Poucas coisas são tão difíceis de explicar quanto a felicidade. Talvez porque não exista apenas um tipo, talvez porque varie muito em termos de intensidade. Mas principalmente porque no fundo nem temos muita certeza do que ela seja. Pergunte para qualquer pessoa, pergunte para si mesmo(a). Não se consegue nunca uma resposta abrangente, que seja de fato satisfatória. Conceitualmente, seria um estado de plenitude, de um profundo bem-estar. Talvez uma sensação de paz de espírito; quem sabe de realização; no mínimo de equilíbrio físico e psíquico, com o qual não há espaço para inquietude e apreensão.
É feliz quem tem saúde, afetos correspondidos. Materialmente, quem possui emprego, quem assegura para si e os seus, sem sobressaltos, a segurança de abrigo, agasalho e alimento. Quem consegue acesso à educação e lazer. Quem não enfrenta nem dívidas nem inimigos. Quem consegue passar pela vida com sabedoria, quem acumula e distribui conhecimento e experiência. Tudo isso é ser feliz, mas ser feliz pode ser muito mais do que isso. Ou quem sabe tudo isso ao mesmo tempo.
A grande questão é que ninguém de quem se tenha conhecimento, até hoje, conseguiu esse estado como algo permanente. Afinal, a felicidade é um momento. Ou vários momentos, em série ou não. Mas ela não é algo contínuo, permanente, inabalável. Viver é passar por situações boas e ruins, conhecer vitórias e derrotas, conquistas e perdas. A sabedoria budista afirma, com toda a razão, que a única coisa permanente é a própria impermanência. E se não for bem assim, provavelmente é parecido. Essa história de êxtase contínuo só existe no Céu imaginado, aquele com muitos anjos e harpas tocando o tempo todo. Mas isso seria uma forma de anestesia e não de felicidade.
Acho que a felicidade não prescinde dos infortúnios, porque precisa de um comparativo. Ela sozinha não se basta e muito menos se explica. É como a luz, que a gente só conhece porque existe também a escuridão. O riso muito frequente perde a graça, o muito constante é insano. Algo assim tipo o personagem vivido por Joaquin Phoenix, no excelente filme Coringa (2019). Aliás, em outro filme de qualidade, Patch Adams (1998), que conta a história real de Hunter Doherty, o médico quase perde seu diploma porque seus pares, na universidade, o achavam feliz demais.
O compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, em uma letra memorável, canta “felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito inda mora”, atribuindo sua perda com ao fato da amada tê-lo abandonado. Uma clara associação da felicidade com o amor, mesmo que no fundo nesse caso não correspondido. Outra coisa importante é não confundir felicidade com alegria: elas não são a mesma coisa. Alegria é contentamento ou regozijo. É júbilo causado por motivo muito evidente, assim como um gol do seu time; comemorar uma promoção; reencontrar velhos amigos. A felicidade é mais sutil. Se fossem duas irmãs, seria a mais tímida. E de uma beleza muito mais profunda.
Enfim, tentar explicar o que é a felicidade no fundo é um paradoxo, uma inutilidade. Isso porque quem a está vivendo não precisa de explicação alguma, nem perde tempo tentando fazer isso, buscando um motivo para o fato. Porque o tempo feliz é precioso demais e não deve ser de modo algum desperdiçado. E viver, nesse caso, se torna muito mais importante do que entender. Uma frase lapidar do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) esclarece melhor isso que tento dizer, para concluir. Segundo ele, “ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”. Ponto final.
06.11.2021

No bônus de hoje a música Eu Quero Ser Feliz Agora, de Oswaldo Montenegro. No clip ele está acompanhado por sua atual companheira, a flautista Madalena Sales.
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