Em 1978 eu ingressei no curso de Engenharia Civil, na UFRGS, ao ser aprovado no vestibular com boa colocação. Vivi naquela universidade momentos muito novos, positivos e inesquecíveis, não exatamente com o curso, pois logo descobri que não seria aquele o caminho mais adequado para mim. Comecei a produzir poesia nas aulas de cálculo, por exemplo, com isso evidenciando que algo estava errado. Na Federal fiz alguns bons amigos e também estava, naquela época, despertando para outro nível de responsabilidades. Meu pai havia falecido meses antes do meu ingresso e isso ainda pesava um pouco. Mas as portas foram se abrindo para um mundo novo e cheio de perspectivas de vida. Dois anos depois eu estava na PUC e começando uma trajetória totalmente diferente da anterior.
Uma das melhores coisas que a vida universitária pode oferecer é a gama de alternativas para se mergulhar na cultura. Exposições, cursos paralelos, palestras, seminários, shows, eventos com muito valor em si, mas também muito importantes para o convívio, o entendimento da diversidade. Entre tantas opções, tive a sorte de conhecer o Projeto Pixinguinha – se minha memória não me trai, era esse mesmo o nome dele –, que oferecia shows de música brasileira nos finais de tarde, no Salão de Atos da UFRGS. A programação era nacional e várias outras universidades federais também participavam, além de teatros não ligados a nenhuma delas, com as apresentações gratuitas sendo feitas em rodízio. O número de salas era idêntico ao de artistas e assim a gente sabia com antecedência quem estaria onde e quando. A lotação era completa e quem não tinha como chegar cedo sentava no chão, pelos corredores ou na frente do palco, sem problema algum.
Lembro de uma ocasião, em especial, quando consegui um dos últimos lugares ainda livres. Depois chegaram mais e mais pessoas, até que a garota mais bonita que eu conhecia, desde ainda o Segundo Grau, sentou na minha frente. Ofereci educadamente o lugar para ela, que não aceitou. Mas se encaixou na minha frente, se encostou em mim e ficou lá o tempo todo. Suas mãos se revezavam entre os aplausos e no apoio necessário, em cada uma das minhas pernas. Foi sensacional, mas não saberia dizer hoje quem se apresentou naquele final de tarde. Nessas horas lamento muito a timidez que eu tinha e que ninguém imaginava, uma vez que eu era e sou muito falante. Sobre tudo, menos sobre mim mesmo e os meus sentimentos.
O homenageado Pixinguinha foi registrado como Alfredo da Rocha Vianna Filho (1897-1973), tendo nascido e morrido no Rio de Janeiro. É considerado um dos maiores compositores da música popular brasileira de todos os tempos. Sua contribuição foi fundamental, por exemplo, para o reconhecimento do choro. Carinhoso, que compôs em parceria com João de Barro (Braguinha), é simplesmente uma obra prima. O projeto, por sua vez, foi gestado em 1977, mesmo ano no qual surgiu a Fundação Nacional de Artes (Funarte), que foi a responsável por ele. A inspiração veio de uma série de shows anteriormente apresentados no Teatro João Caetano, que fica no Centro do Rio de Janeiro. Era o Seis e Meia, com seus preços populares, conseguindo lotar as dependências todos os dias.
Foi assim que ao longo de dois anos letivos estiveram na UFRGS nomes como Jackson do Pandeiro, Marina Lima, João Bosco, Beth Carvalho, Paulinho da Viola, Nara Leão, Djavan, Zizi Possi, Alceu Valença, Gonzaguinha, Ivan Lins, Jards Macalé, Moreira da Silva e vários outros. Estive em todos aqueles que consegui. Me arrependo de algumas vezes não ter comparecido. Aliás, se me fosse possível voltar no tempo – todo mundo em algum momento e por diversos motivos, tem esse desejo – eu mudaria apenas duas coisas na minha vivência universitária: aproveitaria bem mais os eventos paralelos e estabeleceria vínculos de amizade ainda mais profundos. Sem dúvida, a importância que tem um currículo para a posterior vida profissional rivaliza com as indicações que são feitas por quem conhece tanto a pessoa quanto o seu trabalho. Indicações têm enorme valor e relevância. E quanto à menina linda aquela, ela casou com um músico. Certamente mais talentoso e menos tímido do que eu.
12.03.2022

O bônus de hoje é a música Carinhoso, de Pixinguinha e Braguinha. Mas com uma apresentação mais inusitada, pois feita no exterior, mais precisamente na Espanha. O vídeo tem Rita Payes (vocal), Joan Chamorro (contrabaixo), Elisabeth Roma (guitarra) e Jo Krause (bateria).
Outra delícia de relato memorial que traz como tema este grande músico Pixinguinha, que enalteceu nossa cultura sonora, continuando a obra de Chiquinha Gonzaga! Interessante notar que, no campo artístico, os destaques são para talentos negros que, dificilmente, são reconhecidos fora dessa área, com raras exceções! A interpretação e arranjo do Carinhoso espanhol com sotaque é bela e original e certamente corre o mundo mostrando que nosso país, apesar de todos os pesares que vivemos hoje, com o menosprezo aos artistas, aos negros e às políticas culturais, foi e ainda é território de preciosidades musicais! Parabéns 👏🏼👏🏼👏🏼
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Inês, muito obrigado MESMO pelo carinho dos teus comentários. E principalmente pela leitura frequente. Abraço!
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