Em frente ao meu apartamento há uma casa que foi recentemente vendida e reformada pelos compradores. Os novos vizinhos já se mudaram e a estão ocupando desde pouco antes do final de dezembro. Uma vez por outra os vejo da janela. Nunca conversamos, pelo menos não até agora. As pessoas cada vez conhecem menos quem mora por perto. Vale para o meu prédio e acredito que também para a maioria dos demais: a gente se reconhece e cumprimenta, mas não há vínculos mais próximos. Sei o nome de vários e acredito que muitos também saibam o meu. Em algumas ocasiões se troca ideias nos corredores, na garagem e em outras áreas comuns. E existem as esporádicas reuniões de condomínio, nas quais a maioria nem comparece. Só que o verdadeiro convívio, aquele que se imagina ainda exista nas comunidades menores, esse ficou perdido no passado. O que é uma pena.
O vizinho novo fez uma coisa inusitada: instalou um mastro na frente da casa e nele hasteia, diariamente, uma bandeira brasileira. Mas não a atual e sim a da monarquia. Se ele próprio não for um descendente da família Orleans e Bragança, por alguma razão admira muito essa forma de governo. E pode ter saudade de um período que ele próprio não viveu. A monarquia no Brasil foi relativamente breve. Tivemos apenas dois imperadores, o Dom Pedro pai e o Dom Pedro filho, entre 1822 e 1889. Esses limites são a proclamação da independência e a proclamação da república, essa última – adivinhem – já com a participação decisiva de militares.
A bandeira imperial brasileira foi desenhada pelo francês Jean-Baptiste Debret. Tem como fundo um retângulo verde e sobre ele, no centro, um losango amarelo, como a nossa atual. Mas o significado está longe do que adoravam repetir professoras no nosso antigo Curso Primário: não são nem as matas nem o ouro, ambas coisas abundantes até pouco tempo atrás. Talvez o desmatamento sistemático e a mineração ilegal possam mudar no futuro os panos que se usam, passando para cinza e marrom, por exemplo. Originalmente, o retângulo foi explicado como um símbolo masculino e o losango como feminino. O verde era a cor da Casa Real de Bragança, remetendo a Dom Pedro I; e o amarelo era a cor da Casa Real de Habsburgo, da imperatriz Dona Leopoldina. No centro fica o brasão imperial. E a esfera armilar e a cruz de Cristo são símbolos de Portugal. Apenas ramos de café e de tabaco, que também aparecem no desenho, são de fato brasileiros. Eram importantes artigos de exportação na época, produzidos e beneficiados com mão de obra escrava. Por fim, acima de tudo, temos uma coroa de diamantes, que aponta para o poder e a riqueza.
Tivemos no Brasil, em 21 de abril de 1993, um plebiscito para determinar a forma e o sistema de governo que a população desejava. Essa decisão fora tomada quando da elaboração da Constituição de 1988, quando houve a redemocratização do país, depois do período da ditadura militar. Os eleitores tinham que decidir sobre qual a melhor forma (republicana ou monarquista) e sobre o sistema mais apropriado (presidencialista ou parlamentarista). Votaram pela restauração da monarquia 10,2% dos brasileiros que compareceram às urnas. Esse percentual foi menor do que o dos votos em branco (10,5%) e dos votos nulos (13,2%). No Rio Grande do Sul os monarquistas tiveram representatividade menor do que a média nacional, ficando em 8,8%. Ao final, a esmagadora maioria preferiu manter a república presidencialista.
Uma outra hipótese para a bandeira é que o vizinho seja bolsonarista – mas eu, particularmente, prefiro a primeira. Isso porque seguidores de Jair Messias adotaram, em algumas das suas manifestações, o uso da bandeira imperial. Apesar da afirmação “Brasil acima de tudo”, ficou normal usarem as dos EUA, como de Israel e até da Ucrânia. Essa, mesmo sendo também brasileira, carrega outro tipo de incoerência: eles defendem o regime militar, tendo sido os fardados que tiraram Dom Pedro II do poder. Há quem afirme que esse apego é uma forma de construir uma legitimidade, mesmo que ilógica. Ou de relembrar um período que acreditam ter sido de desenvolvimento sem igual. Algo regressista, como de resto boa parte das ideias do atual governo. Além disso, o astrólogo e guru de Bolsonaro, Olavo de Carvalho, já se manifestou favorável à monarquia. E Luiz Philippe de Orleans e Bragança, eterno pretendente a príncipe, foi eleito deputado federal em 2018, pelo PSL, que era então o partido do presidente. Seja como for, a bandeira é bonita e não incomoda em nada estar ali tremulando, quando o vento ajuda. No mínimo ela serve para instigar nossa curiosidade. A minha pelo menos, garanto que ela estimula.
11.01.2022

O bônus de hoje é a música História da Corte, de Toquinho e Paulo César Pinheiro. Ela integra o CD Mosaico, lançado em 2005. As canções foram produzidas para um texto teatral de Millôr Fernandes (Outros Quinhentos), baseado nos 500 anos do descobrimento do Brasil. Oito anos depois a obra foi resgatada pela Biscoito Fino.
Fica para meus leitores a sugestão de dois livros para que se aprofunde o entendimento histórico do período em que o Brasil foi um império, bem como a transição para a república. Basta clicar sobre as capas acima: são links que conduzem para a possibilidade de compra dos volumes. Sendo um ou ambos adquiridos por esse acesso, o blog é comissionado.
Deixe um comentário