Na França, o Ano Novo era comemorado em 25 de março. Desde o Século XVI esse costume se estabeleceu, coincidindo com a chegada da primavera. Era o fim das estações mais frias, um momento no qual a vida voltava a brotar com todo o seu esplendor. Mas as festas não duravam apenas 24 horas, se estendendo por uma semana inteira. Terminavam, portanto, em 1º de abril. Com a adoção do calendário gregoriano, o que temos até hoje no Ocidente, foi determinado pelo rei Carlos IX que fosse adotado o 1º de janeiro. Isso foi em 1564 e, portanto, muito antes das notícias terem um mínimo de velocidade – telefone e outros meios não existiam nem mesmo nas mais criativas das mentes da época. Então, a ordem demorou para chegar a todos os recantos do país. E em muitos deles, mesmo tendo sido informada a decisão, havia gente que resistia à mudança, não entendendo haver uma razão plausível para abandonarem antigas tradições. Em função disso, mantiveram o que antes faziam. Mas, as pessoas que achavam isso uma esquisitice dos conservadores, começaram a remeter convites para festas que não aconteciam; enviar presentes estranhos; e ridicularizar os festejos de mentira. Com isso, nascia um novo costume, que depois se espalhou por outros países da Europa e pelo mundo todo. Na Inglaterra, por exemplo, ganhou o nome de April Fools’ Day (Dia dos Bobos de Abril).

No Brasil, a primeira brincadeira que se tem notícia, ao menos a que ficou registrada, foi nas Minas Gerais, em 1º de abril de 1828. Um jornal de vida efêmera como boa parte das falsidades – tem algumas que duram quatro longos anos – e com o sugestivo nome de A Mentira, teve como manchete principal do dia a notícia do falecimento do imperador Dom Pedro I. O que foi, evidentemente, desmentido no dia seguinte. Pensando bem, essa também foi a primeira fake news da qual temos informação, em nosso país.

A mentira em si é uma afirmação ou uma negação falsa, dita por alguém que tanto pode saber como ao menos suspeitar de que se trata de uma falsidade, de uma inverdade. Ela pode decorrer de engano, mas em geral tem cunho proposital, de quem espera que seus ouvintes – ou leitores, telespectadores ou seguidores em redes sociais – acreditem no que está sendo entregue a eles como algo real. Mas existe uma distância enorme entre a inverdade brincalhona e a mentira interesseira, que pode até ser patológica, compulsiva, como tantas que se vê por aí. O 1º de abril que se aplicava aos colegas de aula, lá no meu distante Curso Primário, em nada se equivale ao 1º de abril dos militares brasileiros, mais ou menos na mesma época, em 1964.

Hoje se completam exatos 58 anos daquele que foi o mais fatídico de todos os dias dedicados aos bobos, em nossa história. Ele próprio é um ensaio grotesco, primeiro por ser negado. Quando se deram conta que a data escolhida para o golpe militar não tinha sido a mais propícia, que se tratava de uma piada pronta, trataram de criar uma narrativa na qual anteciparam em um dia o que fizeram. E até hoje mentem que foi uma “revolução”, fingindo que não sabem a imensa diferença conceitual que existe entre um e outro dos eventos. Revolução é quando se trata de uma mudança radical, que transforma a estrutura social vigente com a participação popular – e não vale chamar de “povo” a cumplicidade de uma minoria, de apenas uma determinada classe ou de pequenos grupos. E por aqui não se botou abaixo nenhuma Bastilha, na ocasião. Golpe é o uso da força, normalmente a militar, para impor condições não desejadas pela maioria, retirando do poder quem chegou a ele legitimamente, ou para manter quem, mesmo eleito antes, deveria agora sair e não deseja isso.

Por isso o golpe militar de 1º de abril virou a revolução de 31 de março. Mas mentira em geral tem perna curta. E mesmo sendo os senhores do país por tanto tempo, os generais não podem nem jamais poderão mudar a história. Todo mundo sabe que os “bocós” não estavam do lado do povo naquela data. E nem estão, nos tempos atuais.

1º.04.2022

O bônus musical de hoje é Pega na Mentira, de Erasmo Carlos.

DICA DE LEITURA

BRASIL: NUNCA MAIS

Uma obra mais do que necessária: imperdível. De fato, verdadeiro relato para a história. Um grupo de especialistas dedicou-se durante 8 anos a reunir cópias de mais de 700 processos políticos que tramitaram pela Justiça Militar, entre abril de 64 e março de 79. O resumo desta pesquisa está neste livro. Um relato doloroso da repressão e tortura que se abateram sobre o Brasil. O prefácio é de Dom Paulo Evaristo Arns.

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