MAIS DO QUE UM RELÓGIO

Um dos tantos presentes que ganhei, no último Natal, foi um relógio dado por minha filha. Mas não é um simples instrumento para que se veja a hora: ele é um guardião, um protetor com marcação severa, uma espécie de Kannemann de pulso. Conta todos os passos que dou durante o dia, me alerta se fico sentado por muito tempo, verifica a cada 30 minutos meus batimentos cardíacos, avalia a qualidade do meu sono, registra planos de exercícios em níveis de caminhada, corrida de rua, esteira, bicicleta… E faz muito mais, o que vai me obrigar a ler e reler aquele manual que o acompanha. É um recurso disciplinador de cuidados com a saúde, o que faz com que sua principal ligação com o tempo seja a de oportunizar o prolongamento da vida. O que pode permitir que eu tenha alguns natais extras com a Bibiana, razão pela qual não poderia ter havido presente melhor.

A vida sedentária é um problema epidêmico. A população em geral está se tornando cada vez mais obesa. O fast food também é um atalho para uma fast life, significando muito breve, se é que tal expressão faz algum sentido em inglês. Mas é inegável que um enorme número de pessoas está morrendo antes do que deveria e que isso se acentuou nas últimas décadas, com a mudança nos hábitos alimentares e com a tecnologia permitindo menos movimento físico. Tem tanta coisa automática que as bundas não levantam das cadeiras nem para atender um telefone, uma vez que é figura em extinção quem ainda tenha um fixo. Botões podem controlar quase tudo em casa. A tele-entrega alivia serviços domésticos. Nos automóveis, o câmbio tende a não ser mais manual e há muito os vidros abrem e fecham sem esforço algum.

O sedentarismo não leva apenas ao aumento de peso. Causa vários outros problemas, como dificuldades articulares, aumento nos níveis de colesterol e desajustes cardiovasculares, por exemplo, podendo levar a um infarto ou acidente vascular cerebral (AVC). Isso além de outros menos evidentes, como queda na qualidade do sono, no interesse sexual e nos níveis de atenção. A situação está se tornando tão grave que a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a fazer recomendações sistemáticas, alertando para a necessidade de um combate global a esse problema. A primeira proposição da OMS é quase singela, sugerindo que as pessoas ao menos se esforcem para caminhar 30 minutos a cada dia, nem que seja ao redor da quadra onde morem.

Claro que atividades mais complexas, que trazem resultados superiores, precisam de orientação médica e de um educador físico, para que sejam praticadas com maior segurança. Mas, hoje em dia há inclusive alguns programas públicos, com incentivo de prefeituras, que oferecem esse apoio e as chamadas “academias livres”. Vale muito a pena buscar informações e aproveitar essa facilidade. Também é possível recorrer ao serviço oferecido pelo SESC, por exemplo, que tem preço de fato muito acessível. E existem ainda sites que ensinam como aproveitar objetos que todos temos em casa, como sendo equipamento útil para exercícios de alongamento e fortalecimento muscular.

Depois, a questão se torna estabelecer metas realizáveis e criar o hábito. Tenho certeza que aquilo que parece um sacrifício no começo se torna algo muito agradável depois. Viciante, até. Talvez apenas menos impactante do que ganhar um presente útil e que revela o quanto a pessoa que te deu se preocupa com a tua saúde. O quanto ela valoriza tua qualidade de vida, sendo essa uma prova incontestável de um profundo querer bem.

06.01.2021

O bônus musical de hoje é Oração ao Tempo, do baiano Caetano Emanuel Viana Telles Veloso, conhecido profissionalmente apenas pelo primeiro nome e pelo último sobrenome. A composição integra o álbum Cinema Transcendental, lançado em 1979. Nessa gravação, feita em 2020, ele está acompanhado pelos filhos Moreno, Tom e Zeca.