OS PODEROSOS TAMBORES COLOMBIANOS

A percussão é a mais antiga de todas as formas de expressão de uma sonoridade musical. Acompanha o homem praticamente desde o início de sua história sobre a Terra. Em termos de instrumentos, para que se identifique e entenda, percutir significa bater ou raspar. Se bem que também existem vários que emitem sons sendo agitados ou friccionados. Os mais conhecidos são aqueles que possuem uma membrana esticada e fixada, sendo ela responsável pela emissão do som. Quem nunca viu um tambor, uma bateria, pandeiro ou tamborim? Mas seu número é bastante grande, indo além desses citados. Baianos sabem muito bem o que sejam afoxé, agogô, atabaque e bongô. Que sambista no Rio de Janeiro não conhece uma cuíca? A castanhola dos espanhóis também pode ser incluída – na verdade, os fenícios já a conheciam três milênios antes. E podemos seguir a relação de exemplos com tímpano, reco-reco, repinique, marimba, bombo, chocalho, surdo…

Tambores, em inúmeras culturas já tiveram ou ainda têm participação em celebrações religiosas e profanas; cumpriram tarefas militares, tanto em combate como em comunicação; estiveram presentes em cerimônias fúnebres; e acompanharam danças e desfiles. Diversas culturas, em todos os continentes, dele fizeram e fazem uso. Sua batida forte sempre foi como um coração que pulsa. E temos comprovação contemporânea dessa afirmação no Brasil, podendo ser citados dois grupos em especial, ambos da capital baiana. O mais famoso é o Oludum, que tem apenas integrantes masculinos. Mas o Didá, integrado unicamente por mulheres, desafia a equivocada barreira de gênero, de forma muito sonora e exuberante – diziam que os “big bass” surdos eram pesados demais para elas suportarem.

Tendo partido da observação desse universo brasileiro, mas com o saudável acréscimo da rica cultura indígena local, surgiu em Bogotá o Aainjala, que é misto. Esses nobres guerreiros e guerreiras do samba-reggae – agora também incorporando a cúmbia – estão a passos largos se encaminhando para serem vistos como um fenômeno global, muito em breve. Primeiro tomaram as ruas de sua capital, mas já estão fazendo apresentações inclusive fora do país. Na língua do povo wayuu, habitante do território colombiano muito tempo antes da chegada dos espanhóis, aainjaa significa “criar”. Embora o grupo reitere que sua maior influência tenha vindo do Brasil, evidencia com muita força essa mescla que explora outros ritmos, bem como seu engajamento social. Não por acaso suas apresentações, normalmente feitas com pelo menos 150 componentes, em geral iniciam com um grito rebelde. Apenas depois que ele ecoa se ouve o som de duas baquetas finas, acompanhadas por salva de tambores de caixa, que são seguidos por surdos de graves profundos. Pronto: a rua está conquistada.

Mas os membros do Aainjaa não se contentam com os ritmos. Há uma dança performática, balanço e gritos que compõem uma exibição que vai se tornando agressiva. A sensação que passa é marcial, mesmo nada tendo de militar. A ordem nesse caso serve apenas para emoldurar a arte, para destacar um anseio comum pela liberdade de corpo e alma. Disciplina passa a ser combustível transformador de vidas. Por lá a bateria é mista e revigorante. O grupo se reúne para treinos físicos cansativos em um depósito na zona industrial existente no bairro Ricaurte, onde não perturba vizinhos. São vários estúdios onde praticam, além de um escritório e local de gravação. Seu líder, Homero Cortez, nasceu em Bogotá e teve formação musical em Barcelona, na Espanha. E hoje conta com cerca de 20 intérpretes profissionais que já se apresentaram em festivais de percussão em vários países, incluindo Canadá, Rússia e China. A maioria dos membros ainda é de amadores, desde muito jovens até um aluno com 67 anos. O conjunto do seu trabalho é mais uma de tantas mostras da resistência cultural latino-americana, merecendo nosso respeito e toda a visibilidade possível.

16.11.2020

Aqui, alguns dos muitos diferentes instrumentos de percussão que existem

O bônus musical de hoje só poderia mesmo ser gravação de uma das apresentações do grupo Aainjaa, nas ruas de Bogotá, Colômbia.