O termo “espírito de corpo” é atribuído, enquanto origem, às forças armadas. Não existe plena convicção sobre isso ser verdade, mas a hipótese é bastante provável. Seria a forma como seus membros são preparados; um sistema para ser uma notável forma de sobrevivência em momentos extremos, como os vividos durante uma guerra. Mas ele extrapola em muito isso. Pode ser conceituado como um conjunto de ideias, atitudes, interesses, tradições e aspirações de determinado grupo. Uma forma de coesão, para que sejam superadas as diferenças individuais, no aspecto interno; e com maior razão ainda as adversidades externas, tudo como forma de assegurar permanência e busca de objetivos comuns.
Não é por outra razão que se chamam de “corporações” vários outros tipos de organizações. Do mesmo modo que se acusa de “corporativista” quem leva em consideração muito mais o lado interno do que, muitas vezes, a própria razão de ser da estrutura. O “espírito de corpo” é uma mensagem poderosa. Mas, se for preciso simplificar a explicação da sua essência, se trata de trabalho em equipe. Só que vendo essa ação conjunta como se fosse o funcionamento de um corpo humano, por exemplo. Idealmente, seria uma integração absoluta, com a premissa da complementaridade e da precisão.
A expressão idiomática “espírito de porco” é usada para designar ou referir aquela pessoa inconveniente, que semeia a cizânia, que está sempre pronta para estragar a alegria dos demais, vendo tudo pelo aspecto negativo. Ou, mesmo que não veja, criando o clima necessário para que os outros vejam assim. Ele drena os bons momentos, é o “estraga prazeres”. Quem está sempre a postos para complicar as situações mais simples e criar contrariedades ou constrangimentos. E você fica em dúvida se isso é deliberado ou não, mesmo reconhecendo a sua enorme capacidade de ter sucesso nessa empreitada cruel e ácida.
Agora, por que foi escolhido o porco como animal a simbolizar essa ação maldosa? Estudiosos apontam a possibilidade desta visão associativa ter surgido ainda no Brasil Colônia. Os africanos escravizados eram “pau pra toda obra”, mas tinham horror ao trabalho de abater porcos. Uma das suas crenças, trazidas da África, afirmava que os espíritos dos suínos voltavam para atormentar seus algozes, durante as madrugadas. Assim, o pobre mamífero criado e sacrificado para alimentar as pessoas, ainda ganhava essa pecha negativa adicional.
Contra essa possibilidade de origem, levantam-se vozes que citam existir em outros lugares no mundo o mesmo uso pejorativo. Em determinados períodos da história surgiram várias expressões como “porco capitalista”, “porco comunista” e “porco chauvinista”. E podemos lembrar, também, que no livro A Revolução dos Bichos, o escritor britânico George Orwell designou aos porcos o papel de vilões, aqueles que oprimiam os demais animais da fazenda imaginária – que retrata com perfeição a estrutura da sociedade humana.
Fecho com exemplo único que atende parcialmente a ambos. Em fevereiro de 1955, o coronel Ildefonso Pereira de Albuquerque assumiu, em Porto Alegre, o Comando-Geral da Brigada Militar. E uma das suas providências foi criar, ainda naquele ano, a Companhia Pedro e Paulo, em caráter experimental. Era uma cópia de um modelo de policiamento que havia sido implantado com sucesso em metrópoles como Paris e Londres, estando também sendo testada em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os policiais circulavam pelas ruas a pé, sempre em duplas. Por aqui o nome dado foi uma homenagem aos padroeiros do Rio Grande do Sul. Todos ostentavam uma braçadeira onde estavam impressas duas letras “pê” maiúsculas. Mas, com o passar do tempo e devido ao descontentamento histórico de boa parcela da população, em relação ao modo como muitos – não todos – dos policiais sempre agiram com os mais pobres, veio o apelido de Pés de Porco, usando as mesmas iniciais.
11.04.2022

O bônus musical de hoje é o áudio de Espírito de Porco, da banda paulistana Coke Luxe. Criada nos anos 1980, ela teve dois álbuns lançados pelo selo independente Baratos Afins.
DICA DE LEITURA
CIDADE – graphic novel de Juan Giménez e Ricardo Barreiro
Certa noite, voltando para casa depois de mais uma discussão com sua namorada, Jean se encontra em uma área desconhecida do seu bairro. As ruas estão desertas e a paisagem, totalmente devastada. Não tardará a perceber que se encontra em um lugar que nada tem a ver com a sua cidade. Ele acabou em uma monstruosa metrópole habitada por “náufragos”, homens e mulheres que se perderam em algum lugar do mundo e reapareceram nesse labirinto urbano sem nome, sem lógica e sem regras. Um delírio povoado por homens impossíveis, personagens literários e monstros lendários. Juan Giménez, célebre artista de A Casta dos Metabarões, ilustra o roteiro de Ricardo Barreiro, repleto de homenagens ao cinema, à literatura e aos quadrinhos.
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Die armen Schweine. Dabei wissen wir aus der Verhaltensforschung, dass Schweine klüger sind als Hunde.
(Os pobres porcos. Sabemos por pesquisas comportamentais que os porcos são mais esperto que os cães.)
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