O BEIJOQUEIRO

O homem foi dessas subcelebridades que surgem do nada e ganham espaço na televisão e outros meios de comunicação. Mas desapareceu por completo há pouco mais de uma década. Não consegui descobrir sequer se ainda está vivo. Mesmo assim, ainda deve ser grande o número de pessoas que dele venha a se lembrar, lendo aqui sobre um pouco da sua história. José Alves de Moura nasceu na cidade de Gondomar, freguesia de Baguim do Monte, em Portugal. Isso foi ainda em 1940, tendo vindo para o Brasil 17 anos depois, onde radicou-se no Rio de Janeiro. A razão dessa mudança é a primeira das inúmeras controvérsias que marcam sua vida. Teria sido para fugir do serviço militar em seu país, segundo alguns. Mas há quem diga que foi apenas para “tentar a sorte”, como tantos fazem ao se darem conta de que as oportunidades andam escassas em seu local de origem.

Aqui no Brasil, foi de tudo um pouco, de motorista de táxi a pequeno comerciante, passando inclusive pela função de empresário de jogadores de futebol. Então, uma segunda dúvida: teria sido várias vezes internado em instituições psiquiátricas ao longo da vida, desde que fora agredido durante um assalto, no qual o golpearam várias vezes na cabeça. Mas essa informação é outra que carece de comprovação e demandaria um trabalho de pesquisa mais profundo. O que nos interessa nesse momento é destacar como esse cidadão comum foi parar nas manchetes e ganhou a alcunha de “Beijoqueiro”. Tudo teria começado com o desafio lançado por amigos seus, que propuseram que ele subisse ao palco e desse um beijo em Frank Sinatra, que se apresentaria no Maracanã.

Isso foi na noite de 26 de janeiro de 1980 e, sabe-se lá como, ele de fato conseguiu burlar toda a segurança e cumprir a meta quase impossível. O cantor norte-americano recebeu, constrangido, um beijo na bochecha. Isso está registrado em fotos que foram reproduzidas pela imprensa mundial. A consequência é que isso desencadeou em José o desejo incontido de continuar com essa jornada. E ele passou a frequentar todo e qualquer evento onde pudesse se aproximar de pessoas famosas e repetir o ato original. Um documentário assinado pelo cineasta Carlos Nader, iniciado em 1992, o chama de Serial Kisser, num trocadilho intencional com a expressão Serial Killer (assassino em série). Entretanto, além da fama, essa situação toda lhe trouxe inúmeros percalços. Ele foi demitido do emprego que tinha na ocasião, como motorista de táxi. E a empresa disse que os clientes passaram a temer a possibilidade de também serem beijados. Também passou a ser chamado preconceituosamente de homossexual e sua esposa o abandonou.

Na sua trajetória beijou, entre outros tantos, os cantores Erasmo Carlos, Chico Buarque, Tony Bennett, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Outro cantor, Paulo Sérgio, que escapou disso em vida, teve a sua testa beijada duas vezes pouco antes de ser sepultado no cemitério do Caju, em 1980. Quando a banda britânica The Cure esteve no Brasil, seu baixista Simon Gallup também não escapou. Mas não eram apenas artistas as “vítimas” prediletas do Beijoqueiro. Leonel Brizola, por exemplo, recebeu o beijo. Assim como duas ex-primeiras-damas do país, Dulce Figueiredo e Sara Kubitschek. A lista vai longe, incluindo Itamar Franco; Marta Rocha e Natália Guimarães, que foram ambas Miss Brasil; vários jogadores de futebol, como Garrincha, Falcão, Roberto Dinamite e Biro-Biro; a atriz Shirley MacLaine; e o ex-presidente de Portugal, Mário Soares.

Inúmeras vezes ele foi agredido. Quando beijou Zico, policiais militares que estavam por perto o espancaram: teve costelas e dentes quebrados e ainda acabou preso. Na ocasião foi submetido a uma bateria de exames que buscavam determinar se era ou não insano. Sem comprovação de nada, foi liberado pelo juiz Maryno da Costa, que declarou na ordem de soltura que “beijar não é crime. Quem dera se todos os delinquentes do Brasil trocassem suas armas por beijos”. Quando da visita do Papa João Paulo II ao Brasil, foi preso outra vez, preventivamente, enquanto Sua Santidade esteve no Rio de Janeiro. Solto, foi para São Paulo, segunda das sete paradas previstas do Papa no Brasil. Foi outra vez preso. Fez o mesmo depois em Curitiba, onde amargou a terceira detenção. De volta ao Rio, fez um apelo em praça pública por recursos para tentar alcançar o Papa em sua última parada, que seria em Manaus. Em duas horas recolheu apoio e recursos para as passagens aéreas. Na capital amazonense pode enfim se aproximar do Sumo Pontífice, diante do qual se curvou a deu uma série de beijos nos pés.

A verdade é que esse personagem nunca fez mal a ninguém. Ao contrário, gerava enorme empatia, tendo conseguido coisas muito inusitadas, como aparecer em gibi publicado pela Disney, em história na qual tentava beijar o personagem Zé Carioca. E também está citado na canção Pega na Mentira, que Erasmo Carlos gravou em 1981. Na sua “carreira”, ainda conseguiu beijar Dercy Gonçalves na festa dos seus cem anos, na boca. Outra vez nas bochechas, teve registros com Marta, do futebol; Janeth, do basquete, assim como Oscar Schmidt; e uma tentativa de fazer o mesmo com Romário, em noite na qual era esperado que fizesse seu milésimo gol. Nesta última foi outra vez agredido, agora por seguranças do Vasco, precisando ser atendido por médicos do Maracanã. A última aparição desta figura foi em 2009, quando anunciou que tentaria beijar o ex-presidente dos EUA, Barack Obama. Mas não conseguiu isso, do mesmo modo que não se consegue mais saber dele.

Se ainda estiver vivo, está idoso. E talvez tenha afinal aprendido, em especial pelo que se viveu nos últimos anos, que nesta “terra Brasilis” beijos são menos valorizados do que armas. Com certeza, hoje em dia, é muito mais fácil levar um tiro nas ruas do que receber manifestações de afeto e de carinho. O que é certamente mais insano do que ele talvez tenha sido e do que ele fazia.

06.03.2023

A primeira das ações do Beijoqueiro: Frank Sinatra, durante show no Brasil

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Quanto ao bônus de hoje, trata-se da música Beijoqueiro, com Kleiton e Kledir.

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LOUCURAS CARNAVALESCAS

Tirando o tempo no qual eu ainda criança era levado para ver o desfile dos blocos na Avenida dos Industriários, no coração do IAPI, em Porto Alegre, como adulto fui poucas vezes ver pessoalmente o Carnaval de Rua. Na capital gaúcha creio que apenas duas vezes: a primeira por insistência do meu sobrinho Luciano, quando acompanhamos tudo na Perimetral, em ano no qual o Império da Zona Norte levantou o título. Na comissão de frente, um grupo vinha representando robôs, em um enredo que falava de tecnologia. Agora, bem recentemente, passei outra madrugada para ver a justa homenagem prestada para Olívio Dutra, pela mesma escola que vencera na minha primeira experiência. Desta vez ela não levou, mas o desfile foi muito honesto, tanto como toda a vida da figura lendária que reverenciou. O local era o Porto Seco, para onde os foliões foram deslocados, pelo preconceito que os tirou do centro da cidade. Não que o ponto seja ruim, mas é tão distante que afasta o público e transforma o Carnaval num nicho.

No Rio de Janeiro estive em apenas um carnaval, quando participei do incrível baile Vermelho e Negro, que lotava as dependências da Gávea, território flamenguista de corpo e alma. De resto, foi apenas na frente da televisão e sem um entusiasmo digno de nota. Em termos de escolha, toda a vida fui e sou Portela. Forçando outra vez a memória, muito para territórios quase esquecidos, era ainda um projeto de gente quando fui aos bailes infantis no Juventude e Santa Cruz, em Bom Jesus; e no Recreio Guarany, em Caxias do Sul. Os dois primeiros eram e são os únicos clubes sociais da minha cidade natal. O terceiro, porque a gente era vizinho, morando na mesma quadra.

Mas o Carnaval é mais do que festas privadas e escolas de samba, sejam umas ou outras de quaisquer tamanhos. Ele hoje em dia é muito um espetáculo que se vende a turistas. Entretanto, da sua origem ele guarda uma manifestação autêntica, de extravasamento, de libertação, de momento de exaltação no qual se quer e precisa ver o mundo todo do avesso. Ou, ao menos, a nossa vida de ponta cabeça. Talvez porque com a cabeça para cima não raras vezes ela seja complicada, complexa e até confusa – três palavras com a mesma letra C, inicial de Carnaval. Como nem sempre se consegue levar revolta adiante, se quebra regras por alguns dias, até que as cinzas nos permitam uma ressaca e a volta posterior à realidade.

Não estou sendo nem um pouco original ao escrever isso. O filósofo e pensador Mikhail Bakhtin (1895-1975), por exemplo, já havia percebido que as brincadeiras e festas que o Carnaval permite estavam e estão repletas de inversões que colocam o mundo sob uma perspectiva nova. Os risos, brincadeiras e até mesmo uma certa embriaguez, que não precisa necessariamente ser alcoólica, fazem com que a celebração da vida se torne, ao longo deste curto período, singular. No fim, a loucura é necessária para que se mantenha a sanidade. E o exagero contribui para que se exorcize tantas carências cotidianas.

Interessante é que o Carnaval brasileiro, sendo hoje o maior do mundo, a muitos parece indicar ter nascido aqui a festa – pensamento semelhante ao que acontecia em relação ao futebol. Mas isso não corresponde à verdade de modo algum. Suas raízes teriam sido festas na Grécia e no Egito, que celebravam a chegada da primavera. O que também pode nos remeter às festas dedicadas para Dionísio, para bacanais que ocorriam quando os próprios deuses tratavam de vir do Olimpo até a Terra. Tudo isso depois incorporado pela própria Igreja Católica ao melhor estilo “se não consegue vencer um inimigo, junte-se a ele. E o que poderia ser mais relevante, para o mundo cristão ocidental, do que a retirada da culpa em relação ao prazer? Melhor permitir isso ao longo de quatro dias, com vistas grossas, assegurando que fiquem garantidos os 40 seguintes, de sacrifícios, jejum e penitência, que separam essa festa da Páscoa.

No Brasil, ele iniciou no período colonial, com os escravos praticando o “entrudo”, quando saíam pelas ruas com rostos pintados e jogando água de cheiro e farinha nas pessoas que se aglomeravam para vê-los. Hoje ocorre, com variações na forma, em dezenas de países espalhados pelo mundo. No seu livro Carnavais, Malandros e Heróis, publicado em 1979, o antropólogo Roberto DaMatta comenta que todas as sociedades, de algum modo, têm festas que desmontam sua ordem social. E se não a desmontam de verdade, ao menos apontam muita hipocrisia cotidiana. São muitos os sambas-enredo que fazem isso com uma competência extrema. O que as marchinhas também nos oferecem, em geral com letras embaladas de verdades e ironias.

20.02.2023

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Após temos o bônus de hoje, que é um clipe com marchinha carnavalesca muito bem-humorada e atual, composta por Nino Antunes: Presidiota.

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