AS CINCO GUIANAS

Quando a gente fala em termos de América do Sul, parece que estamos nos referindo aos nove países de língua espanhola e ao Brasil, o único onde se fala português. E que esses dez são a totalidade do continente. Fica realmente estranho, mas é verdade que por aqui se desconhece a existência de outros três territórios, todos eles fazendo divisa conosco ao norte, que têm culturas e idiomas distintos, com colonizações que não foram nem de Portugal, nem da Espanha. Claro que quando eu uso a expressão “desconhece” não é no sentido de não saber da existência, mas de não haver intercâmbio maior. Nem no futebol isso acontece, uma vez que seus clubes e seleções não disputam nenhuma competição continental promovida pela Conmebol, mas algumas da Concacaf. Aliás, tem um time chamado Botafogo, em Georgetown; e um outro de nome Santos, em Linden, duas cidades da Guiana.

Agora, o que talvez mais gente ainda desconheça é que eram cinco as guianas, originariamente. Hoje temos a Guiana Francesa, que não é independente e sim uma região ultramarina da França, mais ao leste, com Suriname no meio (antiga Guiana Holandesa), e a Guiana (antiga Guiana Inglesa) ao oeste. Mas ainda havia outras duas, uma em cada ponta. A Guiana Portuguesa hoje é o estado brasileiro do Amapá. Já a Guiana Espanhola, depois conhecida como Bolívar, foi incorporada à Venezuela. Um mapa que mostra isso está ilustrando esse texto.

O nome “guiana” significa “terra de muitas águas”, na língua falada pelo povo Aruaque, um dos originários daquela região toda. Ela se estende, geograficamente, desde a foz do Rio Amazonas até a do Rio Orinoco. A outra etnia também relevante era a Karib, mas existiam mais. A exploração começou pelos espanhóis, ainda no Século XV. Mas foi com os holandeses que de fato se iniciou uma colonização, no Século XVII. Depois, esses cederam parte do território aos ingleses. Quanto aos franceses, esses passaram a ter uma presença durável quando colonos daquele país fundaram Caiena em 1643.

A Guiana Francesa, que faz divisa com o Amapá, chegou a ser ocupada por tropas luso-brasileiras, entre 1809 e 1817. Foi devido às Guerras Napoleônicas, que fizeram com que a Família Real Portuguesa viesse para o Brasil, em 1808, com escolta da marinha inglesa. Assim, no ano seguinte, Dom João revogou todos os tratados anteriormente assinados com a França e determinou que a Guiana Francesa fosse invadida, de modo que passasse a ser considerada parte do Império Português, com base no Tratado de Utrecht, assinado em 1713. Esse conflito apenas se resolveu em 1900, quando foi aceito que o território voltasse ao domínio francês. Na atualidade, no que o Brasil tem “contribuído” com esses vizinhos é pela presença de garimpeiros ilegais que cruzam a fronteira e estão, do mesmo modo que fazem por aqui, destruindo a floresta que eles ainda possuem e contaminando os rios. Curioso é que hoje, como se trata de uma espécie de extensão daquele país europeu, a moeda oficial que por lá circula é o Euro.

A Guiana se tornou independente da Inglaterra apenas em 1970. O país tem historicamente uma grave tensão social entre os afro-guianenses (30% da população) e os indo-guianenses (51% da população), uma vez que em dois momentos históricos foram trazidos escravos da África e trabalhadores da Índia para os substituir, depois da abolição. A economia local se baseia no extrativismo (madeira e minérios), agricultura (arroz, cana-de-açúcar, mandioca e frutas) e atividade pesqueira. Mesmo com o inglês sendo o seu idioma oficial, a maior parte da população fala um dialeto vindo do crioulo. O Brasil tem “exportado” para eles pastores pentecostais, já se estimando que 22% da população está seguindo esse ramo do cristianismo, quase alcançando em percentual os hinduístas, que são 25%.

O Suriname, que em extensão territorial é o menor país da América do Sul, separou-se da Holanda em 1975. Seu nome é derivado do que identifica um povo indígena que originalmente habitava a região, chamado Surinen. Essa é a única nação soberana existente fora da Europa onde o neerlandês é falado oficialmente pela maioria da população. Mas o mesmo dialeto que é comum na Guiana também é adotado por parte dos habitantes. Um último detalhe a ser acrescentado é que foi o país das Américas Central e do Sul onde mais tarde ocorreu um golpe militar, um mal que por aqui é mais do que comum. Foi na década de 1980. E por lá também houve uma guerra civil, entre 1986 e 1992.

Essas minhas observações com certeza estão contribuindo muito pouco para que se conheça melhor esses vizinhos do norte. Mas, quem sabe não se tornem motivo para que a curiosidade motive os leitores para que busquem saber mais? Ao menos seria uma aproximação sem se subir tanto no mapa, quanto até alguns dias atrás era visto como a única que merecia ser considerada.  

22.02.2023

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Depois temos o bônus de hoje, que é um clipe da música Guyana, com Poonam Singh. Nascida em Georgetown, em 19 de fevereiro de 1995, ela é uma estrela naquele país. A canção foi composta quando o 50º Aniversário de Independência da Guiana estava sendo comemorado.

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O BATEAU E A IMPUNIDADE

Noite de 31 de dezembro de 1988. A embarcação de turismo Bateau Mouche IV seguia em direção à Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, levando a bordo 142 passageiros que pretendiam ver a queima de fogos programada para a virada do ano. Quando faltam dez minutos para o início do evento pirotécnico, devido à superlotação e ao mau estado de conservação, afundou causando a morte de 55 dos seus ocupantes. O fato ocorreu entre a Ilha de Cotunduba e o Morro da Urca. Sendo mais preciso, ocorreu em frente à ponta sul da boca da enseada da Praia Vermelha.

A embarcação tinha sido construída em Fortaleza, no Ceará, 18 anos antes. Mas, originalmente, era um barco de pesca batizado de Kamaloka. Depois foi submetida a uma série de modificações, uma delas para que fosse acrescido um terraço suplementar. Também contribuiu o fato de duas caixas d’água terem sido postas no teto da embarcação e o piso do convés superior, que era de madeira, ter sido substituído por um de concreto. Outro dos motivos que propiciaram as condições para que adernasse, ao ser atingido por uma onda mais forte, foi os passageiros se deslocarem todos para o lado boreste, buscando posição melhor para ver a queima de fogos. Mas ainda houve outro agravante: com o excesso de peso as escotilhas ficaram abaixo do nível do mar, o que alagou os compartimentos inferiores. E as bombas de esgotamento não funcionavam perfeitamente.

O número de vítimas só não foi muito maior devido ao fato de a traineira Evelyn Maurício ter cruzado com o Bateau Mouche IV no momento no qual ocorria a tragédia. Vinha de Niterói com cinco pescadores e as suas famílias. Eles pararam e jogaram bóias, cabos e cordas, recolhendo mais de 30 pessoas. Outros tantos conseguiram sobreviver graças a alguns poucos coletes, por saberem nadar e devido ao socorro que foi chegando depois do alerta dado. O caso teve enorme repercussão em todo o país, com ampla cobertura também do inquérito que foi instaurado e de suas conclusões. A primeira questão é que o licenciamento permitia que fossem transportadas apenas 62 pessoas, não tendo sido essa a única irregularidade constatada pelas autoridades competentes, incluindo a Capitania dos Portos.

A atriz contratada pela Rede Globo, Yara Amaral, que estava com 52 anos, foi uma das vítimas fatais. Ela tinha uma trajetória profissional vitoriosa, tendo estudado na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo. Esteve em espetáculos que marcaram época no Teatro de Arena e no Teatro Oficina. Fez trinta peças e ganhou três Prêmios Moliére como melhor atriz, trabalhando ao lado de nomes como Sérgio Mamberti e Gianfrancesco Guarnieri. No cinema esteve em O Rei da Noite, de Hector Babenco, além de A Dama do Lotação, Mulher Objeto e Leila Diniz, entre outros. Telenovelas fez uma na TV Tupi e pelo menos outras oito na Globo, como Dancin’ Days, Guerra dos Sexos e O Amor é Nosso.

A empresa Bateau Mouche Rio Turismo e seus sócios majoritários foram responsabilizados. Dois deles eram os espanhóis Faustino Puertas Vidal e Avelino Rivera, havendo ainda o português Álvaro Costa. Julgados, foram todos condenados por uma série de homicídios culposos, além de sonegação fiscal e formação de quadrilha. Mas a pena, pasmem vocês, foi de quatro anos de prisão em regime semiaberto. Eles apenas tinham a obrigação de dormir na prisão. Isso foi em maio de 1993, mas no mês de fevereiro do ano seguinte os três fugiram para a Espanha, ficando impunes. Nunca mais foram presos. Também nada aconteceu com os militares da Marinha que haviam emitido licenças sem vistoria. Todas as provas contra eles foram desconsideradas e acabaram inocentados do crime de corrupção.

30.12.2022

Yara Amaral, na novela Dancin’ Days

O bônus musical de hoje é duplo, com dois áudios. Primeiro temos Goma-Laca, com Vou Vender Meu Barco. Depois é a vez de Serena Assunção, com Iemanjá.

Vou Vender Meu Barco, com Goma-Laca

Iemanjá, com Serena Assunção

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