Em Montevidéu, a capital uruguaia, existe o Club Atlético Rentistas, com suas cores vermelho e branco e o apelido Los Bichos Colorados. Ele foi fundado em 23 de março de 1933. Reza a lenda que o nome surgiu do incômodo de um vizinho ao local onde os rapazes que o fundaram costumavam treinar, gerando alguma algazarra e até tarde. Esse homem teria perguntado a eles, jocosamente, se algum iria trabalhar no dia seguinte. E um dos atletas, depois de um breve silêncio, respondeu que todos viviam de renda. A situação virou piada e um dos fundadores, Emílio Pronzolino, propôs que a nova agremiação tivesse esse nome.

Ironicamente, eles sempre enfrentaram grandes dificuldades financeiras e nunca passaram de um clube do bairro Cerrito de la Victoria, apesar de algumas poucas conquistas mais expressivas terem sido alcançadas ao longo do tempo. O único período no qual tiveram um razoável dinheiro em caixa foi cerca de duas décadas atrás, quando foram usados como laranja pelo conhecido empresário do futebol, Juan Finger. Isso porque eram uma ponte, que levava jogadores brasileiros para a Europa aproveitando as vantagens que o Uruguai oferecia, como paraíso fiscal. Dessa forma se tornava possível fugir dos altos tributos das transações. Foi quando Hulk, Filipe Luís, Thiago Ribeiro e outros foram legalmente atletas do Rentistas, sem jamais terem vestido a camisa do clube.

Enfim, rentistas são aquelas pessoas que usam o dinheiro que possuem apenas para ganhar mais dinheiro, sem fazer qualquer investimento em alguma atividade realmente produtiva. Um dinheiro, portanto, que gera valores sem gerar riqueza real, o que serve apenas para aprofundar a desigualdade social vigente. Não há diretamente um único emprego que seja criado; um único bem que seja feito ou comercializado; um único serviço prestado. São especuladores de diversos níveis, os reis daquilo que é volátil e não tangível.

No fundo tudo se trata de uma operação contábil: o dinheiro vai sem ter ido e retorna mais gordinho. E essa gordura é garantida pela emissão de títulos por parte do governo e pelo lucro que nós, meros mortais, geramos para o sistema financeiro, pagando juros exorbitantes por empréstimos, por financiamentos – esses sim para gerar produção e consumo – ou simples taxas de serviços. Usando a biologia como forma de explicar, se trata de uma relação simbiótica sui generis entre rentistas e banqueiros, que seriam parasita e hospedeiro, com o estranho resultado no qual o organismo parasitado é um terceiro: o corpo social. São a esses rentistas que o título refere como uma praga, não o clube de futebol do país vizinho, obviamente.

No Brasil, cerca de 1% da população faz parte desse grupo, habitando um país que não parece ser o nosso. Essa turma sempre foi o vampiro a sugar o sangue da classe trabalhadora. Para quem prefere uma outra comparação, sempre mamou nos seios fartos da pátria mãe. Depois, com a ditadura militar, passou a ser alimentada com mamadeira repleta de “Leite A”, tendo recebido permissão para intermediar a dívida externa e com o surgimento das inescrupulosas operações de overnight. Para quem não lembra, o sujeito ia dormir e ao amanhecer sua conta bancária tinha rendimentos creditados. Esse segundo “benefício” passou a acontecer quando a elite se apropriou dos aparatos estatais, passando a conduzir e ditar a política econômica; quando dominaram as empresas de mídia, controlando a opinião pública; e quando cooptaram boa parte da classe política, que depende de sua ajuda financeira para permanecer no poder.

A lógica vigente no Brasil atual é tão perversa que o ciclo se completa. O governo federal, por atos e omissões, ajuda a produzir inflação. Então, o Comitê de Política Monetária (Copom) decide aumentar a taxa de juros para supostamente frear esse processo. Com os juros subindo, os títulos ficam “atrativos” e isso retira ainda mais dinheiro da economia real, levando para a ciranda financeira e aumentando o desemprego. Então, para garantir a remuneração desses títulos que são adquiridos pelos rentistas, o mesmo governo reduz a sua capacidade de investimento. São bilhões de reais descendo pelo ralo. Faltam recursos para a saúde, a educação, a infraestrutura necessária ao desenvolvimento do país. Enfim, temos uma prostituição generalizada, com os bancos sendo os cafetões. No “frigir dos ovos”, a base da pirâmide social segue disputando pés de galinha e ossos, enquanto o topo pressiona por juros mais e mais altos, porque alguém precisa pagar o filé que ele come.

03.04.2022

O bônus de hoje é Pecado Capital, música de Paulinho da Viola, aqui interpretada por Jorge Aragão. O vídeo foi gravado ao vivo, no Morro da Urca/Pão de Açúcar, Rio de Janeiro.

DICA DE LEITURA

A ERA DO CAPITAL IMPRODUTIVO: a nova arquitetura do poder, sob dominação financeiras, sequestro da democracia e destruição do planeta

Livro do economista brasileiro de origem polonesa e nascido na França, Ladislau Dowbor (315 páginas)

A obra do professor da PUC/RJ, Ladislau Dowbor, investiga como a riqueza do mundo – minérios, petróleo, trabalho e alimentos – termina sendo capturada pelos bancos e pelos intermediários financeiros. Ela é resultado de uma vasta pesquisa, apontando estruturas que muito se assemelham a governos, para exercer o poder político diretamente e influenciar as principais decisões dos poderes públicos. O resultado é a esterilização da riqueza que a sociedade produz, com uma multiplicação que ocorre sem a criação de empregos e a criação de novas tecnologias. O mercado passa a considerar como positiva quaisquer atividades que gerem lucro, mesmo que elas travem a economia e tragam enormes prejuízos para a sociedade e para o meio ambiente. O texto destrincha não apenas como a financeirização dilacera as economias no Brasil, como também no mundo afora.

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