Nem todo cristão sabe disso, mas a noção do que seriam os piores pecados não é tão antiga quanto a doutrina professada. Apesar de sua primeira lista conhecida ter sido definida por um monge grego de nome Evagrius Ponticus, que viveu entre os anos de 345 e 399, foi apenas no Século VI que o Papa Gregório Magno fez sua relação própria e os nomeou como “capitais”, termo vindo do latim “caput”, que significa cabeça, líder ou chefe, conforme a acepção. Teria feito suas escolhas baseado nas epístolas de São Paulo.

Pecados são infrações, desrespeito a leis. De onde se conclui que são muito mais do que os sete tidos como maiores. Então, se torna relativo determinar todos eles, do mesmo modo que classificá-los dependeria muito de cada época e suas circunstâncias, bem como das ingerências pessoais de quem fosse fazer isso. Ponticus, por exemplo, pertencia ao ascetismo, um estilo de vida que abole prazeres mundanos e tenta se afastar das chamadas “tentações”. Aquele tipo de gente que para tudo se baseia na disciplina do corpo e da mente. Dá uma chance e eles se chicoteiam, para que a dor afaste os “maus pensamentos” – essa última frase é apenas uma ilação de minha parte. Ele escreveu o livro Origens Sagradas de Coisas Profundas, listando tentações que corrompiam as pessoas e, portanto, deveriam ser evitadas. Citava gula, fornicação, ira, avareza, descrença, desencorajamento, vanglória e soberba. Como se vê, eram oito.

Gregório alterou isso, no ano de 590, formalizando sete pecados: gula, avareza, ira, soberba, preguiça, inveja e extravagância. Mudou pouco, portanto, mas as alterações mesmo assim foram substanciais, em termos de alcance. A descrença e o desencorajamento foram somados na preguiça; a soberba aglutinou a vanglória – orgulho e vaidade também cabendo nessa definição. A fornicação foi excluída, para a alegria geral, enquanto inveja e extravagância foram incluídas. E isso ficou perdurando por mais de 680 anos, sem quaisquer retoques. Até que em 1273 foram feitas revisões, na Suma Teológica de São Tomás de Aquino. Seguiram sendo sete, mas a soberba virou vaidade, a ira foi tornada raiva e voltou a luxúria no lugar da extravagância.

Com a literatura, o florentino Dante Alighieri, considerado hoje o primeiro e maior poeta da língua italiana, ajudou muito a popularizar os pecados capitais, mas como forma de entretenimento. Foi com uma extensa obra, A Divina Comédia, escrita em 1320. Ela é toda composta em versos, sendo dividida em três partes (Inferno, Purgatório e Paraíso), todas com 33 cantos e cerca de 140 versos em cada um. Segundo sua visão, os pecados menos graves estavam mais próximos de Deus, enquanto os piores entre eles aproximavam os pecadores do Diabo. Esses capitais estariam em sete círculos, encontrados no Purgatório.

Em 2008 o Papa Bento 16, um conservador, surpreendeu o mundo ao acrescentar na lista dos sete outros ”pecados modernos”. Passariam a ser assim considerados também a manipulação genética, o uso de drogas, a desigualdade social e a poluição ambiental. Deste modo, os sete virariam 11. Isso teria sido uma forma de adaptar a igreja aos novos tempos, com a globalização. E, acima de tudo, o reconhecimento que não eram apenas as questões individuais que deveriam ser levadas em conta, mas também a dimensão social, o impacto que o seu cometimento tem na vida da coletividade. Isso, entretanto, não chegou a ser de fato “oficializado”. Agora, com o pontificado de Francisco, volta a ser considerada a adoção de pelo menos dois: o pecado do individualismo e o pecado ecológico.

Particularmente entendo que os católicos deveriam providenciar um abaixo assinado, encaminhando sugestões ao Vaticano. Não é mais admissível, por exemplo, que gula e luxúria fiquem na lista, enquanto a corrupção está fora. Se a gula é comer demais, o pecador apenas prejudica a si próprio; se é o prazer de comer bem, se trata de uma satisfação que não afeta mais ninguém, atingindo apenas o seu bolso. Se a luxúria for violência sexual e pedofilia, nem a igreja deveria perdoar – deixem isso para a Justiça Divina –; mas se for o erotismo nas relações consentidas, não pode ser considerado um problema.

Aqui entre nós, aos olhos de Deus, o que deve ter maior desaprovação: comer um bife a mais ou comprar vacinas a menos, provocando milhares de mortes? Uma noite de sexo com quem se ama ou desmatar uma floresta para vender madeira ilegal? Desumanidade e ganância são fortes candidatos a integrar tal lista, em substituição. Apesar de não ser católico, como espírita cristão, se existisse essa tal reivindicação como estou propondo, pegaria na hora a caneta mais próxima. Ou assinaria digitalmente, porque usar a internet não é pecado, exceto para fake news.

05.07.2021

No bônus musical de hoje, o samba Poder da Ganância, com Neguinho da Beija Flor. Luiz Antônio Feliciano Marcondes é o nome de batismo deste intérprete, sambista e compositor brasileiro, nascido em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Desde 1976 é ele o puxador oficial da Beija Flor de Nilópolis.

1 Comentário

  1. sins were big money for the church, thats why there were sins created 🙂 i enjoyed the read you write well . kindest regards bg 🙂

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