Cerca de 4,5 milhões de negros escravizados foram trazidos para o Brasil. Isso tornou nosso país o maior território escravagista de todo o Ocidente. Hoje, apesar do constante massacre que sofre a população descendente, possuímos o maior contingente de negros fora da África. Essa constatação não abala em nada o racismo estrutural que sempre existiu por aqui. E os discriminados não são minoria: 110 milhões de brasileiros são negros ou pardos, para uma população total de 213 milhões de pessoas. Datas como o Dia Nacional da Consciência Negra, que ocorre amanhã, 20 de novembro – execução de Zumbi –, continuam sendo importantes para ao menos minimizar o problema e auxiliar no necessário resgate da história e da cultura deste povo que literalmente construiu o Brasil com suas mãos, suor e sangue.
Paradoxal é que a data foi criada primeiro no Rio Grande do Sul, que junto com Santa Catarina forma o território mais preconceituoso de todo o país, provavelmente em decorrência da forte imigração europeia que ambos os estados receberam. Isso ocorreu exatos 50 anos atrás, em 1971, quando um grupo de jovens universitários negros, na cidade de Porto Alegre, se uniu para discutir a evidente discriminação sofrida por seu povo. Essa iniciativa pioneira dos jovens, que eram liderados por Oliveira Silveira, veio a motivar uma lei estadual em 1987. Com o número 8.352 e assinada em 11 de setembro, ela instituiu o 20 de novembro como Dia Estadual da Consciência Negra. O que foi um marco histórico e exemplo para todo o Brasil.
A ideia foi disseminada pelo país em 1995, quando do tricentésimo aniversário da morte do líder Zumbi dos Palmares. O homenageado foi um símbolo da resistência dos negros escravizados que, em 1997, merecidamente acabou inscrito no livro de aço do Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília. No ano de 2003 a data entrou para o calendário escolar, passando a ser lembrada e citada como um acontecimento importante na nossa história. E em 2011, uma lei federal finalmente instituiu o Dia Nacional da Consciência Negra: a 12.519, assinada por Dilma Rousseff em 10 de novembro. Convêm lembrar que torná-lo feriado depende de leis municipais e estaduais. O que já foi feito em mais de mil municípios brasileiros.
No Brasil a população negra sofre com mortes violentas 162% mais do que os brancos. Nos últimos anos, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1% enquanto a de brancos caiu 6,8%. A imensa maioria dos encarcerados são negros. Eles têm menos oportunidades de emprego e recebem os menores salários. Na educação, o número de analfabetos negros é mais do que o dobro do que brancos. Entre os que estudam, ficam os negros menos anos nos bancos escolares. Na relação dos formados em cursos superiores, a distância de três para um apenas reduziu um pouco com a adoção do sistema de cotas. Raríssimos são os negros em postos de comando nas grandes empresas ou em cargos públicos relevantes. Nas últimas eleições para câmaras municipais, pouco mais de 5% dos candidatos eram negros e pardos. Eles têm menor assistência médica e social; residem mais longe nos centros urbanos, dependendo mais do sistema de transporte, que é precário. A expectativa de vida dos brancos chegou a 73 anos, enquanto a dos negros está em 67. A elite brasileira se esforça para apagá-los, tirar sua identidade e “embranquecer” o país. Tudo isso por conta do racismo que antes era mais disfarçado e nos últimos tempos sequer se importa de ter se tornado explícito.
O uso dos termos raça e racismo é algo relativamente novo. A partir do Século XVI raça passou a designar qualquer categoria geral existente na natureza, como aves ou peixes; de identidade histórica, como franceses ou ingleses; e ainda ancestralidade. A distinção de raças humanas só foi considerada algo aceitável no Século XIX, por sugestão de antropólogos que achavam conveniente classificar humanos segundo os seus traços fisiológicos. Quem primeiro fez isso foi Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840), um alemão que usou cor da pele para “identificar” cinco populações distintas. Eram elas caucasiana (branca), mongol (amarela), etíope (preta), americana (vermelha) e malaia (marrom). Isso causou um problema quando também passaram a associar a possibilidade de haver distinção não apenas fisiológicas – pele, cabelo, conformação craniana e estrutura óssea – como também moral. O acréscimo foi feito por alguns “pensadores”, iniciando um problema que parece não ter fim.
Essa análise, desprovida de qualquer realidade e base científica, passou a estabelecer hierarquia entre as raças. Uma obra, de certo modo fundadora dessa estupidez, foi Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas, de Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882), um diplomata francês. Foi ele que propôs a teoria da existência de uma raça nórdica pura, que chamou de ariana. O que acabou sendo fundamental para o surgimento do nazismo e do fascismo, esse mesmo que parecia morto e tem sido ressuscitado, inclusive em nosso país, onde conseguiu a proeza de brotar das urnas. Interessante é que a ciência já comprovou que, na realidade, os humanos são originários justo da África e não da Europa, que entendeu ser o berço dos puros. É importante ressaltar, também, que essas observações sobre os termos raça e racismo se referem à adoção e ao seu uso, não ao ódio que existia muito antes, sem uma conceituação precisa e muito menos uma razão lógica. Tanto que a escravidão é muito anterior. Ainda se deve ressaltar que o seu combate precisa ser constante. E que não se trata de uma luta entre negros e brancos, mas sim de negros e brancos contra o ódio que passou a ter esse nome racismo.
20.11.2021

No bônus musical de hoje, clip de Canto das Três Raças, na voz de Lígia Auter. Composto por Mauro Duarte (música) e Paulo César Pinheiro (letra), para ser samba-enredo da Portela, o que terminou não acontecendo, ele foi imortalizado depois por Clara Nunes.
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Em tempos tão sombrios, ler teus textos me trás esperança!
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A triste realidade do nosso mundo.
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