Fiquei me coçando desde a quinta-feira passada, louco de vontade de meter o meu bedelho e comentar o fato do presidente da República, que nunca se mostrou pessoa afeita ao trabalho, ter literalmente dado plantão em um feriado nacional, unicamente para assinar um indulto intempestivo e mais do que impróprio, tentando livrar previamente um marginal de cumprir pena determinada pela Justiça. Aguentei um tempinho, mas me dobrei ao desejo original, que era intenso. Foi assim como faço diante de um brownie de chocolate com sorvete de creme, quando a resistência também é inútil. A diferença é que esse assunto de agora é amargo.
A essa altura, qualquer pessoa razoavelmente bem informada sabe em detalhes o que ocorreu. Mas, vamos lá, fazer uma breve recapitulação dos acontecimentos. Daniel Lúcio da Silveira é um ex-policial militar do Rio de Janeiro, alguém de vida totalmente obscura e irrelevante, até que ingressou na política, motivado pelo crescimento da ideologia de extrema direita que levou o atual presidente da República ao poder. Suspeito de integrar milícia na capital carioca, o fato que marcou sua campanha foi quebrar uma placa que homenageava a vereadora Marielle Franco, que fora eleita pelo PSol e acabou sendo assassinada a tiros, junto com seu motorista, em atentado com possível motivação política. Terminou sendo eleito pelo PSL, com 31 mil votos – hoje está no Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB. Homem violento e professor de muay thai, não raras vezes teve seu nome associado a ameaças contra pessoas. Nos últimos tempos se destacava pelo discurso de ódio, principal marca da sua atuação parlamentar.
Uma análise da sua ficha funcional durante o tempo em que esteve na Polícia Militar – ele não obteve aprovação final no concurso e ingressou graças a um recurso judicial – mostra que teve várias punições. Entre estas foram 54 detenções e 26 dias de prisão, por mau comportamento. Na Câmara de Vereadores, em pouco mais de dois anos ocorreram fatos semelhantes, com sérios problemas de natureza ético-disciplinar. Consta, por exemplo, na relação dos investigados pela CPI Mista das Fake News, que busca apuração de forte esquema de disseminação de notícias falsas. Num segundo inquérito, a investigação recaia sobre financiamento e promoções de atos nos quais eram pedidas a intervenção militar no país e o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
Antes de ser militar, fora cobrador de ônibus. Naquele tempo, esteve também envolvido em casos de falsificação de atestados médicos. Já parlamentar, invadiu um colégio público para fazer uma “vistoria” e bateu boca com professores afirmando que um menino negro de oito anos, fora morto por policiais porque se tratava de um bandido. Em 2019 se ofereceu ao deputado Eduardo Bolsonaro para ser o cabo que iria com um soldado fechar o STF. E extrapolou todos os limites ao postar no ano passado vídeo com ofensas e ameaças aos ministros, no qual também pedia a reedição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), um dos instrumentos mais extremos do período da Ditadura Militar.
Acabou preso por isso. Tempos depois, com a prisão relaxada, precisou usar tornozeleira eletrônica e obedecer a algumas determinações sobre comportamento e locais que não poderia frequentar. Desobedeceu e teve nova ordem de prisão. Se escondeu na Câmara dos Deputados, na tentativa de impedir a condução por parte da polícia. Também esteve, dias atrás, envolvido numa briga que terminou com agressão contra dono de um restaurante. Agora julgado, acabou condenado a mais de oito anos de prisão, multa e perda dos direitos políticos. Foi quando entrou em ação o seu ídolo e mentor, decretando indulto para o “bom menino”.
O ato de Jair Bolsonaro, praticado para proteger este seu correligionário, vai muito além de ser uma afronta ao Poder Judiciário e ao Estado Democrático de Direito. Ele representa um crime de responsabilidade, uma vez que praticado em claro desvio de sua função e de forma arbitrária. Em tese, poderia ainda ensejar novas solicitações de abertura de processo de impeachment, não fosse o presidente da Câmara dos Deputados um aliado que já está sentado sobre quase 150 outros pedidos semelhantes. Na verdade, ele é inclusive ilegal, porque se trata de um desvio de finalidade, viola os critérios de motivos determinantes e o rito da Lei 7210/84. Também é imoral, porque está sendo feito apenas para proteger um indivíduo que reiteradamente cometeu abusos e crimes.
Ainda mais: se trata de forçar a barra contra as instituições e a própria Constituição, sendo mais uma das testagens que Jair Bolsonaro vem fazendo, numa espécie de “pré-golpe”, servindo também de estratégia para motivar seus seguidores. Isso também está servindo de cortina de fumaça, para que a atenção seja desviada de assuntos mais relevantes e que dizem respeito diretamente ao dia-a-dia da população. Como a volta da inflação desenfreada, que engole o já combalido poder de compra das pessoas.
É importante ressaltar-se aqui que a graça – uma forma de indulto individual – que foi concedida é um poder discricionário não absoluto. Ou seja, tem que estar rigorosamente dentro dos parâmetros estabelecidos pela própria Constituição que o permite. Isso já foi alvo inclusive de uma ação direta de inconstitucionalidade sobre um decreto do mesmo Jair Bolsonaro, que havia concedido indulto para condenados por diversos crimes, inclusive corrupção, em 2019. A decisão não pode ferir, por exemplo, a impessoalidade da gestão pública, ou seja, colocar algum interesse pessoal à frente dos republicanos. Não pode ser usado para defender seus familiares e amigos, como também não pode ser mais um instrumento para que o atual presidente dê continuidade ao seu projeto de destruição democrática. Outro detalhe estarrecedor é que tal reação presidencial se deu antes do condenado começar a cumprir a pena. Ou seja, trata-se da primeira vez na história que ocorreu um “perdão prévio”, antes que sequer um dia da pena fosse cumprido.
Vários partidos políticos, assim como inúmeras instituições da sociedade civil organizada, reagiram de imediato. Existem pedidos para que ocorra nova decisão do Supremo – que por enquanto guarda rigoroso silêncio, desde a afronta –, tornando sem efeito o documento presidencial. Mas o confronto está agora declarado, entre o Executivo e o Judiciário. E nós, simples mortais, aguardamos ansiosamente pelos próximos acontecimentos.
25.04.2022

O bônus de hoje é Tô Feliz (Matei o Presidente) 2, música de Gabriel O Pensador. Ele já havia escrito uma letra semelhante, 25 anos atrás, quando era um jovem rapper de apenas 18 anos. Aquela primeira canção fez enorme sucesso, em período no qual o país vivia o impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo. Obviamente ela foi proibida de tocar nas emissoras de rádio, fato que marcou o início de uma carreira exitosa.
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