TUDO O QUE CABE EM UMA BOLSA

Encontrei uma citação interessante, que uso agora pedindo desculpas prévias por desconhecer a autoria: “a bolsa de uma mulher é como um lugar secreto, reservado apenas para quem ela deixa entrar, assim como sua mente e o coração”. Não sei se é justo atribuir apenas a elas essa condição de desejar e possuir esse espaço tão íntimo. Acredito até que isso está se tornando mais comum também entre os homens do que foi até agora. Mas há algo na frase que me ajudou a relembrar coisas e a pensar sobre a necessidade desses recantos, mesmo que não móveis, acompanhando quem os possui. Se gavetas podem ser outro exemplo, eu tenho várias. Adoro gavetas. E vez por outra me surpreendo com o que encontro nas minhas, coisas que nem lembrava que tinha.

Minha mãe uma vez, caminhando em rua do centro de Porto Alegre, teve a sua bolsa arrancada do braço por um ladrão, que sumiu na primeira esquina. Documentos são sempre um problema, devido à burocracia para se conseguir segunda via de tudo. Cartões de banco precisam ser cancelados e outros aborrecimentos sempre se seguem. Mas eu passei a brincar com ela, devido ao incidente, dizendo que o homem que ficou com a bolsa se aposentaria. Não pelos recursos financeiros e objetos de valor que teria encontrado, mas porque levaria anos para ver tudo o que tinha lá dentro. Não sobraria, portanto, tempo para que ele continuasse com sua atividade surrupiadora. Pior que não exagero: além de bloco de notas e caneta, tinha lenços, niqueleiras – ambos assim, no plural, sem se saber a razão –, clips, atilhos de borracha, cartões de visita, caderneta de endereços, lente de aumento, aspirina, batom, uma daquelas antigas caixinhas de “pó compacto”, lista de compras, bilhetes de amigas, bulas de alguns remédios, envelopes, lápis e borracha, pente, leque… Tinha até fósforos e ela nunca fumou. Eu sei disso por ter cometido a ousadia de espiar algumas vezes. Numa destas encontrei um pacote com pregos e parafusos, outro com percevejos. Juro!

Não se sabe exatamente quando surgiu o hábito de usar bolsas. Mas até nas pirâmides do Egito existem desenhos de pessoas carregando sacos pequenos, amarrados com cordões. Consta que elas eram usadas a princípio para guardar pequenas porções de alimento. Depois as necessidades foram mudando e moedas, tabaco e livros de oração, por exemplo, também ocuparam esse espaço. Na África nasceu a crença de que bolsas femininas são repletas de segredos, devido ao fato de feiticeiras sempre andarem com as suas, havendo nelas poderes sobrenaturais que não deveriam jamais ser desafiados por homens. Era fake news, mas eles sem saber disso nunca as abriam.

Eu tive um bornal – nome dado a bolsas laterais, em geral de lona, que tem uso entre militares, escoteiros e eventualmente pescadores –, fiel companheiro de todo o segundo grau e de boa parte da faculdade. Cabiam todos os meus livros e cadernos, caneta e documentos. Celulares ainda não existiam. Na volta para casa me abraçava nele e cochilava com a cabeça recostada na janela do ônibus da empresa Bianchi, que me trazia de volta para o Passo D’Areia. O coitado morreu de velho, com a alça de corda e o corpo, ambos detonados. Botaram fora sem minha autorização, mas admito que não havia outra providência a tomar.

Voltando às bolsas femininas, a moda e o mercado oferecem variados modelos, com cores, formatos e tamanhos para todos os gostos e fins. E também outras que não são para todos os bolsos. Essas têm grife, um nome próprio mesmo. Em geral são assinaturas de quem as cria. Numa pesquisa rápida, encontrei uma tal de Hermès, que existe desde 1837, tendo preços variando entre R$ 40 mil até quase R$ 1 milhão. Nessa mais cara cabem meu apartamento e o automóvel com sobras, não no espaço interno mas no valor em hipotético cheque. Também achei uma Louis Vuitton pela bagatela de R$ 898 mil. E tem Prada, Fendi, Hilde Paladino, Marc Jacobs, Judith Leiber, Lana Marks, Chanel e a grande campeã: Mouavad. Essa empresa confeccionou uma em ouro 18 quilates e incrustada com nada menos do que 4.500 diamantes. Isso fez com que o Livro dos Recordes (Guinness Books) a incluísse em sua edição de 2010 como a mais valiosa de todo o mundo, em todos os tempos. A avaliação hoje está em R$ 12 milhões. Na casa da dona dessa última, a bolsa aquela da minha mãe e o pobre do meu bornal não entrariam nem pela área de serviço.

23.02.2021

No bônus musical de hoje, Vanessa Da Mata com Bolsa de Grife, que integra o álbum Caixinha de Música. Vídeo gravado em apresentação ao vivo, no ano de 2018.