O VELHO DISCURSO DE SER NOVO
Cada vez que alguém usa expressão semelhante, me lembro de Marina Silva. Nem acredito que ela tenha sido a primeira a fazer uso, mas ficou marcado na minha memória tanto aquele tom de voz como também os gestos que tentava acrescentar e o contraste das palavras com sua postura bastante conservadora. Ela era a “nova política”, isso em 2010. Quatro e oito anos depois ela tentou outras duas vezes alcançar a presidência da República, todas as três sem sucesso. Mas sempre buscando vender a imagem de que não tinha nenhuma relação com o que estava vigente, com o “velho”. Seria a atualização, o rumo diverso, a alternativa para todo e qualquer descontentamento.
Vestir o manto da novidade se torna uma alternativa fácil e que, por incrível que pareça, segue rendendo algum resultado positivo. Sempre tem alguém insatisfeito com o andamento das coisas e, como a maioria das pessoas não se debruça em análise que busque as verdadeiras razões dos problemas, lhes parece que basta optar por algo “novo” e tudo será resolvido, num passe de mágica. Por novo aqui entenda-se apenas diferente, que está longe de significar melhor. O discurso ainda tem seu poder sedutor, embora ele tenha perdido muito do seu encanto. E segue falso, mentiroso. Nada é mais velho do que declarar-se novo.
A tática de se apresentar como novidade tem sido usada por muito empresário disposto a ingressar pessoalmente nas disputas, ao invés de ficar apenas patrocinando terceiros; por subcelebridades em geral; assim como “influenciadores”, que são os nomes do momento, uma vez que têm potencial em função do número de seguidores. Praticamente todos os integrantes desses grupos fazem isso. Essa tática é o passo seguinte ao de desacreditar a política, seguido à risca nos últimos anos pelos meios de comunicação. Isso é uma embalagem, um layout que repagina o de sempre. A mesma porcaria de conteúdo, com uma capa atraente, que coloca como manchete aquilo que os incautos querem ler.
Sob o manto da novidade estão lá, disponíveis a quem quiser prestar atenção, o velho fisiologismo, o personalismo, a centralização de todas as decisões, a democracia aparente. Só que a grande questão da política não pode estar centrada na idade, seja ela da pessoa ou de um período qualquer. O que deve valer é a força das propostas e das ideias. O fator tempo é vazio para ser levado em conta isoladamente. Até porque assim como existem novidades que não prestam, também existem muitas formulações antigas que sequer foram de fato testadas, permanecendo como sonhos. As inovações são sempre bem vindas, mas é falacioso achar que o velho não já não vale nada e o novo seja sempre o salvador.
Temos até um partido político que, não contente em apresentar mais uma candidatura “nova”, adotou como seu nome essa “tendência”. Isso que foi fundado por pessoas ligadas a um dos maiores bancos existentes em nosso país e passou a usar até mesmo as cores da instituição financeira. Uma novidade de décadas e totalmente dissociada dos reais interesses da população. E o mais recente “incensado” que chegou ao poder, por outro partido criado sem qualquer base histórica e popular, tinha pessoalmente três décadas de mesmice pior do que inócua, danosa. Todos nós sabemos o desastre que está resultando disso.
Em termos de presidência é quase impossível, desta feita, que funcione o cair do céu algo “novo”. Não há nem tempo hábil nem clima para que se estabeleça a tal Terceira Via. Dois candidatos estão consolidados como as alternativas de escolha. Mas tal recurso pode aparecer – e muito – entre os que pretendem ocupar lugar no Legislativo, que é estratégico para a governabilidade posterior. Portanto, toda a atenção se faz necessária na hora de votar. Outubro se aproxima, mas depois serão quatro longos anos na reconstrução.
08.06.2022

O bônus de hoje é a música A Novidade, de Gilberto Gil. Com ele, no clipe, estão Ivete Sangalo e Caetano Veloso.