A data de hoje, mesmo tendo sido estabelecida mais simbolicamente do que por ter registrado um fato definitivo – a independência em relação à coroa portuguesa foi algo construído e negociado, um jogo de interesses e circunstâncias que não se iniciaram naquele 7 de setembro de 1822, nem se concluíram no dia –, tem uma importância muito grande para todos nós. É um dos momentos relevantes na fundação de uma identidade nacional, do estabelecimento da nação brasileira, um marco histórico que registra a vontade da imensa maioria do povo: caminhar com as próprias pernas; construir seu futuro com as próprias mãos. Assim sendo, ela pertence a todos os brasileiros, indistintamente, do mesmo modo que os símbolos nacionais, como o hino e a bandeira.
Mas ser independente é muito mais do que deixar de ser colônia. Isso passa pela elaboração de um projeto de nação; pela conquista de uma capacidade de desenvolvimento que respeite todos os seus cidadãos; pela valorização de aspectos culturais, consideradas todas as suas expressões; pela língua comum viva e compreendida; pela adoção e difusão de valores éticos e morais; pela elaboração e aplicação de leis que sejam justas; pelo incentivo à educação e investimento em saúde; pelo surgimento de instituições fortes e representativas; pela busca do conhecimento, pela pesquisa e geração de tecnologia própria; pelo estabelecimento de relações internacionais que sejam sólidas e recíprocas; pela preservação do meio ambiente. Assustador é que se pode verificar, sem muito esforço, que praticamente tudo isso tem sido abandonado e destruído.
Não bastasse esse esforço devastador e cotidiano, capitaneado por um presidente que bate continência diante da bandeira dos EUA e exalta a presença da bandeira de Israel durante manifestações articuladas por apoiadores seus, agora até o 7 de setembro está sendo desvirtuado. Uma data que deveria ser comemorativa e agregadora, de demonstração de amor não ufanista, mas reconhecido e verdadeiro, provavelmente também esteja sendo sonegada da maior parte dos brasileiros.
Tudo porque o “mito” está tentando dar seguimento ao seu plano de se tornar um ditador, se não pelos braços do povo – um sonho delirante que jamais se realizará –, pela força das armas de militares, policiais e milicianos. Só que esses, para assumirem tal papel, precisam de uma justificativa que deflagre a “necessidade de intervenção”. E essa vem sendo gestada com a ofensiva contra outros poderes constituídos, notadamente o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e o Congresso Nacional – mesmo que nesse último ele tenha apoio ainda considerável, principalmente após ter cooptado o chamado “Centrão”, a custa de verbas que deveriam ter tido destinação pública. A gota d’água é a “convocação” feita por ele, para que os fanáticos da extrema direita, inflados em número com “inocentes úteis”, tomem as ruas.
Daqui a pouco amanhece o dia e não se tem a mínima noção do que possa vir a acontecer. Bolsonaro cruza os dedos, torcendo para que se estabeleçam conflitos, de preferência em vários pontos do país e com vítimas fatais. Se grupos opositores não se dispuserem ao confronto físico que ele tanto sonha – quando de ideias, ele foge, como fez com os debates eleitorais na campanha de 2018 –, talvez os situacionistas mesmo providenciem isso. É muito fácil, para quem já conseguiu inclusive forjar um atentado muito oportuno, repetir o teatro. Em mais palcos e com mais atores, porém com o mesmo objetivo.
O ideal é que os que pensam diferente – ou os que simplesmente pensam – não se deixem enganar, não embarquem nessa canoa furada. Ou não se vai para as ruas ou se ocupa lugares estrategicamente distantes. Até porque não se trata de um concurso, de quem comparece mais. Está em jogo de verdade a volta para a normalidade política, o respeito à democracia e o afastamento deste comportamento que aflorou o que de mais doentio existia na nossa sociedade. Só com isso acontecendo é que se pode voltar a pensar em independência. Porque ela não resiste à falta reinante de dignidade, de humanidade e respeito.
07.09.2021

No bônus musical de hoje, Brasileirinho, um choro composto por Waldir Azevedo. Nessa gravação está o grupo Choronas, que é formado por Gabriela Machado (flauta transversal), Ana Cláudia César (cavaquinho), Paola Picherzky (violão sete cordas) e Roseli Câmara (percussão). Ela foi feita durante uma apresentação no Teatro Anchieta, que integra o complexo do SESC Consolação, em São Paulo.
Recomendo também a leitura (ou releitura) do texto Devolvam Minha Bandeira!, postado aqui neste blog em 06 de setembro de 2020. Para tanto, clicar sobre o título do artigo, no bloco abaixo.
Feliz sete de setembro!
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