Ele é o menos conhecido de um quarteto que só tinha gênios da pintura, junto com Pablo Picasso, Salvador Dalí e Joan Miró, apesar de ser igualmente talentoso. Falo de Óscar Domínguez (1906-1957), também espanhol como os demais citados, tendo obras de todos eles classificadas como surrealistas. Aliás, esse movimento, que surgiu na primeira metade do Século XX, hoje parece estar outra vez ganhando relevância e uma nova vida. Afinal, o que pode existir de mais surreal do que esses tempos atuais?
Oscar nasceu em La Laguna, ilha de Tenerife, mas foi para Paris com apenas 21 anos, o que era comum na sua época para quem pretendia evoluir na arte. Ao longo da vida foi identificado como alguém que reunia profunda ternura com uma explosiva ferocidade. Sua existência pode ser descrita como um passeio mágico através de sonhos, invenções, poesia e excessos. Foi amigo ou ao menos conviveu com os mais proeminentes intelectuais da época. Em termos eminentemente artísticos, criou a “decalcomania” e antecipou muitos aspectos do que se condicionou chamar de “pintura informal”. Suas obras eram uma espécie de construção sem destino, incluindo o cósmico, o cálculo e também o espacialismo.
Rebelde, desde a infância se mostrava totalmente avesso a todo tipo de preconceito, tendo se desenvolvido contrário a comportamentos pré estabelecidos e normas. Na infância, uma doença convulsiva o deixou mudo por completo por bom tempo. Recuperado, talvez tenha sido essa circunstância que explique a posterior tolerância familiar para com ele. Passou a juventude jogando com primos, aproveitando as praias negras de Guayonge, correndo entre vinhedos e convivendo muito mais com a natureza do que com estudos formais e sequer livros. Tudo isso foi depois retratado em sua pintura, com a qual criou uma mitologia própria. Tenerife aparece muito nela, com cenários maravilhosos, centauros e elfos.
A arte surrealista oferece essa perspectiva, de tal forma que a expressão é das paisagens internas da pessoa, com a realidade material sendo de algum modo quebrada, retorcida, tornando normal o que de outra forma seria visto como absurdo. O acaso, com um tipo de irresponsabilidade, ganha corpo e cor, valendo mais o psicológico. Isso pode parecer um tanto chocante, para almas mais “sensíveis” – ou seria melhor chamar de óbvias? –, mas não para apreciadores da arte e questionadores do que seja de fato sanidade. Aliás, em termos de comportamento público Óscar também destoava: em eventos de gala, comparecia de smoking e com uma camisa estampada ou um avental por baixo.
Entre as obras de Óscar Domínguez estão várias pinturas às quais ele atribuiu o mesmo nome da Tauromaquia. E também La Máquina de Coser, Les Odalisques, Femme sur Divan, La Guillotine, Composición com Fondo Azul, Retrato de Roma, La Ciclista, Louva-Deus e muitas outras que merecem ser vistas. Sua produção é realmente vasta e está exposta, entre outros locais, no museu Reina Sofia, em Madrid – ele tem um acervo de mais de 23 mil obras e recebe cerca de 3,5 milhões de visitantes a cada ano. Não sendo possível se fazer presente, que ao menos a internet aproxime a curiosidade das pessoas do trabalho do artista.
Lembro dele especialmente hoje porque, enquanto eu vim ao mundo do último dia de novembro de 1957, Oscar se despediu dele no último dia de dezembro do mesmo ano. Não tenho certeza se minha chegada foi de fato voluntária, mas a partida dele infelizmente foi. E tal ato nos privou de um talento único.
26.12.2022

Acima, Óscar Domínguez. Abaixo, reprodução de sua obra Femme sur Divan

O bônus de hoje é Je Te Laisserai Des Mots, de Patrick Watson.
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