 e 1958. Fundador da revista francesa Cahiers du Cinéma, o crítico esteve na linha de frente da produção cinematográfica do período, convivendo com cineastas como os jovens Jean-Luc Godard, Eric Rohmer e François Truffaut, seu filho adotivo. Mais tarde, os cineastas dessa geração tomariam Bazin como mentor da nouvelle vague.

A presente edição reúne 36 textos de André Bazin, bem como uma apresentação e um apêndice assinado pelo crítico e professor de cinema Ismail Xavier, que dá conta da influência bazaniana na teoria e crítica de cinema em nosso país, em especial, personificada na figura de Paulo Emílio Sales Gomes.

2. HISTÓRIA DO CINEMA MUNDIAL – Franthiesco Bellerini – 320 páginas

Fruto de três anos de profundas pesquisas, História do cinema mundial traz um viés inédito para o estudo do tema: o enfoque geográfico e cultural da sétima arte. Na primeira parte do livro, Franthiesco Ballerini explica como se formaram as principais indústrias cinematográficas do mundo, como Hollywood e Bollywood. Em seguida, passeia pelos movimentos cinematográficos mais emblemáticos do planeta – como o Neorrealismo italiano e a Nouvelle Vague francesa. Na terceira parte, o autor faz uma análise do melhor cinema feito em cada continente, especificando aspectos culturais, estéticos e de linguagem.

Utilizando o didatismo que lhe é característico, Ballerini se dirige a estudantes de artes e comunicação, profissionais do cinema e do audiovisual, professores, artistas e público em geral. Na obra, o leitor também encontrará: pequenas sinopses dos filmes mais importantes; curiosidades sobre os bastidores da indústria cinematográfica; listas com os filmes essenciais; lindas fotografias que ajudam a contar a história de cada capítulo; índice onomástico composto por todas as películas citadas e por diretores, atores e produtores.