O primeiro nasceu Cassius Marcellus Clay Jr., em 17 de janeiro de 1942. O segundo foi batizado como Michael Gerald Tyson, tendo nascido em 30 de junho de 1966. Cerca de duas décadas e meia depois, portanto. Em comum, serem ambos lutadores de boxe que alcançaram a glória de títulos mundiais e terem os dois adotado novos nomes, a partir de suas conversões ao islamismo: Muhammad Ali e Malik Abdul Aziz, nessa ordem. Fora isso, as trajetórias de ambos foram bastante diferentes.
Cassius Clay conheceu a luta através de indicação do chefe de polícia de sua cidade, Louisville, no Kentucky, quando tinha 12 anos. O policial o encontrou batendo em um ladrão adulto, que havia tentado roubar sua bicicleta, tendo então determinado que fosse treinar numa academia. Como amador ele ganhou seis títulos em seu Estado e três outros em âmbito nacional, antes de conquistar a medalha de ouro na Olimpíada de Roma, em 1960, na categoria Meio-Pesado. Três anos depois já era o dono do cinturão Peso-Pesado, campeão do mundo ao derrotar Sonny Liston. Mas teve seu título cassado e acabou preso, em 1967, ao se recusar a ir lutar, como soldado e não como boxeador, na Guerra do Vietnã. “Por que me pedem para vestir um uniforme e me deslocar 10 mil milhas e lançar bombas e balas no povo marrom do Vietnã, enquanto aqui os nossos negros são tratados como cachorros, sendo a eles negados os mais elementares direitos humanos? Não vou ajudar a assassinar e a queimar outra nação pobre, apenas para que continue a dominação dos senhores brancos sobre os povos de cor mais escura mundo afora. É hora de tais males chegarem ao fim”, explicou ele.
Com essa postura foi considerado o primeiro desportista a aliar esporte e política, o que continuou mantendo enquanto esteve nos ringues e mesmo depois, fora deles. Ele já conhecia o islamismo antes deste episódio que lhe privou da liberdade, seguindo essa convicção religiosa de modo discreto. Na prisão aprofundou seus conhecimentos com a leitura do Alcorão e tornou-se publicamente um muçulmano. Quando foi solto e reabilitado, passou a lutar como Muhammad Ali. Perdeu para Joe Frazier, mas depois recuperou seu título enfrentando George Foreman, em luta espetacular acontecida no Zaire. A seguir, perdeu para Leon Spinks e retomou dele o cinturão. Retirou-se do boxe ainda ostentando o título de campeão. Suas lutas eram um espetáculo de técnica. Um quase bailado ao redor dos adversários, antes de derrotá-los, fosse por pontos ou por nocaute.
Malik Abdul Aziz, o Mike Tyson, era massa bruta. Não que lhe faltasse de todo habilidade, mas ele simplesmente não precisava dela. Seu recurso básico era baixar o braço, sendo raros os que suportavam o impacto do seu soco. Uma montanha de músculos, com pouco cérebro. Um Hulk que não era verde nem tinha outra identidade. Ele nunca acordou depois de uma luta, como o Dr. Bruce Banner, até porque quem dormia em geral eram os seus adversários. Com uma infância realmente difícil, Michael foi para um reformatório aos 11 anos. Lá aprendeu a lutar para sobreviver. Com 13 foi descoberto pelo treinador D’Amato, sendo depois orientado por Jan Vojik. Apenas um ano mais, com ensinamentos técnicos, e foi campeão mundial olímpico Peso-Médio. Aos 20 derrotou Trevor Berbick e tornou-se o mais jovem campeão mundial Peso-Pesado da história.
Com uma vida pessoal muito complicada, perdeu toda a fortuna que acumulou com as vitórias sucessivas, em farras, maus negócios e bons advogados. Enfrentou divórcio e foi condenado a seis anos de prisão por estupro. No final de sua carreira perdeu o título para Evander Holyfield e pediu desforra logo depois. Foi quando aconteceu uma das situações mais inusitadas da história do boxe: faltando 40 segundos para o final do combate, ele mordeu e arrancou um pedaço da orelha do adversário. As equipes de apoio dos dois então se envolveram numa pancadaria que nada tinha com esporte. Dias atrás, com 54 anos, participou de uma luta de exibição, onde ainda mostrou ter força física muito grande.
Para o início de um novo ano, que se anuncia de muita luta, boxe pode ter sido um tema apropriado. E para quem gosta de pugilismo e o vê como um esporte muito superior às lutas de MMA de hoje em dia, esses dois nomes são referência. São dois lados distintos de uma mesma moeda: a elegância e a técnica de um; a selvageria e a força de outro. Talvez uma representação fiel do que seja a humanidade, que vive sujeita a regras, mas que às vezes age por puro instinto.
08.01.2021
No bônus musical de hoje, Paul Simon canta The Boxer, composta por ele em parceria com Art Garfunkel. A gravação foi feita em Paris.
A good analogy for our incredibly troubled times. Much care to you today 🤍,
CurtirCurtir