O dia 8 de janeiro de 1973 foi o último da existência da poetisa paraguaia Soledad Barrett Viedma. Naquela data, depois de brutalmente torturada e morta, seu corpo foi abandonado dentro de um barril. Estava nua e tinha aos seus pés uma poça de sangue e o feto de quatro meses que até então levava no seu ventre. Isso ocorreu numa cidade do interior de Pernambuco. Ela era mais uma vítima da ditadura militar que desde 1964 havia sido implantada no Brasil. Seu crime era ser militante da esquerda; desejar uma vida melhor para o povo brasileiro e latino americano.
Soledad trazia de berço a ânsia por justiça e liberdade. Nascera no dia 1º de janeiro de 1945 em Laureles, cidade localizada no sul do Paraguai. Era filha de Alejandro Rafael Barrett López, que foi um dos fundadores do Partido Comunista Paraguaio. E neta do escritor e líder anarquista espanhol Rafael Barrett, que veio para a América do Sul em 1904 e ganhou grande notoriedade por denunciar as barbáries e as injustiças sociais, com os trabalhadores mais pobres sendo mantidos em regime de escravidão.
Quando ela tinha apenas três meses, sua família precisou se exilar na vizinha Argentina, onde viveu durante cinco anos. Depois disso, puderam retornar para o Paraguai, onde passou o resto da infância e teve uma adolescência repleta de inquietudes e descobertas. Dedicou-se ao canto e à dança, sendo presença constante em eventos culturais. Quando tinha 17 anos ela foi sequestrada por um grupo neonazista denominado Los Salvajes, de origem uruguaia. Exigiram que ela gritasse “Viva Hitler e Abaixo Fidel!” e ela se recusou. Em função disso, com navalhas terminou marcada em ambas as coxas com suásticas. Fizeram isso também porque sua mãe era de família judaica e a ignorância da direita confundia antissemitismo com antissocialismo.
Em 1967 ela conheceu seu primeiro companheiro, o brasileiro José Maria Ferreira de Araújo, com quem teve uma filha batizada com o nome indígena de Ñasaindy. Em 1970 ele voltou para o Brasil, com o objetivo de juntar-se à resistência contra a ditadura. Mas foi identificado e assassinado logo que chegou. Sem receber notícias, ela também veio para o nosso país, onde tomou conhecimento da morte de José Maria e se filiou à Vanguarda Popular Revolucionária. Sua filha ficou com os avós e ela pode se dedicar ao estudo, à poesia e à militância revolucionária. Ganhou destaque e foi enviada para atuar em Pernambuco, onde conheceu e se relacionou com José Anselmo dos Santos, o “Cabo Anselmo”, que usava o codinome de Daniel. Mas ele era um agente duplo, sendo espião infiltrado pelos militares para identificar e delatar jovens da resistência.
Anselmo era o pai do bebê que ela esperava, mas a denunciou junto com os demais integrantes do grupo pernambucano. Participou da tortura e morte da companheira, ao melhor estilo Carlos Brilhante Ustra, com total frieza e ausência de resquícios de humanidade. Localizados na Chácara de São Bento, na cidade de Abreu e Lima, nos arredores de Recife, todos os integrantes foram executados. Antes, no entanto, separaram cada um em localidade diferente, para interrogatórios regados ao sadismo peculiar dos torturadores. Soledad tinha marcas profundas de algemas apertadas nos pulsos e vários cortes pelo corpo. No final, foi abatida com quatro tiros na cabeça.
Naquele dia, 49 anos atrás, foram também assassinados Evaldo Luiz Ferreira, Eudaldo Gómez da Silva, Jarbas Pereira Márquez, José Manoel da Silva e Pauline Reichstul. Hoje são apenas nomes e poucas pessoas sabem das suas histórias. Mas eram vidas, repletas de esperança e de sonhos. E isso permanece vivo ainda hoje.
09.01.2022

O bônus de hoje é outra vez duplo. A música Cálice, com a cantora Gabi Porto e o pianista Guilherme Borges. Há citações incidentais de outras canções, em poema de Diego Paleologo, o que só reforça a força da letra. Os autores Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram o som dos seus microfones cortados pela censura, durante apresentação no festival de música Phono 73. Como o próprio nome aponta, ele ocorreu no mesmo ano, quatro meses após a morte de Soledad.
Logo depois temos a sensibilidade do compositor, violonista e cantor uruguaio Daniel Viglietti, com a música Soledad Barret. Um dos maiores expoentes do canto popular em seu país, ele faleceu em 2017.
Sad to know of so much brutality, and intolerance.
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Triste e vergonhoso. – Sad and shameful.
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Terrível ter que continuar a denunciar essas atrocidades. Estes lutadores merecem ser lembrados.
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Sem dúvida, Maria Rosa. Seria injusto caírem no esquecimento. A luta e o exemplo não podem ter sido em vão. E, nos tempos atuais, é importante que se perceba não ser possível permitir a volta desse tipo de coisa.
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É tão atroz que até dá medo pq eles nunca saíram de cena e voltaram ao comando desde o golpe, negando a barbárie!
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