Já usei esse espaço algumas poucas vezes para escrever sobre futebol. Citei um livro de escritor inglês sobre o tema, abordei o gol de mão do Maradona, a história do “Vovô” Rio Grande, a volta do Juventude à elite dos clubes brasileiros e até lembrei do singelo jogo disputado durante o intervalo das aulas no início da adolescência. Nunca antes o Grêmio foi assunto, mesmo todas as pessoas que me conhecem sabendo que eu sempre fui gremista. E faço isso agora justamente com uma opinião que tem tudo para ser polêmica: acredito piamente que o terrível momento pelo qual o time passa nesse momento vem de uma herança maldita deixada por Renato Portaluppi, que é um dos maiores ídolos da história do clube, depois de ter ficado mais de cinco anos como técnico. O que foi tempo demais.
Para esta sua última passagem, mais uma vez ele chegou com a necessidade de recuperar posições na tabela de um Brasileirão no qual não se estava bem. Foi em 2016 e, mais do que fazer isso, ainda conseguiu nos dar o quinto título da Copa do Brasil. No ano seguinte, uma glória maior ainda, com a conquista da terceira Libertadores da América. Não se pode esquecer, no entanto, que ele recebera um grupo extremamente bem treinado por Roger Machado. E que contava, coincidentemente, com o auge da forma técnica e física de Maicon, Douglas e Luan, no meio de campo. Que consolidava uma dupla quase perfeita na zaga, com Geromel e Kannemann, ambos à frente do incomum Marcelo Grohe. E ainda havia a dedicação de Ramiro, a explosão de um Pedro Rocha em alta. Na soma dos dois anos, também Wallace, Arthur – que Renato resistiu muito até aceitar ter nível sobrando para ser titular – e o centroavante Lucas Barrios em boa fase.
Depois disso, duas coisas sustentaram Renato no cargo: sua excelente relação pessoal com o presidente Romildo Bolzan e vencer Grenais aos borbotões. Títulos, só vieram os regionais. Sonhando com os atalhos das copas, já que vencera duas com relativa facilidade, ele sempre decidia abandonar a disputa por pontos corridos do campeonato nacional tão desejado pela torcida. Conseguiu a proeza de poupar todos os titulares, certa ocasião, na primeira rodada do certame que é de pontos corridos. Isso porque convencia a direção de estar sempre certo. E, entre as muitas frases feitas que repetia nas entrevistas que em geral beiravam à mesmice temperada com arrogância, se vangloriava de ter controle sobre o grupo, estar lapidando jovens para o lançamento e ser um exímio recuperador de jogadores com carreira no momento desacreditada. Destas três, apenas a primeira das afirmações era parcialmente verdadeira. Aos mais velhos, se impunha por ter-lhes oferecido de fato oportunidades muitas vezes já não esperadas; aos mais novos, pela sua figura histórica transformada em estátua na entrada da Arena.
Sobre recuperar atletas, teve sucesso com os laterais Léo Moura, que era um excelente jogador, e com Cortez, que sempre foi mediano. Nenhum outro pode ser incluído, numa análise séria. Por outro lado, em função da criação desse mito, convenceu Bolzan a trazer a peso de ouro figuras como Tardelli, Thiago Neves e Robinho, de quem só pode recuperar e muito as contas bancárias. O Grêmio gastou horrores e não houve retorno técnico algum. Renato também deu o aval para a troca de Marinho pelo zagueiro David Braz, com o Santos; e com o São Paulo, do centroavante Luciano pelo quase inútil Everton, que segue por aqui sem atuar e ganhando elevado salário. Foram duas decisões desastrosas. Mais dinheiro posto fora. Enquanto isso, jovens talentosos que o técnico jurava estar observando em treinos – há quem diga que isso ele nem dava, preferindo sempre os “rachões” – se acumulavam, chegando numa idade quase limite sem oportunidade real. Para muitos sobrava a desesperança e o desejo de ir embora. Tetê se queixou e terminou indo fazer sucesso na Europa, sem nunca ter feito estreia com a camiseta tricolor. Diego Rosa foi outro talento que saiu direto da base para o exterior.
Durante a Copa do Brasil de 2020, com Breno e Chapecó, dois goleiros jovens que sobravam nos treinamentos, ele revezava outros dois insuficientes para a camisa número um. E ainda conseguiu “queimar” o razoável, tirando sua titularidade de surpresa, nos dois jogos decisivos, para colocar o pior entre ambos. Este falhou nos três gols que o time sofreu, levando o clube a perder prestígio, dinheiro e troféu. Com isso, o vestiário já demonstrava estar “rachado”. Havia – e talvez ainda exista – dois grupos, formados pela faixa etária. Para piorar tudo, os mais hábeis entre os veteranos foram ficando com sérias limitações físicas. Geromel e Kannemann se alternavam, quase nunca atuando juntos, pois geralmente ao menos um deles estava machucado. Maicon se tornou uma estrela cadente, perdendo brilho no Departamento Médico. O time conseguiu ser eliminado na pré-Libertadores e Renato, desgostoso com as justas críticas, terminou saindo. Demitindo-se ou demitido, nunca ficou claro. Mas a verdade é que essa relação deveria ter terminado muito antes, para que o caos previsível devido ao desgaste evidente não tivesse se estabelecido.
Seu sucessor, também por ordem da direção, prometeu promover uma renovação extrema – que até seria perigosa. Não conseguiu cumprir e não permaneceu. Com jovens muito técnicos, porém pouco experientes, desentrosamento, problemas físicos, insegurança, surto de Covid, falta de lideranças que pudessem acalmar o ambiente e recuperar as fraturas no grupo, o time desabou no desempenho e na tabela do Brasileirão. Foi para a zona de rebaixamento, onde jamais poderia estar, pelo seu tamanho e história. Hoje com outra lenda no comando, busca desesperadamente uma recuperação. Contratações pontuais foram feitas, mas o tempo ainda é curto para se ver resultados. Felipão tenta colar os cacos, enquanto propõe uma alteração radical no tipo de jogo dos últimos tempos: sai o toque de bola, o jogo propositivo, e volta a “casinha fechada” e a espera do erro do adversário para marcar no contragolpe. O que nem sempre é possível, normalmente arriscado, ampliando a angústia da imensa torcida, podendo ser ainda insuficiente. Não será nada fácil e sim provavelmente uma tarefa demorada juntar todos os pedaços da estrutura anterior. O que talvez ainda nem venha com o técnico atual.
Renato foi ser feliz no seu Rio de Janeiro, treinando o Flamengo. Talvez lá se contentando – ao menos por enquanto, antes do seu ego voltar a exigir mais – em ser apenas técnico. No Grêmio ele era uma espécie de diretor de futebol, quase um vice-presidente. E o clube só não se enterrou em dívidas pela austeridade do presidente Bolzan e pelo fato de ser um ótimo vendedor de ativos. O que não se soube fazer, nos últimos tempos, foi repor as peças perdidas com o mesmo talento. No pátio do antigo Estádio Olímpico estão estacionados ônibus da Carris – enquanto nosso prefeito não a vende ou liquida – e na Arena ficaram estacionados alguns bondes, aqueles que Portaluppi garantia saber recuperar. Mas que não levou com ele para o rubro-negro carioca. Porque nunca foi bobo.
28.08.2021

No bônus de hoje o Hino do Grêmio, de autoria de Lupicínio Rodrigues. Ele foi adotado no cinquentenário do clube e, nessa gravação histórica, vários artistas, na sua maioria gaúchos e todos eles gremistas, o cantam reverenciando também o antigo Estádio Olímpico (1954-2012).
Perfeito meu amigo, na sua análise. Também tenho essa visão mas tem gente que defende com unhas e dentes o Renato. Vai ser difícil sairmos dessa situação incomoda.
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Renato foi importantíssimo na história do Grêmio. Mas não se pode perder a perspectiva de que o Grêmio sempre será imensamente maior do que o Renato.
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