Hoje meu pai, se estivesse vivo, estaria completando 103 anos. Ou seja, dificilmente ainda estaria entre nós, mesmo que não tivesse sido vitimado tão cedo por um acidente vascular cerebral. Mas, quando me dou conta disso, de que mais de um século da existência dele já teria se passado, percebo com mais clareza o quanto o tempo escoa, nos marca e domina. Ele tem pleno controle sobre as nossas vidas, que seguem em frente de um modo inexorável, pouco importando como as estejamos encarando. No fundo, só levamos e deixamos histórias e saudades.
Essas datas inteiras importam também por serem, além de referência, uma espécie de acelerador de recordações. Nem sempre todas são boas, mas em geral lembramos daquelas que foram mais afetivamente marcantes. O próprio dia da partida, por exemplo, que nada tem de agradável e, no entanto, fica marcado como ferro em brasa no couro. Mas afloram também os exemplos, os conselhos, as manifestações de apoio e de confiança. Todo pai deveria ser como aqueles antigos funcionários dos cinemas, que chamávamos de “lanterninhas”. Eles tinham a função de acompanhar para alguma poltrona vazia todos os retardatários – elas não eram numeradas, antigamente. Mesmo que os pais não possam acender todas as luzes, os melhores iluminam os nossos caminhos da melhor forma possível. E tentam de alguma forma nos conduzir em segurança.
A paternidade mudou muito desde que eu nasci. Mudou também depois que nasceu a minha filha, mais de três décadas depois. Provavelmente siga sofrendo alterações com o decorrer do tempo, espero que todas para melhor. Meu pai certamente foi menos carinhoso comigo do que eu fui com meus dois filhos – e sigo tentando ser com a Bibiana. Também sofreram alterações profundas a participação e as responsabilidades. Acho que eu não teria sido melhor do que ele, se tivesse sido pai no seu tempo e não no meu. Provavelmente eu repetisse os mesmos erros e alguns dos seus acertos. E tomara que deixasse nos meus filhos falta semelhante a que ele me faz.
Falando em novos tempos, hoje em dia temos inclusive um conceito novo, que é o da parentalidade. Ele designa uma série de atos, de modo de ser e de viver os papéis de mãe e de pai. A psicologia vai além e inclui avós, tios e quaisquer outras pessoas que vivam uma relação de proximidade e responsabilidade com a criança, sendo importantes e influentes nas suas vidas. O que não se refere apenas a fatores que sejam positivos, uma vez que são vários os estilos que podem vir a ser assumidos pela parentalidade. Existem os autoritários, os permissivos, aqueles que se tornam protetores em demasia, os democráticos e outros tantos. Ou seja, eles são apoio, mas também podem ser fator de geração de conflitos e de problemas. A parentalidade positiva preconiza o diálogo, a não-violência, o respeito mútuo e o entendimento que, antes de serem apenas filhos, as crianças e adolescentes são seres humanos.
Com o meu pai não havia tanto diálogo quanto eu gostaria, revendo o passado com o olhar de agora. Mas era adequado, considerando-se a época em que se vivia. E sempre existiu a atenção, o cuidado, a confiança e o respeito mútuo. Se qualidades eu tenho, com certeza devo muito ao que trouxe comigo daquele período de convivência com ele e com a minha mãe. Os defeitos que acumulei, prefiro dizer que foram obra minha mesmo. E que tento resolver com maior dedicação e afinco, desde que troquei de lado no “balcão” e me tornei pai. Não fiz isso muito antes, mas concluo hoje pedindo sua benção, Seu Walter. Onde quer que o senhor esteja.
19.04.2022

O bônus de hoje é a música Pai, de Fábio Júnior.
DICA DE LEITURA
COMO CRIAR UM ADULTO: liberte-se da armadilha da superproteção e prepare seu filho para o sucesso (Julie Lythcott-Haims, 416 páginas)
Assunto recorrente entre educadores e psicólogos e cada vez mais frequente na imprensa e nas redes sociais, o excesso de proteção e interferência dos pais na vida dos filhos está criando uma geração cada vez menos preparada para lidar com os desafios da vida adulta. São jovens que chegam às universidades, mas não têm o controle de sua vida acadêmica; que chegam ao mercado de trabalho, mas não conseguem se ajustar às exigências e dificuldades que a vida profissional exige, para além da competência técnica. Muito provavelmente são filhos de “pais-helicóptero”, que estão sempre voando baixinho e prontos para pousar e prestar socorro ao menor sinal de problema. Decana de calouros da Universidade de Stanford, Julie Lythcott-Haims reflete, em COMO CRIAR UM ADULTO, sobre as angústias que levam os pais a esse tipo de postura e apresenta estratégias que os ajudam a entender a importância de permitir aos filhos cometer seus próprios erros para que se tornem adultos plenos.
Clique sobre a imagem da capa acima e você será redirecionado para a possibilidade de aquisição do livro. Se a compra for feita através desse link, o blog será comissionado.
Que linda homenagem. Resgatar a memória dos pais nas suas belezas e dificuldades é um doce exercício de reconciliação.
CurtirCurtir
Agradeço pela sensibilidade da tua observação e comentário.
CurtirCurtir