SOLIDÃO, AFETO E HUMANIDADE
Afinal de contas, o que realmente significa ser “humano”? Uma animação na qual são personagens apenas uma idosa e um robô nos leva a pensar sobre esse conceito, os seus limites e sua extrapolação. Tudo porque aquela figura de metal, que tinha tudo para não possuir um coração, assume o cuidado da idosa com a sensibilidade, o carinho e o amor que seu filho não teve. Evidente que se trata de ficção, mas é uma história que reflete com muita propriedade o que acontece na sociedade ocidental atualmente, na qual o idoso tem o acompanhamento do seu final de vida terceirizado pela família.
Em Changing Batteries (Trocando Baterias), uma mulher que mora sozinha certo dia recebe uma caixa e um bilhete curto. Nele está escrito apenas um pedido de desculpas, enviado por seu filho, por não ter conseguido voltar novamente este ano. E indicando que ao menos lhe enviou um presente. Da caixa ela retira um robô, a companhia improvável e silenciosa, mas interessada, que daria mais sentido aos seus dias a partir de então. Começa assim uma fantástica lição de vida.
Um robô (ou robot) nada mais é do um dispositivo eletromecânico que possui condições de realizar trabalhos de maneira pré-programada ou autônoma, em substituição ao que teria que ser feito pelas pessoas. Em geral essas tarefas seriam perigosas, colocando em risco a vida. Pelo menos era assim antes, porque uma recente popularização colocou no mercado alguns capazes, por exemplo, de realizar tarefas domésticas. Existem também alguns bem mais sofisticados, nas linhas de produção industrial. E ainda para a realização de cirurgias, exploração espacial e subaquática, mineração, localização de minas terrestres e muitos outros usos, incluindo alguns de entretenimento. No cinema é que eles adotam a forma humana, o que também está sendo agora buscado.
A palavra robot, adotada pelo inglês, veio originalmente da língua tcheca (robota), significando trabalho forçado ou servidão. O termo era aplicado a camponeses obrigados ao serviço, quando do sistema feudal. Também naquele país foi utilizado pela primeira vez para fazer referência a autômatos. Foi na peça R.U.R., do escritor Karel Capek, em 1920. Curioso é que ele pretendia lhe dar o nome de labori, do latim, referindo trabalho. Mas seu irmão Josef Capek sugeriu a troca, o que ele aceitou. Tempos depois a palavra desembarcou no português, sem a letra final “t” e com o necessário acento circunflexo.
A mulher é solitária. Se pode perceber, no início da animação, que sua casa fica afastada de um centro urbano maior, ao longe. Na sala, dois porta-retratos revelam sua situação civil: no primeiro, uma foto sua com marido e filho; no outro, apenas ela e o filho. Ficara viúva e o rapaz foi embora uma vez crescido, para tratar de si mesmo. O novo parceiro assume os afazeres domésticos, desde varrer a casa até colocar água nas plantas. Mas vai aos poucos assumindo posturas que não deveriam estar programadas, algo além dos algoritmos que o comandavam. Consegue, por exemplo, ser tão contemplativo quanto ela, quando dividem olhares perdidos no horizonte, vendo um belo pôr do sol.
Ele a protege do frio, aprende a gostar de programas de televisão e “bebe” seu óleo de máquina enquanto ela se alimenta. Sonham juntos ir ao circo; convivem, enfim. A diferença é que a fraqueza dele pode ser resolvida com a troca de pilhas, enquanto a dela não. E essa talvez seja a única coisa que, entre eles, diferencia o que seja ser humano ou máquina. Assim, os cinco minutos de duração do curta oportunizam mais de uma reflexão importante: sobre o necessário cuidado com os idosos, sobre abandono, solidão e principalmente afeto. E esse último item a gente compartilha e manifesta, sendo algo eminentemente humano. Mas, precisamos aprender a fazer isso melhor, o que não temos conseguido até agora.
13.09.2021

Outra vez temos hoje bônus em duplicidade. Primeiro, a animação que motivou esse texto: Changing Batteries. Esse foi o trabalho de conclusão apresentado por alunos da Multimedia University, da Malásia, em 2013. Eram eles Shi Gi, Cassandra Ng, Hon JiaHuj e Bahareh Darvish.
Depois temos a música Solidão, de Alceu Valença. Ela é uma das faixas do seu álbum, Mágico, lançado ainda em 1984.