Um filósofo sul-coreano de nome Byung-Chul Han vem se destacando entre os maiores pensadores da atualidade, mas ainda não é conhecido no Brasil como mereceria. Ele defende uma tese interessante, de que estamos todos vivendo numa espécie de “sociedade do cansaço” em virtude de vários instrumentos e comportamentos que conduzem a uma “obsessão por si mesmo”. Um narcisismo levado ao extremo, que trouxe como consequência, entre outras coisas, o desaparecimento do erotismo e o surgimento da psicopolítica.
Byung-Chul afirma que estamos todos subjugados pela não-realidade das redes sociais, que levam ao desaparecimento de rituais que, por sua vez, conduzem à anulação das comunidades. Em decorrência, isso tudo estaria resumindo as pessoas a “indivíduos perdidos, sobrevivendo em sociedades doentias e cruéis”. O gatilho dessa situação seriam a hiperprodução e o hiperconsumo que, juntamente com a obsolescência programada, levam os objetos a se dissolverem. Tudo é descartável, desde as coisas até dados e informações. Os laços afetivos deixam de ser estabelecidos, inexistindo mesmo na necessidade compulsiva do compartilhamento constante de nossas ações no mundo digital.
Crítico dos excessos tecnológicos, Byung-Chul compara o smartphone com os rosários dos católicos fervorosos de antigamente. Ambos são objetos mantidos nas mãos, sendo símbolos de uma dominação que é exercida sem ser percebida pelo dominado. Hoje haveria o “amém digital”, com a pessoa sempre se confessando, independente de culpa. A diferença básica é não pedirmos mais perdão: o que se exige agora é atenção. Só que nossos registros pessoais não são mais paroquiais. Eles ganham o mundo, nos desnudando via algoritmos. O ser humano é um objeto, tanto quanto os seus desejos. Que, via de regra, sequer são dele mesmo, mas resultados de necessidades artificiais apenas criadas para a satisfação posterior.
O que ele propõe como alternativa é que o oceano de informações no qual estamos mergulhados seja enfrentado e vencido. Domesticar essas vozes permanentes seria a saída. Porque são elas que estão nos afastando da experiência do “face a face”, que no fundo se trata da verdadeira experiência, sendo as telas apenas uma representação do que de fato é o mundo. Ou era. E a ausência do mundo real é porta de entrada para a depressão, que atinge número crescente de pessoas. Segundo ele, a aspiração contemporânea é ser autêntico, diverso. E, paradoxalmente, a tentativa de sermos únicos e exclusivos nos torna iguais. Iguais e cansados, afetados até na libido.
Em recente entrevista, o filósofo citou dois livros para explicar a situação humana. O primeiro foi 1984, de George Orwell, no qual as pessoas são controladas pelo medo, pela ameaça de sofrerem o mal. O outro é Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, cuja história mostra pessoas sendo controladas pela administração do prazer, com a distribuição de uma droga chamada Soma, por parte do estado. Nós estaríamos vivendo predominantemente a segunda situação. Nosso futuro se resumiria em alimentação e jogos virtuais viciantes, ambos assegurados pelo sistema dominante. Essa perspectiva sombria, seria a reedição do que se convencionou chamar no passado de panem et circenses (pão e circo). Ela viria depois do desemprego massivo trazido pela tecnologia da informação, se tornando a vigilância necessária para conter as massas: perfeita, na medida em que serão os próprios vigiados os primeiros a acreditar que essa é a melhor coisa a ser feita. Ou seja, a dominação completa justo por se apresentar como se fosse a melhor e maior das liberdades.
Sintetizando, Byung-Chul defende que a filosofia deve se preocupar mais com o mundo real. E que, mesmo com a mais absoluta das abstrações, o foco precisa ser o hoje. O pensamento sendo ferramenta para interpretar a realidade, um instrumento para agir sobre ela, como que ele próprio tem mostrado fazer. Deste modo, concordar ou não com opiniões e posições dele é um exercício interessante, que no mínimo nos obriga a prestar mais atenção no que acontece ao nosso redor, percebendo a existência de camadas escondidas nas estruturas que nos cercam.
26.11.2021

O bônus de hoje é outra vez duplo. Primeiro temos a animação Are You Lost In The Word Like Me? (Você Está Perdido no Mundo Como Eu?, em tradução livre), de Steve Cutts. Sobre o vídeo original há uma releitura da sonorização, aplicada pelo italiano Marco Zoi, que faz parte do surrealismo pop
Depois é a vez da música Pela Internet 2, de Gilberto Gil.
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