Quando eu era um menino – por generosidade, nem me pergunte quantos anos atrás –, muitas das minhas tardes de domingo passei sentado no barranco que existia atrás da goleira dos fundos do Estádio Alfredo Jaconi, em Caxias do Sul, vendo jogos do Juventude. Não havia ainda arquibancadas naquele setor. Era na grama mesmo que se acompanhava o desenrolar das partidas, fosse torrando no sol ou se defendendo da chuva como fosse possível. Pagando uma merreca ou mesmo entrando de graça, que o pessoal da portaria às vezes permitia para a meninada do bairro, fazendo oportuna vistas grossas – nessas ocasiões sobrava grana para comprar amendoim –, fui testemunha de muitas glórias e fracassos. Mas dava ali continuidade ao amor que surgira anos antes, em outra cidade, com o mesmo nome e as mesmas cores. Em Bom Jesus, meu pai fora diretor de outro Juventude, clube social e esportivo, que ostentava como esse o verde e o branco.

Morei na cidade serrana até o ano em que uma fusão uniu os rivais Juventude e Flamengo, suspendendo os acirrados clássicos Fla-Ju e dando origem ao Caxias, preto e branco. Isso não durou muito tempo e voltaram os dois clubes a ter equipes distintas nas competições. Só que o Flamengo retomou seu endereço e suas cores grená, azul e branco, mas não o nome, tendo preferido herdar o novo. Hoje em dia acontece comigo algo impensável para a imensa maioria dos torcedores locais. Consigo gostar de ambos com a mesma intensidade, como se não tivesse sido comunicado para meu coração e meu cérebro que a fusão fora desfeita. Quero que sempre saiam vencedores, menos quando eles enfrentam o Grêmio, lógico. Num Gauchão imaginado como perfeito, seriam os dois fiéis escudeiros de um invencível tricolor da Capital. Nas pelejas entre eles, que vencesse o que estivesse mais necessitando da vitória e dos pontos ganhos com ela.

Adulto, vi o Juventude chegar e permanecer na Série A do futebol nacional por 13 felizes anos. Depois da queda lamentada, igualmente por 13 agora longos anos ele ficou longe dela. Retornou na noite da última sexta-feira. Acompanhei o jogo decisivo e a necessária vitória contra o Guarani, em Campinas, como torcedor dos velhos tempos. Na verdade, no conforto do sofá da minha sala, mas com a mesma emoção da época na qual as acomodações não tinham maciez alguma. O gol único da partida veio ainda na primeira etapa, mas depois vivi um dos lados do tempo que, no futebol, não passa igual para todos. Para o time gaúcho, se arrastava; do lado dos últimos dois postulantes à vaga, CSA e Avaí, os ponteiros corriam – o que é apenas uma imagem, porque ponteiros não têm pernas e as estruturas que marcam o passar das horas são praticamente todas digitais hoje em dia. Mas o jogo chegou ao fim, terminando também a longa espera.

Essa não foi a única partida do Juventude que eu assisti: acompanhei várias outras e algumas do Brasil, de Pelotas. Até a Série C eu vejo, quando posso. Torci muito para o Ypiranga e para o São José. Sendo sincero, pouco me importa qual seja a divisão, pois eu gosto mesmo é do futebol. Ao contrário do Neymar, que acredita ser uma espécie de Houdini, um dos maiores mágicos de todos os tempos, eu penso que a magia do jogo não ocorre necessariamente pela presença de craques e em gramados impecáveis como no Parc des Princes, em Paris, ou no Santiago Bernabéu, em Madri. Muitas vezes ela surge mais pura nos campos ralos da várzea, como uma flor rara brotando no meio do areal. O que não invalida a percepção estética que os grandes espetáculos oferecem. Evidente que também aprecio isso e muito, muito mesmo.

Enfim, essa narrativa é motivada pela comemoração da conquista relatada acima. Uma alegria infantil que me tomou a alma, apenas menor do que aquelas que a Arena tem me proporcionado, nos últimos anos. Para completar, ressalto a curiosa coincidência de terem as outras três equipes que, como o Juventude, chegam à elite do futebol nacional esse ano, também o verde como cor predominante. São elas a Chapecoense (SC), o América (MG) e o Cuiabá (MT). Não bastasse isso, menos de 24 horas depois o Palmeiras (SP), o quinto esmeraldino na sequência, derrota o Santos (SP) e conquista sua segunda Libertadores da América. Aliás, o único gol da partida foi marcado por atleta que participou de boa parte da campanha do acesso juventudista, antes de reforçar o time do Allianz Parque.

Uma sexta-feira e um sábado onde o “v”, letra inicial tanto de verde quanto de vitória, foi presença marcante. Que em breve chegue ela até todos nós como sendo o “v” de vacina. Única forma de podermos voltar aos estádios, para convivermos mais de perto com as emoções que o futebol sempre proporciona.

01.02.2021

Mascote do Esporte Clube Juventude

Considerado que a postagem de hoje está centrada em vitórias, o bônus destaca a música de Vangelis, Conquest Of Paradise (A Conquista do Paraíso). O violinista e regente holandês André Rieu, com a Orquestra Johann Strauss, são aqui mostrados em apresentação feita ao vivo na cidade de Maastricht. A gravação integra o DVD Magic of the Movies.

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