Uma pequena cidade chamada Cândido Godoy, com cerca de sete mil habitantes, localizada na região noroeste do Rio Grande do Sul, próxima de Santa Rosa e da fronteira com a Argentina, apresenta um índice espantoso de casos de nascimentos de gêmeos. A taxa é mais de dez vezes maior do que a média verificada até hoje na espécie humana, sem que existam explicações convincentes para o fenômeno. A localidade inclusive passou a usar essa informação como atrativo e decidiu se autoproclamar como Capital Mundial dos Gêmeos. A partir dos anos 1990 essa situação passou a ser estudada por especialistas, mas nenhuma das pesquisas foi conclusiva.
O historiador Paulo Lírio Gauthier atribuiu o fato à colonização alemã, que foi a primeira e ainda é a principal. Hoje 80% da população é composta por seus descendentes, enquanto 13% são de poloneses e 7% pessoas de outras etnias. Mas, se essa explicação fosse plausível, o mesmo ocorreria em outras cidades gaúchas e catarinenses que foram por eles colonizadas. E na própria Alemanha esse índice deveria ser ainda maior, o que não ocorre. A situação ganhou destaque internacional a partir do lançamento do livro do jornalista argentino Jorge Camarasa, “Mengele: el Ángel de la muerte en Sudamérica” (Mengele: o Anjo da Morte na América do Sul). Na obra ele aponta que o crescimento exponencial destes nascimentos passou a ocorrer depois da época em que o médico nazista teria estado na cidade, em 1963.
Nascimentos múltiplos são aqueles nos quais, ao final da gravidez, nascem dois ou mais fetos. Quanto maior o número dos nascituros, maior a raridade. Portanto, os mais comuns são os que chamamos de gêmeos; depois os trigêmeos e assim por diante. Existem dois tipos de possibilidades para que isso ocorra: eles podem ser dizigóticos (fraternos) ou monozigóticos (idênticos). No primeiro caso são dois óvulos distintos fecundados; no segundo, um único óvulo é fecundado, mas o zigoto, que é a célula resultante da união do gameta masculino com o feminino, acaba se dividindo.
Joseph Mengele foi um dos tantos “produtos” que a perversidade da ideologia nazista ofereceu ao mundo. Médico, era o responsável por chefiar experimentos desumanos com prisioneiros, no campo de concentração de Auschwitz, utilizando em especial judeus, negros e ciganos. Trabalhava para “aprimorar” a raça ariana e era obcecado por causar dor e sofrimento nas suas cobaias humanas. As escolhia com base na cor dos olhos e em anomalias do crescimento e teve também 732 pares de gêmeos à disposição para seus “estudos”. Fez com eles coisas como engravidar uma gêmea com o esperma do irmão, para confirmar se outros gêmeos nasceriam: quando um único feto foi gerado, o arrancou do útero da mãe, jogou a criança num forno e foi embora. Várias outras crianças eram mantidas aos pares em gaiolas e infectadas de propósito com bactérias variadas, para criação de furúnculos e órgãos com gangrena. Costumava injetar corantes nos olhos e aplicava injeções na coluna vertebral, tudo sem anestesia. O que também não utilizava para remoção de órgãos, castrações e amputações.
No final da guerra Mengele escapou da justiça e se refugiou na América do Sul. Viveu por muitos anos na Argentina, mas quando outro nazista refugiado por lá foi descoberto, preso, deportado e enforcado em Israel, veio para o Brasil. Só fez isso por necessidade, pois odiava negros e índios – marca da extrema-direita até os dias de hoje –, achando ser insuportável a miscigenação existente em nosso país. Por aqui usou identidades falsas e tinha um casal que o acompanhava e protegia. Morreu afogado no mar em Bertioga, município próximo de Santos, em São Paulo, no dia 07 de fevereiro de 1979. Foi identificado apenas algum tempo depois da sua morte. Mas antes de morar no litoral paulista, as investigações comprovaram que esteve em outros locais, inclusive no interior do Rio Grande do Sul.
Em Cândido Godoy a cada dois anos é realizado um festival que reúne centenas de gêmeos que nasceram na cidade, sendo que muitos deles vêm de longe para participar. Sobre Mengele e outros criminosos de guerra, recomendo a leitura do livro Nazistas Entre Nós – A Trajetória dos Oficiais de Hitler Depois da Guerra, do jornalista e historiador Marcos Guterman, que foi lançado em 2016.
12.11.2020
No bônus de hoje, clip com o tema musical do filme A Lista de Schindler, de Steven Spielberg. Foi composta por John Williams para Itzhak Perlman. Ao violino Nancy Webb; no piano David Webb.
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