Pedro Malasartes é um personagem que, vindo da cultura portuguesa, também habita o imaginário brasileiro. Essa figura tradicional retrata um bufão, homem astucioso e muitas vezes cínico. Alguém que faz uso de expedientes enganosos, não tendo escrúpulos nem remorsos quando assim age para alcançar seus objetivos. Não fique pensando bobagem, porque ele é bem antigo e não ocupa nenhum cargo no atual governo federal, apesar de várias características semelhantes. Aliás, retomando suas origens na Península Ibérica, não foi apenas em Portugal que se propagaram suas histórias. Há alguns personagens semelhantes em outras regiões: Pedro Urdemales, em Castela; Pedro de Urdes Lamas, na Andaluzia; e até Till Eulenspiegel, na Alemanha. Todos esses são variantes suas.
Ele sempre foi uma espécie de anti-herói, resolvendo as coisas pela sua esperteza. Mas nunca levando uma vantagem real, porque a sua vida continua sendo de incertezas e privações. Uma espécie de João Grilo, personagem de O Auto da Compadecida. Não é de todo improvável que Ariano Suassuna tenha inclusive se inspirado em Pedro Malasartes. Isso posto, uma de suas histórias foi quando ele decidiu ficar rico, contando com a ajuda inicial de Santo Antônio.
Pedro entra em igreja que o homenageia e propõe à santidade que lhe duplique a quantidade de dinheiro que tinha no bolso. Em troca, ele daria R$ 20,00 para os pobres. Como parecia razoável e o santo estava de bom humor naquele dia, aceitou. A quantia foi de fato duplicada no mesmo instante, sendo a promessa cumprida já na saída do templo com o dinheiro alcançado a um pedinte. Desse modo, houve a confirmação que nosso personagem precisava para ter certeza de que seu plano daria certo. Com o enorme número de igrejas e de santos diversos, bastaria repetir essa mesma operação em sequência e se daria muito bem. Seria a forma perfeita de enriquecer sem trabalhar.
Saindo da primeira igreja, foi direto para outra, erguida em devoção a São Paulo. E a proposta foi outra vez aceita. Na terceira, dedicada a São Jorge, mais uma vez obteve sucesso. A diferença é que, depois que ele deu os R$ 20,00 prometidos aos pobres, se deu conta de que não tinha mais nenhum tostão no bolso. Essa história era utilizada por professores de matemática, quando eu fiz aquilo que hoje é chamado de Ensino Fundamental. A professora então perguntava, diante da perplexidade de todos nós, alunos e meros mortais, com quanto dinheiro Malasartes teria entrado na primeira das três igrejas.
Uma equação matemática resolve o problema. Não o dos pobres e nem do Pedro, que também sempre foi um pobre. Mas o da questão proposta em aula. Tenho certeza que a curiosidade daqueles que estão me lendo agora vai levar a cálculos. E serão bem simples, uma vez que não se usou esse recurso nas 365 igrejas existentes em Salvador, por exemplo. Agora, mais do que fazer as contas e acertar, ficam no ar pensamentos que precisamos ter. Como o uso da fé e da religião para que se alcance coisas mundanas e não divinas. Como o fato de que a esperteza mais cedo ou mais tarde pode dar com os burros n’água. E a percepção do quanto é dura a sobrevivência, de tantos Malasartes e de tantos pedintes que se esparramam agora muito além das portas das igrejas.
17.09.2022

O bônus de hoje é duplo: primeiro o vídeo de Aula de Matemática, música de Tom Jobim com letra de Marino Pinto, na voz de Emílio Santiago. Depois o áudio de Matemática, de Zeca Baleiro.
Esse blog recomenda que seus leitores conheçam o site da Rede Estação Democracia. Acesso através do link abaixo.
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