Nesta segunda-feira, dia 11 de janeiro, a direção da Ford anunciou o fechamento de suas três fábricas no Brasil. Entre elas está a de Camaçari, cidade baiana que “herdou” a unidade que inicialmente estava programada para Guaíba. Segundo a empresa norte-americana, houve decisão de agora concentrar investimentos na Argentina, o que não deixa de ser irônico, pois o vizinho país acaba de eleger um governo de esquerda. Ou seja, mais um “mantra” está sendo desmentido: o da necessidade de alinhamento ideológico para atração de recursos externos.
Na ocasião os três pedidos básicos da empresa para o governo gaúcho, explicando sem detalhar outras exigências, eram os seguintes: terreno doado e registrado em seu nome; subsídios em dinheiro público que equivaliam ao que seria gasto na construção da fábrica; e isenção fiscal de pelo menos 20 anos. Também ficaria estipulado em contrato que, se um dia a empresa fechasse a unidade, não precisaria ressarcir nada. Ou seja, todo o patrimônio continuaria sendo seu e ela poderia vender ou destinar como quisesse. Para finalizar, não assumiria compromisso em termos de previsão dos empregos que seriam gerados, nem garantiria que as vagas seriam reservadas para a população local. Ou seja, nós iríamos na realidade dar de presente uma unidade fabril para uma das maiores empresas do mundo, sacrificando capacidade de investimento em infraestrutura, por exemplo.
O governador Olívio Dutra, com o auxílio de economistas da UFRGS, fez as contas e concluiu, acertadamente, que não valeria a pena. O mesmo volume de recursos, pulverizado entre várias empresas locais menores, iria garantir a colocação de mais pessoas no mercado de trabalho, oferecendo ainda mais retorno em impostos, em curto e médio prazos. Disse que só aceitaria se fossem revistos termos do contrato, para não sacrificar dinheiro público. E foi apedrejado pela imprensa e pela oposição oportunista, que defendiam aceitação incondicional. Naquela época havia uma espécie de crença que o desenvolvimento de qualquer localidade dependia exclusivamente de ser conquistada uma montadora. E por isso o governo baiano, embarcando na canoa furada que no Guaíba – e em Guaíba – não navegou, chegou a publicar uma série de anúncios agradecendo ironicamente ao Rio Grande do Sul.
A mudança de Estado também foi resultado de uma interferência direta do então presidente, Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Com objetivos políticos, ele ofereceu ainda mais vantagens para a montadora, se essa optasse por Camaçari, o que obviamente facilitou a decisão. Por aqui, o governador Antônio Britto (PMDB), antecessor de Olívio Dutra (PT), havia antecipado valores para a empresa, que simplesmente não os devolveu. O caso foi parar na Justiça e em 2013 a Ford acabou condenada a devolver R$ 160 milhões, com a devida correção. Terminou pagando em 2016, um total de R$ 216 milhões. O fechamento das três plantas agora anunciado – Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE) – irá resultar na demissão de mais de cinco mil funcionários.
O comunicado da empresa não toca no assunto, mas essa decisão está coincidindo justo com o término do prazo das isenções que lhes foram concedidas. É provável que naquele contrato, o da Bahia, conste a desobrigação que constava no que aqui foi recusado: nada de ressarcimento, nada de abrir mão do patrimônio que recebeu de mão beijada. Agora fica mais barato e interessante para a Ford trazer de fora todos os veículos que continuará oferecendo para os brasileiros – alguns serão “descontinuados”, como a EcoSport e o Ka. E isso sem que reduza o preço final, lógico. Afinal de contas, se a fatia do bolo financeiro que corresponde ao lucro for maior, nenhum acionista reclama e todos se lambuzam. Aos nativos restará recorrer ao Senhor do Bonfim, contra o desemprego. Mas eu aposto que sem sucesso. E outro baiano, esse ainda vivo, talvez grave um vídeo dizendo que essa é mais uma “prova e expiação” pela qual estamos precisando passar. Enquanto isso, meu carro segue mais tempo na garagem do que fora dela, em função da pandemia. E é de outra marca.
12.01.2021
No bônus de hoje a música Mustang Cor de Sangue, composta por Marcos Valle nos anos 1960. Ela teve vários intérpretes ao longo do tempo, com destaque para Wilson Simonal. A versão aqui disponibilizada é com Os Paralamas do Sucesso. A letra cita dois dos carros produzidos pela Ford: o icônico Mustang e o popular Corcel.
… tudo indo pelo ralo, reflexos de um desgoverno caótico.🙄
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